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‘Não cabe decisão impositiva do governo sobre plano clima’

Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, defende em exclusiva o adiamento do anúncio do Plano Setorial de Agricultura e Pecuária

20 de novembro de 2025

Por Isadora Duarte*, da Broadcast, e Daumildo Júnior**, do AgroEstadão

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, defende o adiamento do anúncio do Plano Setorial de Agricultura e Pecuária, no âmbito do Plano Clima, para depois da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30). Segundo o ministro, o setor produtivo e o governo estão próximos de um entendimento sobre o Plano Clima, portanto, não cabe uma decisão abrupta e impositiva sobre as metas setoriais. “Não faz sentido ter uma decisão política sobre um assunto tão técnico como esse. Se ele não for anunciado agora durante a COP, pode ser anunciado nos próximos dias ou nos próximos meses”, diz Fávaro, em entrevista exclusiva ao Broadcast Agro e Agro Estadão.

O principal impasse quanto ao plano setorial da agricultura está na metodologia de alocação de emissões setoriais. Na proposta inicial apresentada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) em consulta pública, as emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento em propriedades rurais, áreas quilombolas e assentamentos da reforma agrária foram alocadas na agropecuária. Com isso, o agronegócio passaria de segundo para principal emissor de gases poluentes no País, responsável por 70% das emissões.

O MMA defende que o Plano Setorial seja apresentado ainda nesta semana, durante as atividades da COP. Já o Ministério da Agricultura propõe um capítulo específico para tratar das emissões de efeito estufa geradas pelo desmatamento, sob o mote de transformação do solo. O Plano Clima é a política pública que estabelece estratégias para o cumprimento das metas nacionais de redução de emissões de gases de efeito estufa. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Broadcast Agro/Agro Estadão – Qual balanço o sr. faz até o momento da participação da agropecuária brasileira na COP30?

Carlos Fávaro –
A agropecuária brasileira está presente na 30ª COP do clima de forma proativa com um espaço específico dentro da ciência, dentro da casa da maior empresa de pesquisa agropecuária tropical do mundo, a Embrapa, mostrando o modelo de produção brasileira sustentável com a AgriZone. Neste aspecto, já saímos grandes vitoriosos dessa COP. A imensa maioria das pessoas que vieram ao Brasil reconhece a importância da ciência e a urgência das mudanças climáticas, e vê a proatividade da produção agropecuária brasileira.

Broadcast Agro/Agro Estadão – E qual sua análise, ministro, quanto às negociações da COP, principalmente, em relação ao financiamento climático e à redução do uso de combustíveis fósseis?

Fávaro –
O financiamento climático e os recursos sempre são o tema mais difícil nas COPs. Todo mundo acha lindo o discurso, mas na hora de pôr a mão no bolso, não comparece. Eu torço, como diz o presidente Lula, para que dessa vez seja a hora da verdade. Se entendem que as mudanças climáticas chegaram, chegou a hora de contribuir de fato para que a possamos ter fundos para minimizar esses impactos. A transição energética é outro tema relevante nessa COP, no qual o Brasil é protagonista e faz o seu dever de casa há muitos anos. O Brasil vem para a COP como um exemplo mundial a ser seguido na produção de biocombustíveis.

Broadcast Agro/Agro Estadão – Ministro, a pecuária é apontada como uma das maiores emissoras de gases ligados ao efeito estufa. Ao mesmo tempo, o Brasil possui um programa de recuperação de pastagens degradadas em curso e técnicas de agricultura de baixo carbono. É possível com essas práticas inverter essa lógica?

Fávaro –
Sabemos que os pastos em estágio de degradação são emissores de carbono. Os estudos já mostram que uma pastagem recuperada, intensiva, com grande potencial vegetativo, chega a ser mais sequestradora de carbono do que a própria floresta em pé. Portanto, ela faz um grande papel na captura de CO2. Aliado a isso, houve a evolução genética do rebanho brasileiro, também fruto de ciência e de pesquisa, com a qual o tempo de abate de um animal foi reduzido de 60 meses, em média, para 30 meses. Em alguns casos, chegou a 20 meses, diminuindo o tempo do gado no pasto produzindo emissões. Temos mais uma oportunidade de desmistificar a pecuária brasileira e mostrar o quão relevante é o programa Caminho Verde Brasil, para que possamos retirar áreas emissoras com pastagem degradada e introduzir áreas regeneradas que captam CO2.

Broadcast Agro/Agro Estadão – O Brasil já recuperou 3 milhões de hectares de pastagens degradadas pelo Caminho Verde. Com os recursos do EcoInvest, com a iniciativa internacional para recuperação de áreas degradadas, a Raiz, o País conseguirá alcançar a meta de recuperar 40 milhões de hectares em dez anos?

Fávaro –
Precisamos ser otimistas. O Brasil ocupou de 40 milhões a 47 milhões de hectares em áreas produtivas nos últimos 50 anos. Com duas safras por hectare, em boa parte dessa área, chegamos a 80 milhões de hectares, que é o conjunto da área produtiva do Brasil, principalmente para grãos, fibras e energia. Há tecnologia e know-how para incorporar outros 40 milhões de hectares em menos de 50 anos. É uma meta audaciosa de recuperação em dez anos. Talvez façamos em 12 anos ou 15 anos. Foram três anos para a implementação do projeto, para estruturar o programa, visitar os países para captar recursos e, em paralelo, implementar dentro do Plano Safra R$ 7 bilhões por ano para financiamentos dos produtores para a recuperação das áreas. Já encontramos parceiros que estão pré-dispostos a colocar recursos no Caminho Verde Brasil, como a Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica). Reino Unido e Noruega também manifestaram interesse. O programa será influenciado também pela demanda, à medida que o mundo demanda mais alimento, mais energia, mais fibras, a recuperação de áreas será acelerada e, certamente, cumpriremos o proposto.

Broadcast Agro/Agro Estadão – Ministro, no âmbito doméstico, há ainda a indefinição quanto ao Plano Setorial de Agricultura e Pecuária no Plano Clima. O sr. disse que um consenso entre o setor produtivo e o governo está próximo e que iria sugerir ao presidente Lula o adiamento do anúncio desse plano para depois da COP…

Fávaro –
O mais importante sobre o Plano Clima é a consciência de todos os atores, do governo e da iniciativa privada. Recebi uma manifestação da presidente do Instituto Pensar Agropecuária, Tânia Zanella, que representa 56 entidades que congregam toda a agropecuária brasileira, na qual reafirma o compromisso com o avanço dessa discussão, o que me deixou muito feliz. Agora, não dá para ter uma decisão política abrupta, sem que haja um entendimento, sem que todos tenham validado os parâmetros para esse plano. Não faz sentido uma decisão política num assunto tão técnico como esse. Se ele não for anunciado na COP, pode ser anunciado nos próximos dias ou nos próximos meses. Mais importante que isso é que já está verbalizado e documentado que a cadeia produtiva da agropecuária brasileira tem compromisso com a discussão do Plano Clima.

Broadcast Agro/Agro Estadão – Nessa discussão, qual é o ponto central?

Fávaro –
A alocação do desmatamento ilegal. O desmatamento ilegal é caso de polícia, de restrição e de embargo. Debitar as emissões atreladas ao desmatamento ilegal ao produtor, que faz tudo certo, é mais ou menos como debitar à indústria de uísque a falsificação com metanol feita pelos criminosos. Se houver produtor que tem um pouquinho de desmatamento ilegal dentro da sua propriedade, há o Cadastro Ambiental Rural para regularizar isso. Se o CAR não está na velocidade necessária para fazer essa verificação de passivo, inclusive do produtor legal, e dar os instrumentos a ele para a regularização, por que impor a ele essa penalidade? Acho que não é um ponto difícil de ser superado. É possível ter um entendimento e, chegando a bom senso, se anuncia o Plano Clima para os brasileiros.

Broadcast Agro/Agro Estadão – Portanto, ainda não há uma definição quanto ao adiamento do anúncio do Plano Clima?

Fávaro –
Ainda não, mas defendo que não é necessária uma decisão agora.

Broadcast Agro/Agro Estadão – Para o Plano Clima ser anunciado, ele precisa ser aprovado pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM). Isso vai ocorrer ainda durante a COP?

Fávaro –
A minha posição é pelo adiamento. Se eu represento um setor e o setor está próximo de chegar ao entendimento dos termos do Plano Clima, mas ainda não está confortável, então, não cabe uma decisão política. Tem de ser uma decisão consensuada. Se o setor estivesse arredio, se negando a dialogar, se fosse contrário a boas práticas, teria que haver uma decisão impositiva do governo, mas não é o caso. O setor agropecuário manifesta publicamente e formalmente o desejo de participar do projeto. Se ninguém está negando e ainda não chegamos a um bom termo, por que agora, na reta final, tomar uma decisão abrupta, imposta e unilateral, perdendo a capacidade de dialogar? Esse é um governo de diálogo e vai continuar assim.

Broadcast Agro/Agro Estadão – A participação da agricultura na COP vem crescendo ao longo dos anos. O sr., como produtor, se sente representado hoje dentro da discussão climática?

Fávaro –
Íamos para as COPs quase como vilões. A evolução aconteceu e está assustando quem fazia a COP sem a nossa presença. Terão que aprender a conviver com a nossa presença e competência.

*A jornalista viaja a convite da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
**O jornalista viaja a convite da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNSeg) e da CropLife Brasil.

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