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‘Uma mudança para pior, piora para eles também’

Para CEO da Embraer, se governo dos EUA adotar novas tarifas contra Brasil, consumidor americano pagará

11 de setembro de 2025

Por Aline Bronzati, enviada especial a Washington

Se o governo de Donald Trump adotar novas tarifas contra o Brasil em resposta ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e atingir o setor de aviação, companhias aéreas e consumidores americanos também pagarão a conta, alerta o CEO da Embraer, Francisco Gomes Neto. Mesmo assim, o executivo se diz otimista e acredita que a taxação sobre o segmento, hoje em 10%, voltará a zero em algum momento.

“Eu acredito muito na tese econômica. Uma mudança para pior, piora para eles também”, diz Gomes Neto, em entrevista exclusiva à Broadcast, durante anúncio de um negócio de US$ 4,4 bilhões com a empresa aérea americana Avelo Airlines, nesta quarta-feira, em Washington, capital dos EUA.

Nas conversas com porta-vozes do governo Trump, o executivo tem ressaltado os investimentos previstos pela Embraer nos EUA, que podem chegar a US$ 1 bilhão. Gomes Neto já se reuniu com os secretários do Comércio, Howard Lutnick; do Tesouro, Scott Bessent; e de Transportes, Sean Duffy, desde o Dia da Libertação, em abril, e espera uma nova rodada de conversas em breve para tratar dos 10% restantes.

A Embraer anunciou hoje um pedido de até 100 jatos E195-E2 da Avelo Airlines. Trata-se do primeiro feito por uma operadora americana. No entanto, o custo final das aeronaves pode subir se a taxação de 10% ao setor aéreo brasileiro for mantido. “Espero que isso mude entre agora e quando realmente assumirmos o controle das aeronaves”, disse o fundador e CEO da americana Avelo Airlines, Andrew Levy. Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Broadcast: O anúncio ocorre em um momento desafiador, em meio à guerra tarifária dos Estados Unidos (EUA) com o mundo, especialmente com o Brasil, e na semana em que o ex-presidente Jair Bolsonaro está sendo julgado, o que é uma das razões para o ex-presidente Donald Trump ter taxado o Brasil. Qual é o seu significado em um momento como este?
Francisco Gomes Neto:
Sempre focamos no lado econômico e técnico. A parte política tem altos e baixos, mas mantemos a atenção no que controlamos. Estamos muito felizes e otimistas: é a primeira venda do E2 nos Estados Unidos, o maior mercado de aviação do mundo. A estratégia da Avelo é usar essa aeronave para complementar aviões maiores, conceito que já defendemos junto às companhias aéreas globais. Vejo o anúncio com otimismo e espero que muitos outros pedidos venham.

Broadcast: Há mais negociações em andamento?
Gomes Neto:
Sim. Nós estamos trabalhando com várias outras empresas aéreas, mas não tem nada concreto ainda.

Broadcast: No anúncio, os executivos da Embraer e da Avelo defenderam que a tarifa do setor de aviação, hoje em 10%, volte ao patamar zero. Que impacto o anúncio pode ter nas negociações com o governo Trump?
Gomes Neto:
A Embraer tem um modelo de negócio que é muito favorável aos Estados Unidos, uma operação muito grande. Considerando os empregos gerados por nós e nossos parceiros, são cerca de 13 mil postos de trabalho. Nos próximos cinco anos, a Embraer pretende comprar quase US$ 21 bilhões em produtos americanos e exportar US$ 13 bilhões, gerando superávit de quase
US$ 8 bilhões. Por isso, acredito que, em algum momento, a tarifa voltará a zero, como sempre foi e como ocorreu com o Reino Unido e, agora, com a Europa na aviação. Essa alíquota é contraproducente: se os clientes comprarem menos aviões, compraremos menos equipamentos americanos.

Broadcast: E deve impactar na ponta, para os passageiros americanos?
Gomes Neto:
Impacta na ponta para os passageiros. Então, eu acho que é uma questão de tempo. Em algum momento, essa situação vai levar a alíquota da aviação do Brasil a zero de novo.

Broadcast: Há um temor de novas sanções vindo dos EUA após o resultado do julgamento de Bolsonaro. Isso pode atrapalhar as negociações para zerar as tarifas?
Gomes Neto:
Eu acredito muito na tese econômica. Uma mudança para pior, piora para eles também. Estou otimista.

Broadcast: Com quem a Embraer está negociando do lado da Casa Branca?
Gomes Neto:
Primeiro, a gente não negocia; quem negocia é o governo. Nós, porém, mantemos um canal direto. Eu converso com os secretários em Washington, explico nosso caso, como funciona a presença da Embraer nos Estados Unidos, o que pretendemos fazer nos próximos anos e a importância do negócio para a economia e para a indústria aeroespacial norte-americana. Fazemos isso desde abril.

Broadcast: O senhor tem agendas futuras com eles?
Gomes Neto:
Houve uma rodada quando a tarifa estava em 10%, depois, quando subiu para 50%, e agora buscamos outra para continuar na mesma linha. Queremos mostrar, cada vez mais, a importância do negócio da Embraer nos Estados Unidos e convencê-los, com essa tese econômica, a restabelecer a tarifa zero, como sempre foi. Hoje, nossos concorrentes pagam tarifa zero e nós, 10%. Mas 10% é melhor que 50%.

Broadcast: As aeronaves da Embraer utilizam muito conteúdo americano. De que maneira isso impacta na taxação final pelos EUA?
Gomes Neto:
Quando exportamos para os Estados Unidos, esse conteúdo americano não está sujeito à tarifa. Assim, quando o removemos, a tarifa de 10% cai para algo entre 5% e 6%. Não é zero, mas já é bem menor.

Broadcast: Nas conversas com representantes do governo americano, houve alguma sinalização de se e quanto as tarifas ao setor de aviação brasileiro seriam zeradas?
Gomes Neto:
Não. Eles nos recebem muito bem, escutam, entendem a importância da Embraer, mas não sinalizam. Tanto que, na primeira rodada, ficamos na lista de exceções. Ficamos felizes de ter voltado para 10%, porque 50% quase inviabiliza nosso negócio.

Broadcast: Na semana passada, uma comitiva de empresários brasileiros esteve em Washington e o que eles ouviram dos porta-vozes americanos, principalmente do Departamento do Estado, é que não adianta fazer lobby nos EUA, que eles têm de fazer lobby em Brasília. Os secretários do Trump colocaram isso para a Embraer também?
Gomes Neto:
As conversas que tive em Washington focaram no fato de que a Embraer é uma empresa privada, não uma associação ligada ao governo. Então, o diálogo fica mais na parte técnico-econômica.

Broadcast: O senhor acredita que é possível evoluir para tarifas zero a despeito do desfecho político?
Gomes Neto:
Não é fácil; temos de ser realistas. Por isso, não sei quando isso pode ocorrer. As coisas mudam e vão evoluir para algum lado. Continuaremos trabalhando e insistindo em nosso modelo de negócio e na tese econômica da importância da Embraer não só para o Brasil, mas também para os Estados Unidos.

Broadcast: O plano da Embraer é US$ 1 bilhão de investimentos nos Estados Unidos para os próximos anos?
Gomes Neto:
Temos um plano de US$ 500 milhões, já em curso. Vamos instalar um novo centro de manutenção em Dallas, para aviões comerciais, que gerará mais de 250 empregos. Também expandimos a operação em Melbourne, onde produzimos aviões executivos. Além disso, tentamos vender o KC-390 para a Força Aérea americana. Se conseguirmos um volume importante, montaremos o avião nos Estados Unidos. São mais US$ 500 milhões em investimentos e a possibilidade de gerar mais de 2 mil empregos.

Broadcast: E como estão as negociações em torno do KC-390?
Gomes Neto:
Trabalhamos com a Força Aérea americana, apresentando o avião e mostrando suas competências, mas ainda não há decisão.

Broadcast: Em termos de captação no exterior, a Embraer considera essa janela para emitir? O Tesouro veio, seguido por algumas empresas que conseguiram captar recursos a taxas menores. É um bom momento? A Embraer cogita levantar recursos em franco-suíço?
Gomes Neto:
Nós estamos analisando emissões, mas não necessariamente na Europa. Normalmente, emitimos nos Estados Unidos. O ambiente está muito bom e discutimos isso internamente, porque é um momento importante, uma oportunidade.

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