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‘Tudo que Lula me encomendou eu entreguei’

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, diz à Broadcast não saber se tem pretensão de seguir na pasta

14 de novembro de 2025

Por Fernando Dantas, Célia Froufe e Álvaro Gribel

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, diz estar satisfeito com sua atuação à frente da pasta e que já entregou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva tudo o que lhe foi encomendado. Em entrevista exclusiva ao Broadcast/Estadão, ele deixou em aberto a sua continuidade no cargo, caso Lula seja reeleito. “Não sei se tenho pretensão de continuar na Fazenda”, considerou.

Haddad também comentou o pedido do presidente de fazer um estudo sobre a gratuidade de transporte público, tema alavancado recentemente pelo deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP). Para muitos, inclusive dentro do governo, esta pode ser a principal bandeira da campanha de 2026, junto à ampliação da isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil, que deve ser sancionada na semana que vem.

O ministro afirmou, porém, que não vai ter pressa em fazer essa radiografia. Haddad explicou que reuniu sua equipe para começar a tratar do tema na semana passada e que há muitas possibilidades sobre a mesa. De qualquer forma, segundo ele, um projeto só irá adiante se for neutro do ponto de vista fiscal, ou seja, que tenha alguma fonte de compensação. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Broadcast – Como foi a reunião do senhor e outros ministros no Palácio do Planalto nesta quinta-feira?
Fernando Haddad
– O tema foi segurança pública, à luz do que tramita no congresso: PEC da segurança pública, lei do devedor contumaz, lei antifacção, lei sobre receptação. Fomos discutir um pouco esses diplomas legais. Um dos quais há oito anos está tramitando no Congresso Nacional, lei importantíssima que pega o crime organizado pela lavagem de dinheiro. Fizemos um balanço, há imperiosa necessidade de que a União atue na segurança pública, que não está prevista na Constituição Federal. A PEC da segurança abre uma possibilidade grande de troca de informações, trabalho de inteligência, coordenação interfederativa. [A participação da União] não pode depender só de boa vontade. Tem que ter comandos constitucionais que estabeleçam a regra, não a exceção.

Broadcast – Como se faz isso?
Haddad
– Tivemos o pacto federativo em torno da reforma tributária. Já houve pacto federativo para construir o SUS. O Brasil sabe fazer pactos federativos. E aí, ao invés da disputa política partidária, você tem a operação federativa como política de Estado. O que dá consistência para a atuação do Estado brasileiro. Na segurança está faltando um pacto federativo.

Broadcast – O mercado financeiro parece muito feliz: a bolsa está batendo recordes, o dólar se acomodou. O mercado está mais satisfeito com o governo do que o PT?
Haddad
– O PT melhorou comigo, embora sempre tenha sido legal comigo. O PT é um mosaico de pensamentos críticos e eu gosto desse partido por causa disso. Você pode ser ministro, presidente, governador, você é tratado igual. Então todo mundo fala. E aí, obviamente, o que é notícia? A crítica de um petista ao ministro da Fazenda. Não tem problema com isso.

Broadcast – O senhor se preocupa de o mercado ficar nervoso com o pacote eleitoral para o ano que vem?
Haddad
– Não estou com pacote nenhum de gastos na mesa.

Broadcast – Mas já tem várias medidas em andamento, como o projeto da isenção das tarifas para os ônibus municipais…
Haddad
– O presidente me pediu para estudar o setor. Não tenho uma proposta, estamos fazendo uma radiografia. Quanto está entrando de tarifa? Quanto que está entrando de subsídio? Quanto está entrando de vale-transporte que as empresas pagam? Quanto dos 6% do trabalhador? Estamos fazendo um diagnóstico. Não vou fazer nada com pressa. [A isenção até R$ 5 mil do) imposto de renda, todo mundo dizia o seguinte: ou não faz, ou vai estourar as contas públicas. Eu falei: não vou fazer para estourar as contas públicas. Ou vai sair equilibrado ou não vai sair.

Broadcast – O que mais o senhor pode falar sobre o projeto de isenção da tarifa de ônibus?
Haddad
– Primeiro, não é para o ano que vem. Nem poderia fazer no ano que vem, porque tem legislação eleitoral. Mas o presidente pode [incluir] na sua plataforma política. Se tiver uma coisa bem desenhada, pode incorporar. O trabalho que eu estou fazendo, se terminar a tempo, vai ser publicizado e cada candidato que se vire, para assimilar ou não assimilar. Vamos tentar fazer uma proposta. No IR, eu não mandei a proposta antes de ter certeza que era neutra [em termos fiscais]. [A tarifa gratuita] só será viável se for fiscalmente neutra. Se não, não vamos fazer. Não tenho espaço fiscal para isso. Não vou criar espaço fiscal para isso. E tem que ser uma coisa inteligente, como, na minha opinião, foi o imposto de renda.

Broadcast – O Bolsa Família pode ser reajustado no ano que vem?
Haddad
– Ninguém falou comigo sobre isso. Nós temos que olhar também os efeitos dos programas sociais sobre o mercado de trabalho. Porque às vezes você está achando que está ajudando e está atrapalhando. As pessoas querem trabalhar, se desenvolver. Então tem que calibrar a distância entre o salário mínimo e o Bolsa Família. O último Caged deu 213 mil postos de trabalho e foram mais de 2 milhões de pessoas que saíram do Bolsa Família. Então você vai construindo com inteligência os parâmetros corretos para que a pessoa não se sinta desassistida, ela está em um País que não quer que ela passe fome, mas sabe que ela quer uma oportunidade.

Broadcast – O senhor conseguiu convencer o presidente Lula de que não quer disputar um cargo eletivo em 2026?
Haddad
– Não estou conversando ainda sobre isso, mas ele sabe da minha inclinação. Já há muito tempo, não é de agora. Foi no ano passado que falei para ele que eu não tinha intenção de ser candidato em 2026.

Broadcast – O senhor vai estar aqui em maio do ano que vem, na Fazenda?
Haddad
– Eu não sei, não conversei com ele [Lula] ainda. Eu já falei que entreguei tudo aquilo que ele encomendou. O que ele encomendou, eu entreguei.

Broadcast – Essa fala está parecendo que o senhor já cumpriu a missão. O senhor pretende continuar ministro da fazenda num eventual quarto mandato do Lula?
Haddad
– Não sei se eu tenho essa pretensão, vamos ver.

Broadcast – O senhor tem uma interlocução razoável com o mercado financeiro. Não teme que uma eventual saída possa provocar nervosismo?
Haddad
– Eu não acredito nisso, eu penso que o desafio da incorporação dessa agenda (econômica) foi superado. No último encontro do PT, há pouco tempo, lá pelas tantas alguém resolveu submeter ao plenário a aprovação ou não da política econômica do governo. E eu, sinceramente, gostei da iniciativa. Vamos ver como está a essa altura do campeonato. E assim, no visual, 80% a 20% [se manifestaram] a favor da política econômica.

Broadcast – O senhor acha que o PT evoluiu nesse sentido?
Haddad
– O que você quer é a cura do paciente. Se surgir um medicamento novo, que é melhor do que o antigo, vamos fazer. Se curar igual, por que você vai ficar chateado comigo? O Brasil pode inovar, tem que inovar. A disputa entre os Estados nacionais está mais acirrada do que nunca. Novos players entrando, China, Argentina, Indonésia. Novas tecnologias. Se o Estado ficar parado e não começar a pensar…

Broadcast – O que o senhor pode falar sobre as estatais, elas viraram um risco? O empréstimo de R$ 20 bilhões com aval do Tesouro, pedido pelos Correios, não é muito arriscado?
Haddad
– É, e é por isso que o Tesouro está sendo muito criterioso em aceitar. Quer dizer, ou há um plano de reestruturação da empresa, e isso é possível, ou não há. A proposta da nova diretoria é de reestruturação, não é um band-aid. Botar o dinheiro, pagar as contas, não é isso. Estão, inclusive, em um processo de negociação lento, mas são reuniões a cada dois, três dias, tem uma equipe só olhando para isso. Se a equipe do Tesouro validar o plano de reestruturação, pode ter o aval do Tesouro. Mas ele precisa validar o plano de reestruturação.

Broadcast – Como o senhor vê a deterioração das estatais?
Haddad
– Tem uma parte disso (déficit) que é investimento, mas você sabe como é a contabilidade das estatais. Na questão dos Correios, não é isso.

Broadcast – Tem alguma outra que preocupe?
Haddad
– Tem uma decisão para se tomar sobre a Eletronuclear. É um investimento feito nos anos 70, e muito problemático, porque também com a venda da Eletrobras.

Broadcast – E a visão da Fazenda qual é? Termina a obra da empresa?
Haddad
– Não vou antecipar, mas estamos firmando um posicionamento para levar para o presidente Lula, meio que definitivo. A decisão que ele vai tomar, eu não sei porque vai haver outras (opiniões), mas eu acredito que a gente tenha chegado, depois de uma década de incerteza sobre isso, a um posicionamento firme. E eu penso que pode ter uma convergência de vários atores do governo.

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