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Evento começa com expectativa alta sobre declaração final

Diferentemente das últimas duas conferências, essa vai tratar de mais de uma prioridade e, por isso, foi apelidada de "Cop de Tudo"

10 de novembro de 2025

Por Cristina Canas, Karla Spotorno (da Broadcast) e Paula Ferreira (do Estadão), enviadas especiais

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) começa nesta segunda-feira com grandes expectativas sobre a declaração final dos países-membros. Segundo especialistas do Instituto Clima e Sociedade (iCS), isso ocorre em várias frentes. Uma delas é sobre financiamento.

Lucca Rizzo, especialista em finanças climáticas do iCS, relata que se espera menção na declaração final sobre o relatório “Baku to Belém”, que trata da questão do financiamento climático. “Foi um relatório muito elogiado internacionalmente”, disse Rizzo.

Outro ponto é sobre a conexão entre o comércio internacional e clima, segundo Victoria Santos, gerente de Energia e Indústria do iCS. Alguns atores têm o desejo de ver discutido ao longo das próximas semanas e refletido na declaração final o tema sobre redução do subsídio aos combustíveis fósseis, segundo Santos.

“O debate do transitional way, iniciado na COP28, em Dubai, está concentrado na questão dos subsídios”, disse a gerente no iCS. Por ora, não há nenhum sinal de que o debate esteja maduro e que o tema deve ser mencionado na declaração, escrita por consenso entre os mais de 190 países, mas o fato é que esse é um assunto na pauta há dois anos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a mencionar a necessidade de mecanismos para acelerar a transição durante a cúpula de líderes na semana passada.

Cintya Feitosa, líder especialista em estratégias internacionais do iCS, afirmou que essa é a “COP de tudo” porque, diferentemente das últimas duas conferências, essa vai tratar de mais de uma prioridade. Feitosa lembrou que a COP28 ficou marcada por ser a COP da transição energética. O marco da COP29, em Baku, no Azerbaijão, foi o financiamento. “Nessa COP, vão ser tratados vários temas. De mitigação até adaptação, meios de implementação e transparência”, afirmou Feitosa.

Teste de credibilidade

Décadas após o primeiro encontro, a conferência no Pará enfrentará um teste de credibilidade, em um momento de turbulências geopolíticas, diante de conflitos bélicos e guerra comercial, e descrédito nas negociações climáticas e do multilateralismo. A COP está prevista para terminar no dia 21 de novembro, mas pode atrasar, inclusive isso tem ocorrido nos últimos anos.

O regime climático da ONU é composto por 198 partes: além das nações, participa a União Europeia. Todas as decisões tomadas nas COPs precisam do consenso dos participantes. Até o momento, pouco mais de cem países submeteram suas novas metas climáticas.

Não há sanções, porém, para eventual descumprimento dos compromissos assumidos, como as metas de cortes de emissões de gases de efeito estufa. Há críticas sobre a pouca ambição dos acordos firmados e à falta de implementação das decisões.

O presidente da conferência, embaixador André Corrêa do Lago, tem defendido que os países tirem metas do papel e façam a “COP da implementação”. Ele promete tratar de temas difíceis, como planos para abandonar combustíveis fósseis e o o direcionamento de recursos dos países ricos para os pobres na adaptação climática. “Vamos falar dos elefantes na sala”, disse ao Estadão.

Há expectativa sobre quatro temas centrais que incluem não só as negociações multilaterais, mas também a capacidade do Brasil de mobilizar outros países – como na tentativa do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de emplacar o fundo de proteção de florestas.

Transição justa

Prevista no cronograma para ser debatida nesta edição, a transição justa é um dos principais temas de interesse do Sul Global, incluindo o Brasil. Será discutida a transição econômica e energética dos países rumo a um modelo de baixo carbono. A perspectiva é a de que isso seja feito de forma equitativa, levando em conta as necessidades das nações mais pobres.

Esse é mais um tópico no qual a divergência entre pobres e ricos deve aparecer. De um lado, as nações desenvolvidas manifestam a preocupação com a qualificação da mão de obra na transição de uma indústria de fósseis para a produção de energias renováveis. De outro, países em desenvolvimento querem garantir acesso à energia, financiamento, aspectos de infraestrutura e necessidades socioeconômicas associadas a essa transição.

“Um mecanismo institucional que facilitasse essa implementação seria o maior gol que a gente poderia esperar no âmbito das negociações de transição justa”, afirma Beatriz Mattos, Coordenadora de Pesquisa da Plataforma CIPÓ e especialista no tema. “Até então o que esses países [do Sul Global] enfrentam é uma escassez dos chamados meios de implementação de ação climática, ou seja, capacidades, tecnologia e financiamento.”

Por outro lado, a principal derrota na opinião de Mattos seria que os países não aprovassem nenhuma resolução sobre o tema. Quando não há consenso em uma COP, os países podem pedir a famosa “regra de 16″ para encerrar o tema e retomar a discussão desde o início, levando para uma próxima conferência.

Há expectativa ainda sobre como serão tratadas as chamadas medidas unilaterais de comércio, que são ações tomadas pelos países para restringir negócios com outras nações sob argumento de que não respeitam o meio ambiente. Países desenvolvidos argumentam que a COP não é o fórum adequado para esse tipo de discussão. Já as nações em desenvolvimento defendem que o tema precisa ser debatido.

“O que os países em desenvolvimento estão querendo trazer para discussão é como essas medidas unilaterais de comércio prejudicam as economias desses países, que, muitas vezes, não conseguem alcançar suas metas climáticas por conta da falta de financiamento adequado”, explica Beatriz Mattos.

Combustíveis fósseis

O tópico de transição justa é uma janela para que outro tema importante venha para a mesa: a transição rumo ao fim do uso de combustíveis fósseis. O ponto foi acordado durante a COP-28, em Dubai, em 2023, mas até o momento nenhum cronograma para realização dessa mudança foi definido.

Na visão de especialistas, caso o tema seja pautado, a definição desse cronograma seria a principal entrega da COP-30. Até o momento, no entanto, os passos da presidência brasileira na tentativa de pautar o tema foram pequenos.

“A COP-30 não pode ficar conhecida como a COP que enterrou a meta de 1,5º C e só vamos conseguir impedir isso se o mundo decidir cumprir o combinado há dois anos de se afastar dos combustíveis fósseis”, afirma Stela Herschmann, especialista em Política Climática do Observatório do Clima.

“A maior contribuição climática que a COP-30 pode dar é iniciar a conversa sobre como vamos tirar isso do papel de forma justa, equitativa e equilibrada para todos”, completa.

A definição de um cronograma para a transição também é uma defesa da ministra de Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. Durante as reuniões preparatórias para a COP-30, em Brasília, Marina abordou o tema em discurso, gerando reação de países produtores de petróleo, como a Arábia Saudita.

Durante coletiva de imprensa na última sexta-feira, 31, a ministra voltou a abordar o tema e mencionou a decisão tomada em Dubai.

“Isso exige de nós e de todos países produtores e consumidores de petróleo que tenhamos indicadores de esforço que sejam gradativamente aumentados para além do que nós temos”, disse a ministra.

Acordo de Paris

Na COP de Belém, o Acordo de Paris completa dez anos. O acordo definiu as metas de emissão de cada país para limitar o aumento da temperatura global a 1,5º C acima dos níveis pré-industriais, as chamadas “Contribuições Nacionalmente Determinadas” (NDCs, na sigla em inglês).

Neste ano, as nações signatárias do acordo devem revisar suas metas e submeter novas ambições. Até o momento, no entanto, pouco mais de cem países submeteram suas novas metas, de um total de 196 signatários do Acordo de Paris.

Além do atraso na submissão dos documentos, especialistas projetam que as metas assumidas trarão uma defasagem em relação à necessidade de ambição para responder ao aquecimento global.

Na semana passada, um estudo da ONU analisando as NDCs apresentadas até o momento mostrou que as metas assumidas só seriam capazes de reduzir em 10% as emissões até 2035. A capacidade é bem abaixo do esperado, uma vez que o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) calcula que até 2035 as emissões devem cair 60% na comparação com os níveis de 2019 para limitar o aumento da temperatura.

A cobrança de NDCs mais ousadas é vista por muitos especialistas como um ponto central para manter a confiança no regime climático multilateral.

“Uma possibilidade, a depender da amarração política, é termos algo sobre as NDCs, considerando que muitos países ainda não apresentaram seus novos compromissos. A princípio, alguma declaração mais política, reforçando a obrigação das Partes de apresentarem suas NDCs”, afirma o especialista em política internacional e clima do Instituto Climainfo, Bruno Toledo Hisamoto.

Adaptação climática

Item de agenda da COP-30 e tópico considerado prioritário pelo Brasil, a adaptação climática pode trazer definições nesta conferência. Esse tema diz respeito às medidas tomadas pelos países para se adaptar aos efeitos das mudanças climáticas. O assunto ganhou maior proporção entre as prioridades do Brasil, sobretudo após o desastre climático que atingiu o Rio Grande do Sul e a seca que impactou a região Norte.

A expectativa dos países é que sejam estabelecidos os indicadores para a Meta Geral de Adaptação (GGA, na sigla em inglês). Nas reuniões que antecederam a COP, em Bonn, na Alemanha, e em Brasília, especialistas contribuíram com uma lista de 100 indicadores que incluem diversas áreas, como saúde, agricultura, saneamento, entre outras. O pacote deve ser avaliado em Belém.

Para Natalie Unterstell, especialista em Mudança do Clima e presidente do Instituto Talanoa, uma conquista significativa seria acordar uma maneira de aumentar o financiamento para adaptação climática.

“Isso significa sair de Belém com uma decisão concreta que aumente o volume e a previsibilidade de recursos. Tanto públicos, vindos dos países doadores, quanto privados e multilaterais”, afirmou.

Ela explica que a medida seria importante sobretudo após a frustração da COP-29, em Baku, quando os países acordaram uma meta global de financiamento de US$ 300 bilhões, bem abaixo do US$ 1,2 trilhão estimado como valor necessário. A especialista opina que apesar da resistência de países ricos em ampliar recursos, há espaço para uma decisão como esta. “Seria principalmente um gesto para aumentar a confiança entre os países, que saiu estremecida de Baku”, disse.

Durante coletiva de imprensa na última sexta-feira, a ministra Marina Silva destacou a importância de o Brasil contribuir com o tema na COP-30. “Todos esses esforços voltados para que a gente possa enfrentar a mudança do clima de forma justa, olhando para os mais vulneráveis, no momento em que um dos temas é a questão da adaptação, sendo nós o país que sofreu o que sofreu com a seca na Amazônia e as enchentes no Rio Grande do Sul”, afirmou.

Criação efetiva do TFFF

Embora não seja um item de negociação, mas sim uma proposta do Brasil, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) pode ser um resultado da COP de Belém. O fundo proposto pelo Brasil pretende captar recursos para preservação de florestas. A proposta é que o fundo gere e distribua dividendos da ordem de US$ 4 bilhões por ano. A ideia é destinar a países beneficiários US$ 4 (pouco mais de R$ 20) por hectare de floresta tropical preservada.

Até o momento, no entanto, apenas o Brasil anunciou um aporte de US$ 1 bilhão no fundo. Durante visita do presidente Lula à Indonésia, o presidente do país asiático, Prabowo Subianto, anunciou que também aportará recursos no TFFF, mas não detalhou cifras. O Brasil tenta impulsionar outros países a aderirem à iniciativa.

Nesta semana, nos dias 6 e 7, durante a Cúpula de Líderes que antecede a COP-30, Lula oferecerá um almoço para conversar com outros chefes de Estado sobre o fundo. “Temos expectativas muito positivas de que o Brasil terá boa companhia em termos de anúncios”, disse o embaixador Maurício Lyrio, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Itamaraty.

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