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‘Arcabouço está mais furado que peneira’

Senador Oriovisto Guimarães (PSDB-PR) é relator de projeto que limita relação dívida pública/PIB em 80%

17 de setembro de 2025

Por Célia Froufe

O relator do projeto que limita o endividamento da União, senador Oriovisto Guimarães (PSDB-PR), quer dar mais credibilidade às contas públicas ao definir que a dívida federal não ultrapasse a marca equivalente a 80% do Produto Interno Bruto (PIB). “O arcabouço está mais furado que peneira”, argumentou em entrevista ao final desta tarde à Broadcast, acrescentando que a referência fiscal se tornou uma “peça de ficção”, um objetivo em que “ninguém mais acredita”.

Pelo texto, que deve ser colocado para votação na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado na semana que vem, conforme o autor do projeto e presidente da CAE, senador Renan Calheiros (MDB-AL), quando a dívida do governo federal bater em 80% do PIB – atualmente está em 70,1%, a administração será obrigada a se submeter à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

“Não sei qual vai ser a reação do governo, mas o que vai acontecer? Vou expor o projeto. Fiz de tal forma que o projeto seja palatável. Ele não para o governo amanhã, é realista. Não adiantava eu fixar um limite para a dívida que ia parar o governo amanhã. Isso não seria realista e não estaria de acordo com a maioria dos países”, defendeu. Para o senador, a “culpa” do juro alto não é a oscilação do câmbio, mas a política fiscal. O parlamentar também responsabiliza o Governo Central pela taxa de juros atual de 15% ao ano. “O Banco Central reage às besteiras que o Governo Central faz. Mas, se o Governo Central administrar bem, por que o Banco Central vai aumentar os juros?”, questionou. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Broadcast: No projeto do senador Calheiros, o senhor decidiu mudar o teto da dívida federal. Por quê?

Oriovisto Guimarães:
A metodologia do FMI já está acima de 80% do PIB há muito tempo, está 12 pontos porcentuais maior do que a calculada pelo Banco Central, que está em 77,6%. A metodologia do FMI leva em conta a dívida dos agentes subnacionais, dos Estados e municípios. Também leva em conta todo o estoque de títulos do governo central que está em posse do Banco Central, as operações compromissadas. É a metodologia usada pelo TCU também, então eu vou continuar com essa metodologia. Retirando-se os entes subnacionais, a taxa está em 74,1%. São quase 6 pp para chegar em 80%. Se não cuidar, só o juro da dívida interna leva a isso rapidinho.

Broadcast: Mas por que a relação de 80% do PIB?

Oriovisto:
Porque é importante que o Brasil se compare a outros países. Embora haja diferença de metodologia, é muito fácil comparar uma coisa com a outra. É só acrescentar aqueles 12 pp que você consegue comparar. É um pouco acima da média dos países da América Latina, mas fica muito abaixo da dívida dos Estados Unidos. Fica muito abaixo da dívida dos países da OCDE. Fica muito abaixo do Japão.

Broadcast: O senhor falou sobre o impacto que os juros têm na conta…

Oriovisto:
Por que o Brasil tem taxa de juros tão alta? Muitas pessoas dizem erroneamente que é por causa da dívida. Não é. Tanto não é que países que devem muito mais do que o Brasil têm taxa de juros baixíssima. O próprio Brasil, no tempo do (ex-presidente Michel) Temer, por exemplo, teve taxas bastante baixas. E a dívida já era grande. Então, o que determina os juros realmente é a política fiscal. Política fiscal é a forma como o governo está gerindo a economia. Se ele gasta cada vez mais, se ele demonstra que quer fazer política populista, etc., ele perde a credibilidade e todo mundo começa a querer fugir do real. E aí tem que aumentar o juros. A culpa do juro alto não é o câmbio, é a política fiscal. Isso vai ficando cada vez mais claro.

Broadcast: A diretoria do BC está justamente reunida neste momento para decidir a trajetória da Selic. Amanhã sai a definição…

Oriovisto:
Eu sei. O Lula (presidente Luiz Inácio Lula da Silva) vai ficar louco para que eles baixem a taxa de juros. O Lula não fala coisa com coisa. Quando era o presidente anterior (do BC, Roberto Campos Neto), ele dizia que o homem estava jogando contra a nação. Agora, como foi ele que indicou o (Gabriel) Galípolo, que aumentou muito mais o juro que o Campos Neto, para ele está tudo bem.

Broadcast: Por que o senhor decidiu ser o relator desse projeto? O senhor acha que o nosso arcabouço fiscal não se sustenta?

Oriovisto:
Nosso arcabouço fiscal está mais furado do que uma peneira. Toda hora estão tirando alguma coisa para não contar para efeito do resultado do arcabouço: tiram o precatório, tiram a ajuda para a enchente do Rio Grande do Sul, tiramos hoje a questão do tarifaço, mais R$ 30 bilhões que o governo vai gastar para proteger indústrias… Então isso virou uma peça de ficção. Ninguém acredita mais no arcabouço, não tem mais nenhum sentido. E, se tiver um limite para a dívida, quando o governo bater nos 80%, vai ser obrigado a se submeter à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O governo não pode mais fazer empenhos, não pode mais aumentar o salário, vai ser obrigado a fazer uma administração coerente para produzir superávit. Isso faz baixar o juro, isso traz crescimento sustentável.

Broadcast: Qual é seu principal objetivo com esse teto, então? É baixar o juro?

Oriovisto:
Baixar juro, dar confiança ao mercado brasileiro, fazer com que o governo tenha que fazer uma política não populista, não de voo de galinha, mas uma política de crescimento sustentável. Os investidores têm milhões aplicados em banco. Se eu tenho R$ 100 milhões no banco, para que eu vou investir? Se eu deixar parado lá, eu ganho R$ 15 milhões por ano sem fazer nada. Agora, se a taxa de juros fosse, não 15% ao ano, mas fosse 2% aa ou 3% aa, como é no mundo civilizado, eu ia ter que pegar esse dinheiro e ir para a economia real, criar emprego, montar uma fábrica, montar um negócio para ter algum resultado para esse dinheiro. Isso cria crescimento sustentável, e não esses voos de galinha que o governo faz distribuindo benesses.

Broadcast: Hoje o senador Calheiros disse que vai colocar o projeto para votar na terça-feira da semana que vem. Como acha que será a recepção de seus colegas?

Oriovisto:
Primeiro: essa proposta vai para a CAE e depois para o plenário do Senado. Não precisa ir para a Câmara e nem pode ser vetada pelo presidente Lula porque está previsto na Constituição que o Congresso fixa esse limite. Vou trabalhar para que seja aprovada.

Broadcast: Em uma semana?

Oriovisto:
Não, vou ter mais (tempo). Não sei qual vai ser a reação do governo, mas o que vai acontecer? Vou expor o projeto. Fiz de tal forma que o projeto seja palatável. Ele não para o governo amanhã, é realista. Não adiantava eu fixar um limite para a dívida que ia parar o governo amanhã. Isso não seria realista e não estaria de acordo com a maioria dos países. Tem um limite bastante folgado até. O governo continua navegando por algum tempo, mas já tem que começar a se preocupar. Imagina uma fração: o numerador é o valor da dívida e o denominador, o PIB. O que acontece? Se essa dívida aumenta e o PIB não, o quociente aumenta, ele chega nos 0,80, 0,90 em pouco tempo. O que o governo vai ter que perseguir? Ele vai ter que perseguir a diminuição do numerador e o aumento do denominador. Como é que faz isso? Baixando o juro. Se você baixar o juro, a dívida não cresce tanto. Se esse juro baixa de 15% para 3%, a dívida cresce muito mais lentamente, entendeu?

Broadcast: O senhor está jogando uma parte da responsabilidade para o BC baixar o juro? O BC é autônomo formalmente nos últimos anos…

Oriovisto:
A missão do Banco Central continua a mesma. É bom que o BC tenha autonomia. Se a inflação começar a aumentar, o Banco Central, tem, sim, que aumentar o juro. Por que a inflação aumenta? Aí é política fiscal, aí é Governo Central. O que precisa ficar claro no nosso País é que o responsável pela inflação, o responsável pela taxa de juros, é o Governo Central, não é o Banco Central. O Banco Central reage às besteiras que o Governo Central faz. Mas, se o Governo Central administrar bem, por que o Banco Central vai aumentar os juros? Vai baixar. Como já tivemos juros baixos no País. Se você pega a curva de juros do nosso País, nos últimos 10 anos, você vai ver que já tem uma flutuação que vai, desde 2%.

Broadcast: Isso foi durante a pandemia, senador…

Oriovisto:
Mas há quantas décadas estamos andando de lado com o crescimento? Porque é tudo baseado em aumento de gasto do governo, e não tinha que ser baseado nisso. Tem que ser baseado no investimento. O Governo Central tem que deixar de só pensar em ganhar a próxima eleição. Tem que ter duas metas: promover o desenvolvimento econômico sustentável e diminuir o custo da dívida.

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