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Narrativa de dólar fraco pode estar perdendo força

Para investidores que participaram de reuniões do FMI, EUA vai crescer e moeda pode se fortalecer

20 de outubro de 2025

Por Aline Bronzati, enviada especial

O sentimento dos investidores em relação aos Estados Unidos está começando a mudar, e agora apresenta um tom mais otimista. Ao contrário das reuniões de primavera, nos encontros atuais do Fundo Monetário Internacional (FMI) cresce a percepção de que a tese de um dólar mais fraco está perdendo força. Para esses investidores, a maior economia do mundo está em recuperação e pode apresentar uma trajetória de crescimento positiva no próximo ano.

“Essa é uma importante implicação para os mercados emergentes”, ressalta Rafael de La Fuente, economista-chefe do UBS para a América Latina, em entrevista exclusiva à Broadcast, durante as reuniões anuais do FMI, em Washington.

Segundo dados do Treasury International Capital (TIC), os fluxos dos EUA para ações de mercados emergentes atingiram US$ 38 bilhões nos três meses até julho, marcando o período mais forte já registrado. As ações de Brasil, Hong Kong e Taiwan receberam as maiores entradas em comparação ao mesmo período em 2024, de acordo com o UBS.

O capital estrangeiro tem fluído para novas localizações devido à perspectiva de um dólar mais fraco e preocupações quanto aos impactos nas taxas de inflação e crescimento dos EUA, resultantes das políticas comerciais e de imigração do presidente Donald Trump. “Quanto melhor os EUA forem, mais esse trading de diversificação desaparece”, alerta Fuente.

Até agora, essa percepção tem beneficiado os mercados emergentes, que experienciaram um verdadeiro ponto de virada na atração de fluxos externos. No entanto, isso pode mudar se o otimismo dos investidores em relação aos EUA de fato melhorar. “Quando conversamos com alguns investidores, eles estão mais otimistas com o que os EUA vão navegar à frente”, afirma o estrategista de câmbio e renda fixa do UBS para a América Latina, Roque Montero Perez.

De acordo com ele, os investidores estão divididos sobre como os EUA irão lidar com duas frentes principais: tarifas e inteligência artificial (IA). No tocante ao comércio, acredita-se que o impacto total ainda não foi sentido, mas o fato de o restante do mundo não ter retaliado Washington sugere relações mais equilibradas do que se previa, apesar das negociações complexas, como com Pequim. Em relação à IA, o sentimento é “construtivo” e a liderança americana tende a favorecer os EUA.

“O sentimento em relação ao dólar ou aos ativos dos EUA mudou. Não é um consenso. Mas, por exemplo, se tivéssemos perguntado ao mesmo investidor há seis meses, todos estavam nessa lacuna de desdolarização, certo?”, diz Perez. Mas ainda há preocupações, como, por exemplo, a situação fiscal dos EUA em meio ao fechamento do governo (shutdown).

Na prática, o dólar tem se mantido estável desde o verão do Hemisfério Norte, observa Fuente. O índice DXY, que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de seis moedas fortes, apresentou um ganho superior a 1% no último mês. No acumulado do ano, contudo, registra perdas superiores a 9%. “Então, sentimos essa mudança de sentimento agora, se é justificada ou não, não está claro”, diz o economista.

O UBS, por sua vez, mantém uma perspectiva “mais defensiva”. O banco suíço espera que o crescimento dos EUA desacelere no quarto trimestre, refletindo um mercado de trabalho mais fraco e demissões em dezembro. “Esperamos que o impacto [das políticas] nos EUA comece a acelerar para atingir os consumidores com mais impacto”, diz Fuente.

Além disso, os ciclos monetários na América Latina estão próximos do fim, exceto no Brasil. Segundo ele, em países como México, Colômbia e Chile, talvez não haja tanto espaço para cortes de juros no futuro próximo.

Para Fuente, os países da América Latina podem se beneficiar por outras razões. O México pode ser incentivado pelo comércio com os EUA, caso este apresente um desempenho mais forte no futuro. As commodities também podem ser alavancadas, beneficiando países exportadores como o Brasil. “O México poderia ser um vencedor relativo na guerra comercial”, afirmam Fuente e Perez..

Se a economia americana se fortalecer, alguns cortes de juros podem ser retirados da equação, o que também não seria positivo para as moedas de mercados emergentes. O UBS espera que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) implemente uma redução adicional de 75 pontos-base até o primeiro trimestre de 2026.

Enquanto isso, há entradas ocorrendo em mercados específicos no mundo emergente, como o Brasil e a Coreia do Sul, segundo Perez. Mas, na sua visão, são apenas “bolsões de entrada” e não uma “tendência consistente”. Se os EUA voltarem a ter um desempenho melhor, isso pode exigir que o investidor seja mais seletivo. “Os fundamentos que geralmente impulsionam os fluxos de portfólio para mercados emergentes realmente não estão presentes na América Latina. Não vemos um crescimento explosivo”, diz Perez.

Quanto ao Brasil, o fluxo de capital está dependente do resultado das eleições do próximo ano, segundo os economistas do UBS. Por ora, o País continua sendo um dos destinos favoritos do banco suíço nos mercados emergentes. O UBS recomenda a compra (overweight) de ativos brasileiros e está apostando no real, mas não contra o dólar.

Nas reuniões que o UBS tem realizado com investidores estrangeiros, 95% estão otimistas em relação ao Brasil à medida que os juros permanecerão altos e terão de ser reduzidos, segundo Perez. “Mas há a incerteza sobre se vamos ter um governo no futuro disposto a fazer as reformas fiscais necessárias ou não. O mercado vai formar sua opinião, mas, provavelmente, ainda é muito cedo para dizer”, afirma Fuente. “Há muita incerteza e pode durar até seis meses para sabermos quem serão os candidatos”, acrescenta.

Sobre a Argentina, as eleições de meio de mandato são muito importantes. Mas a fala do presidente Trump condicionando a ajuda ao país ao resultado das urnas gerou incertezas, diz Fuente. Segundo ele, o fato de o presidente Javier Milei não ter muitos assentos em risco pode garantir um bom resultado nas eleições e ajuda dos EUA, o que permitirá à Argentina ser sustentável por mais tempo. “Mas os problemas subjacentes são os mesmos. Eles não mudam por causa da assistência do Tesouro dos EUA”, diz Fuente, mencionando o fato de que o país precisa gerar dólar e uma “montanha de dívida” para pagar.

Milei dispõe de vontade, mas talvez não tenha poder suficiente para realizar o necessário, e é aí que o jogo se inicia, afirma o economista. E se ele não obtiver bons resultados nas eleições de meio de mandato e os EUA não fornecerem mais recursos à Argentina, o país terá de permitir a depreciação cambial. A probabilidade desse cenário materializar-se é de 30%, calcula Fuente. Por outro lado, as chances de tudo correr bem são bastante baixas, em torno de 20%, alerta. “Há um meio-termo entre os dois”, conclui.

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