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Renegociações de incorporadoras disparam em 2025

Juro alto dificulta venda de imóveis por empresas que tomaram empréstimo via emissão de CRIs

21 de julho de 2025

Por Circe Bonatelli*

Há uma disparada nos casos de inadimplência e renegociação de dívidas de incorporadoras que acessaram o mercado de capitais nos últimos anos para tomada de empréstimos via emissões de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs). O quadro indica que as empresas estão enfrentando dificuldades crescentes para efetivar as vendas de imóveis após a elevação dos juros no País.

Os CRIs são instrumentos que cumprem um papel importante para apoiar o crescimento das empresas, especialmente quando elas não conseguem tomar o financiamento bancário tradicional. Eles respondem por 10% dos recursos destinados ao crédito imobiliário no País, o que representa uma montanha de R$ 240 bilhões. Por meio desses instrumentos, as incorporadoras recebem uma antecipação do dinheiro esperado com a comercialização de casas, apartamentos, lotes e quartos de hotéis, entre outros. O grande problema é quando as vendas não saem como planejado.

O estoque de CRIs em situação de estresse chegou a 191 casos em maio. Isso quer dizer que as incorporadoras descumpriram obrigações até a data de vencimento das dívidas e passaram a renegociar os termos com seus credores. O número é 89% maior do que no mesmo mês de 2024, quando havia 101 casos assim; e 247% acima de igual período de 2023, com 55 casos. Ao todo, os 191 CRIs “estressados” correspondem a R$ 9,6 bilhões em dívidas considerando o valor de face no momento das emissões.

Os dados foram compilados para o Broadcast pela plataforma CR Data, do Clube dos FIIs, que monitora a base de dados públicos de CRIs no Brasil. O levantamento também aponta que houve crescimento em termos proporcionais. O estoque de CRIs “estressados” neste ano representa 4,6% de todas as séries em circulação, contra 2,8% em 2024 e 1,9% em 2023. A parcela de CRIs problemáticos não é desprezível. A título de comparação, a inadimplência da carteira de financiamento imobiliário dos bancos é bem menor, na faixa de 1%, e segue estável nos últimos trimestres, de acordo com o Banco Central.

Fonte: CR Data, plataforma de monitoramento de CRIs do Clube dos FIIs

Raiz dos problemas

O sócio-diretor de investimentos alternativos do Clube dos FIIs, Felipe Ribeiro, aponta que o problema está concentrado nos fundos de investimento imobiliário high yield, que miram retornos mais altos para os cotistas, mas para isso têm de lidar com riscos maiores. Muitos fundos desse tipo adquiriram CRIs em que as empresas estão pagando caro pelo dinheiro, com taxas anuais acima de IPCA + 10% a 15%, ou CDI + 4% a 5% (o equivalente a um juro nominal na ordem de 20% ao ano, um patamar pesado para financiar a produção).

“Todos os CRIs que deram pau de 2024 para 2025 são high yield“, apontou Ribeiro. “Quando a taxa de juro sobe no País, os empresários ficam mais apertados, as obras ficam mais caras, cai a velocidade de vendas e o fluxo de caixa seca. Os primeiros a abrir o bico são os high yield“.

O risco/retorno desses CRIs é maior porque as operações envolvem incorporadoras pequenas, com governança mais simples, mais endividadas e/ou com menor capacidade de obter capital de giro em caso de urgência, o que eleva o risco de uma eventual inadimplência. Em outros casos, o risco tem mais a ver com o empreendimento em si e as chances de as vendas falharem. Boa parte dos CRIs problemáticos vêm do setor de multipropriedades – em que o direito de uso de cada apartamento é vendido para vários proprietários, que se revezam na ocupação. Esses imóveis são um bem de mero lazer, e o comprador desiste do negócio na primeira dificuldade que surgir, ao contrário da aquisição da casa própria.

Lançamento e juros disparam

Outro fator que gerou turbulências para o setor foi a expansão acelerada no número de empreendimentos nos últimos anos, coincidindo com as disparadas da inflação e dos juros. Isso encareceu muito o serviço de dívida dos CRIs (geralmente corrigidos por IPCA e CDI).

“Na pandemia, teve um hiato de lançamentos. Depois, as empresas saíram lançando seus projetos rapidamente. Sem o financiamento bancário à produção, elas tiveram que aceitar taxas mais altas como alternativa”, apontou o sócio-diretor da consultoria Alvarez & Marsal, Rafael Carlos. “As empresas fora do eixo Rio-São Paulo, menos conhecidas da Faria Lima, têm tido que se sujeitar a essas taxas”.

As sócias do segmento imobiliário no escritório Machado Meyer, Maria Flavia Seabra e Martina Zajakoff, também atribuem os problemas nos CRIs à disparada nos juros. “Este é um ano mais difícil para o mercado imobiliário, porque a taxa de juro impacta tanto a produção quanto a compra. Quando o financiamento à produção vai para a base de 15% ou 16% ao ano, muitos projetos já não são mais viáveis”, observou Maria Flávia. “As incorporadoras estão sofrendo com a taxa de juro e o aumento de custos de produção. Muitas estão sem fôlego para terminar a obra e já venderam o imóvel. Aí têm que ser criativos para buscar recursos”, complementa Martina.

Fonte: CR Data, plataforma de monitoramento de CRIs do Clube dos FIIs

Falta de governança

A falta de organização de empresas estreantes no mercado de capitais também está sendo um problema, segundo o advogado Carlos Ferrari, sócio-fundador do escritório NFA. Ele lembrou que as emissões cresceram bastante nos últimos três anos (veja tabela acima), o que acabou abrindo espaço para atração de empresas que não se prepararam para fazer o controle e a prestação de contas aos investidores dos CRIs.

“Enxergamos hoje um número alto de empresas pequenas e médias que fizeram emissões com tíquete médio menor, de R$ 10 milhões a R$ 30 milhões. Muitas estão se deparando pela primeira vez com o universo do mercado de capitais e com as exigências de governança, mas não se prepararam bem e estão enfrentando ruídos”, avaliou Ferrari. “Temos visto um pico de casos assim por conta desse mix de juro alto, escassez de crédito e menor velocidade de vendas. Se o empresário não for muito habilidoso, enfrenta um passivo grande”.

*Colaborou Cynthia Decloedt

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