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Tarifaço pode tirar EUA do mapa de venda do Brasil

Segundo analistas, seria um efeito colateral à elevação da tarifa de 10% para 50% a produtos brasileiros

10 de julho de 2025

Por Aline Bronzati, correspondente*

Do alívio à perplexidade, a tarifa dos Estados Unidos contra o Brasil subiu do piso (10%) para o teto (50%), numa medida que, se não for revertida, ameaça riscar a maior economia do mundo do mapa de muitos exportadores. Os efeitos da taxação pesam nos ativos financeiros. As taxas de juros futuros e do câmbio subiram ontem e devem seguir nessa toada na sessão desta quinta-feira. A moeda à vista avançou 1,04% ontem, a R$ 5,5024, sendo o maior valor de fechamento desde 25 de junho (R$ 5,5551) e ultrapassando os R$ 5,50 pela primeira vez desde a mesma data. A ação também agrava a situação de processos de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês) entre empresas brasileiras e americanas, que já vinham titubeando.

Menos mal que, mesmo sendo o segundo maior destino dos embarques brasileiros, os Estados Unidos não têm peso suficiente para levar sozinho a economia brasileira à recessão, de modo que o impacto no Produto Interno Bruto (PIB), ainda que não desprezível, deve passar longe de ser uma tragédia. Nas contas do Goldman Sachs, se forem “duradouras e sem grandes retaliações”, as novas tarifas de Trump podem ter impacto negativo de 0,3 a 0,4 ponto porcentual no PIB brasileiro. O cenário-base do banco americano já contempla efeito de 0,1 ponto porcentual.

É a vantagem de ter, nesses momentos, uma economia fechada. Mas o plano de empresas brasileiras de comprarem ou se fundirem com concorrentes americanas para tentar crescer nos Estados Unidos, e fugir das tarifas de Donald Trump. O ambiente de crescente incerteza tem feito as próprias companhias americanas postergarem negociações de fusão e aquisição e já há relatos de operações de brasileiras que foram paralisadas nos últimos dias.

Depois de ameaças, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou na tarde de ontem uma tarifa de 50% a produtos brasileiros, a partir de 1º de agosto, muito acima dos 10% anunciados meses antes. No primeiro anúncio do tarifaço, em 2 de abril, o sentimento entre exportadores brasileiros era de “dos males, o menor”. Havia até mesmo uma leitura de que o Brasil poderia tirar vantagem por ter ficado com a menor tarifa.

Muito além

Só que o cenário mudou radicalmente hoje, com Trump comunicando que o Brasil vai pagar a maior alíquota, o que impõe ao Brasil o desafio de buscar novos clientes quando o resto do mundo também procura destinos alternativos aos Estados Unidos. A imprevisibilidade já é a principal marca da política comercial americana, mas ainda assim o anúncio não deixou de surpreender, já que as apostas eram, em geral, de que Trump não elevaria a taxa de entrada dos produtos brasileiros para mais de 20%.

“É um grande aumento, porque a tarifa efetiva sobre o Brasil agora é de cerca de 8%. Então, aumentar de 8% para 50% parece assustador, enorme”, avaliou a economista-chefe de mercados emergentes da gestora VanEck, Natalia Gurushina, baseada em Nova York, em entrevista ao Broadcast.

Para o consultor Welber Barral, a tarifa de 50% deixa o Brasil praticamente de fora do mercado americano, já que os consumidores dificilmente aceitarão o repasse da elevação tarifária, exceção a produtos específicos e insubstituíveis. “Não tem como transferir isso para o preço, né? Então, a maioria [dos setores] vai ter um impacto grande na exportação”, comentou Barral.

O economista e professor dos MBAs da Fundação Getulio Vargas, diz que a tarifa de 50% a produtos brasileiros anunciada pelos Estados Unidos carece de fundamento econômico e terá um impacto significativo sobre empresas exportadoras. “É uma medida que não tem fundamento econômico e, pela própria forma como foi veiculada, é um exercício de geopolítica imperial. Cita questões políticas, diz que o Supremo Tribunal Federal censura empresas, o que absolutamente não é verdade”, diz.

Segundo ele, entre os setores mais prejudicados por uma tarifa desta magnitude estão o siderúrgico e a indústria de aviação – a Embraer e seus fornecedores. “Os empresários do setor do aço não vão dormir esta noite. É um produto que já vinha perdendo competitividade”, acrescenta. O agronegócio também deve ser prejudicado pela tarifa de 50%, especialmente a venda de café e carnes.

Para o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, a taxação de Trump inviabiliza o comércio de manufaturas com os Estados Unidos. As empresas, numa primeira reação à medida, devem suspender vendas aos Estados Unidos, até que se tenha uma definição sobre as tarifas. Conforme Castro, agora é a hora da diplomacia entrar em campo na tentativa de reversão.

Ramos, do Goldman Sachs, diz que a retaliação geraria um impacto negativo maior na atividade brasileira e na inflação, mas esse movimento ainda não está claro. “A inclinação política pode ser para fazê-lo, mas antecipamos que os exportadores locais instarão o governo a desescalar”, diz.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou há pouco que “qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica”.

Motivação política

A motivação política da taxação de Trump aos produtos brasileiros também repercutiu nos EUA, da política à economia. O CEO da consultoria Eurasia, Ian Bremmer, afirmou que os americanos estão interferindo na política interna do Brasil com a justificativa de que a alíquota responde aos ataques ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Na carta direcionada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o republicano afirmou que a taxação é uma resposta ao tratamento dado pelo País ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) contra empresas americanas de tecnologia. “Seria intolerável para os líderes políticos americanos (republicanos e democratas) se outro país tentasse isso nos Estados Unidos”, avaliou Bremmer, em seu perfil no ‘X’.

Já Paul Krugman, economista norte-americano, vencedor do Nobel de Economia de 2008, disse que a nova tacada de Trump é motivo para o impeachment do atual chefe da Casa Branca. “Se ainda tivéssemos uma democracia que funcionasse, essa jogada contra o Brasil seria, por si só, motivo para impeachment”, diz Krugman, em postagem, nesta quarta-feira. A medida é “tanto maligna quanto megalomaníaca” e não deve ser ignorada, conclui.

Reação no mercado

As empresas exportadoras devem novamente sofrer na sessão desta quinta-feira em reação ao anúncio de aumento de tarifas. Na véspera, Embraer, WEG, os frigoríficos e as petroleiras já experimentaram recuo no mercado acionário doméstico. Outras companhias, que têm os EUA como destino de seus produtos, também devem apresentar um desempenho ruim no pregão, como a Azzas e a Alpargatas, cuja expectativa é de queda de 7% e 4%, respectivamente, em seus resultados, de acordo com o Citi.

O alívio para o Ibovespa, principal índice da B3, pode vir das mineradoras nesta sessão, apesar do tarifaço imposto ao Brasil. Os papéis de Vale, Bradespar e CSN Mineração podem ter um dia positivo considerando a alta expressiva do minério de ferro no mercado futuro de Dalian, na China. A commodity subiu mais de 3% e fechou negociada em cerca de US$ 106.

*Com Eduardo Laguna, Altamiro Silva Júnior e Gustavo Nicoletta, Ana Paula Machado e Silvana Rocha

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