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Governos à esquerda pagam credibilidade com juro maior

Gabriel Galípolo, vem surpreendendo parte da Faria Lima com política monetária, mas terá novo teste

3 de outubro de 2025

Por Célia Froufe

Governos mais à esquerda tendem a manter o juro básico da economia mais elevado pelo custo da credibilidade e é isso o que ocorre no Brasil neste momento, conforme alguns membros do mercado financeiro, da academia e até da equipe econômica consultados pela Broadcast. O presidente atual do Banco Central, Gabriel Galípolo, vem surpreendendo boa parte da Faria Lima na condução da política monetária, mas passará por um novo teste de fogo na indicação dos novos diretores da autarquia, que ingressam na instituição em janeiro de 2026. A depender da aceitação dos nomes, a reancoragem das expectativas para a inflação pode acelerar mais do que o visto nos últimos meses ou retroceder.

Para economistas que já atuaram em Brasília, governos com menos credibilidade na área econômica por serem considerados mais heterodoxos pagam e precisam fazer mais para entregar o mesmo resultado na área monetária. “Isso é muito óbvio na política monetária, mas é óbvio em qualquer outra área”, apontou um deles. “O governo gasta como se não houvesse amanhã, põe dinheiro na economia e a quantidade de bens disponíveis não cresce. Então, o preço sobe. Aí o BC põe taxa de juros para impedir que a inflação suba. Essa é a visão política deles. Não é nem bandidagem, eles acham que a coisa funciona assim. Então, põe dinheiro de um lado, e o juro sobe do outro”, acrescentou outro.

Galípolo nunca foi um nome favorito do mercado financeiro, muito por causa de seu passado de coautoria de livros com Luiz Gonzaga Belluzzo, de pensamentos abertamente mais à esquerda. Até os mais críticos, porém, têm elogiado o trabalho do economista à frente do BC, apontando que se trata de um profissional mais inteligente por saber mexer com as peças que possui do que necessariamente preparado para o cargo. “Ele está se saindo muito melhor do que eu esperava. O Banco Central está supercorreto, a comunicação formal supercorreta, está menos noisy do que nos anos de Roberto Campos Neto [antecessor de Galípolo, indicado pelo então presidente Jair Bolsonaro]. Ouso dizer que seu trabalho está melhor do que o de Roberto.”

Uma das formas de avaliar o trabalho de Galípolo e equipe é por meio da redução das expectativas para a inflação, segundo um dos consultados. “Estão conquistando a credibilidade, ajudando a fechar as expectativas, mas certamente de forma muito mais lenta do que o desejado, e isso é por causa das dúvidas em relação ao que pode ter prometido ao presidente da República.”

Quem é da área técnica salienta que pouco poderia ser feito de forma muito diferente no momento, se forem consideradas as muitas variáveis que ajudam a definir o rumo da Selic, como inflação na meta, mercado de trabalho apertado, renda elevada, hiato do produto e déficit das transações correntes, além, claro, das expectativas. A desconfiança permanente, no entanto, de que o presidente do BC possa ser mais leniente com a inflação em algum momento gera um custo já verificado por agentes da equipe econômica. O governo estaria “pagando um preço alto” para gerar credibilidade a Galípolo.

Por isso, algumas especulações indicam que, se fosse um governo mais de centro ou centro-direita ou uma autoridade monetária comandada por um “puro-sangue” do mercado financeiro, a Selic já poderia estar mais baixa hoje. Há quem fale em patamar até de um dígito. Agentes da Faria Lima corroboram essa percepção de que o juro poderia estar menor, mas não necessariamente abaixo dos 10% – a Selic está hoje em 15% ao ano.

Novo Copom

Um ponto importante para o BC nos próximos meses será a nomeação de dois novos integrantes da diretoria colegiada da instituição, que se tornará pela primeira vez, na virada do ano, 100% indicada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sai nessa leva o diretor Renato Gomes, que esteve na linha de frente da análise da operação envolvendo o Banco Master e o Banco de Brasília (BRB), rejeitada há um mês pelo BC e que é visto como a mão de ferro para evitar um caos no sistema bancário. Também deixa a autarquia o diretor Diogo Guillen, encarregado da política econômica da instituição e muito bem avaliado pelo setor privado nessa área.

“O ideal [para a vaga de Guillen] é ter uma pessoa com PhD em macroeconômica e especialidade em política monetária ou economia internacional, porque são os modelos que são utilizados nessa diretoria”, opinou um experiente economista. Para ele, o debate da sucessão e a avaliação sobre a atividade do Comitê de Política Monetário (Copom) hoje é técnico, e não político, mesmo quando se tratam de espectros ideológicos do governo por causa das premissas econômicas de cada uma das vertentes.

Outro economista sênior salientou que Galípolo teve a habilidade de explicar a Lula que o momento é de juro alto por causa dos riscos de inflação, mas que a trajetória tende a se inverter justamente num momento propício em termos políticos, quando estiver mais próximo da eleição. “Há na literatura o registro de que banqueiros centrais costumam ser mais duros no início de suas gestões para ganhar credibilidade, e Galipolo está fazendo o que tinha que ser feito, está seguindo o livro-texto”, considerou.

A indicação dos novos nomes é feita pelo presidente da República ao Senado, mas o que se sabe é que o presidente do BC, muitas vezes em consenso com o ministro da Fazenda, oferece um menu de possibilidades ao Planalto. Os candidatos apontados pelo Executivo passam pelo crivo da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e pelo plenário do Senado.

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