Economia & Mercados
07/01/2022 11:59

Especial: Brasil engata marcha a ré e estimula uso de gás de fraturamento e carvão


Por Denise Luna

Rio, 06/01/2022 - O Brasil começou 2022 na contramão do mundo, na questão ambiental. Em apenas uma semana, o governo brasileiro anunciou prazo de 90 dias para a publicação de um edital para qualificação de projetos, visando a execução do projeto Poço Transparente, que libera a aplicação da técnica de fracking (fraturamento hidráulico) no País para produção de petróleo e gás natural em terra, e também prorrogou por 15 anos a autorização para térmicas a carvão em Santa Catarina, medida que beneficia o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda (CTJL).

Além de ser a fonte de energia mais poluente do mundo, o carvão é também a mais cara no Brasil e, com os subsídios, calculados em cerca de R$ 800 milhões por ano, vai fazer a conta de luz ficar ainda mais alta, observa Roberto Kishinami, coordenador de energia do Instituto Clima e Sociedade(iCS).

"No fundo tem um problema que vai na direção dos consumidores, porque a energia produzida por Jorge Lacerda é mais cara que alternativas existentes, ela chega a ser mais cara que o gás, então do ponto de vista dos consumidores é um problema, e do ponto de vista de emissões é a mais poluente", explicou Kishinami.

De acordo com ele, a usina beneficiada pelo governo emite 5 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2), um terço de todas as emissões do estado de Santa Catarina. A chave para abandonar o carvão, um problema que está sendo enfrentado no mundo inteiro, é dar uma alternativa local para a economia, o que até foi sinalizado pelo governo, mas com um prazo longo demais para ser executado.

Já os estudos para a liberação do fraturamento hidráulico no Brasil, no projeto batizado de Poço Transparente, técnica que utiliza produtos químicos e muita água, com risco de contaminação nos aquíferos, é classificado por Kishinami como "um nome bonito para uma coisa horrível". Mas ele não vê chances para que a técnica se alastre pelo Sul do País, onde já há bastante resistência. Ele alerta, porém, que, se for liberado no Brasil, poderia ser uma porta aberta para o seu uso no Maranhão, onde a Eneva já demonstrou intenção de utilizar o fraturamento hidráulico.

Para o ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o fraturamento hidráulico deu certo nos Estados Unidos, que inclusive reduziu suas emissões de CO2 com a prática, o que não aconteceria no Brasil, que já possui uma matriz limpa e tem gás natural em volumes expressivos com os reservatórios do pré-sal. "É um tema que tem que ser avaliado com cuidado, para ver se do ponto de vista econômico tem sentido", disse.

Já a perpetuação do carvão na matriz elétrica pelos próximos anos é considerada pelo especialista como "um grande absurdo", em um momento em que vários países do mundo estão saindo da fonte. "O Brasil está indo no sentido contrário. Os países que estão abandonando as usinas a carvão têm uma participação bem maior do que no Brasil e precisam fazer um esforço muito maior. No caso do Brasil, a participação é muito baixa e você poderia fazer o abandono das usinas sem problemas de afetar a segurança de abastecimento", ressaltou, lembrando que a participação da fonte na matriz elétrica não passa de 2%.

Tolmasquim avalia que o Brasil está perdendo uma grande oportunidade de aparecer positivamente na questão das mudanças climáticas, e poderia anunciar, como outros países, a saída do carvão com prazo curto e baixo custo. "Prorrogar o carvão ainda tem o agravante de sair caro para o consumidor", afirmou. Ele explica que a melhor maneira de sair da fonte é a recapacitação da mão de obra local para outras atividades, e que a decisão do governo deixa uma herança de longo prazo complicada.

"Essa questão é quase irreversível para o próximo governo, que vai ter dificuldade se quiser implantar uma geração mais limpa no lugar do carvão", previu.

De acordo com Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), a região Sul tem todas as condições de substituir 100% da geração elétrica com carvão por energias renováveis, como eólica e solar. Ele discutiu o tema na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021 (COP26), em Glasgow.

"O Brasil tem alternativas, foi um caminho muito político, pouco econômico e muito menos ambiental", avaliou.

Além do impacto econômico nas tarifas e na poluição, Baitelo lembra dos passivos deixados pela mineração, nos recursos hídricos e na contaminação da população. "O que a gente vê é que o governo está empurrando a transição energética para depois, e precisa ser endereçada, precisa ter um plano para deslocar a indústria do carvão para a indústria de renováveis", afirmou, lembrando que a energia solar emprega mais de 7 mil pessoas em Santa Catarina e poderia gerar os 20 mil empregos que seriam fechados com a indústria do carvão de fosse incentivada.

Da mesma opinião partilha o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) Adriano Pires, que sugere um calendário factível para transformar as usinas a carvão em fontes como gás ou pellets (biocombustíveis sólidos que usam, como matéria-prima, resíduos de biomassa vegetal como a serragem, bagaço de cana-de-açúcar, entre outros), como estão fazendo vários países que abandonam a fonte.

"O Brasil é um País que tem matriz limpa, mas o fato de ter matriz limpa não nos permite ficar na zona de conforto, temos que continuar trabalhando para que essa matriz continue limpa e que a transição energética sirva para o Brasil como uma alavanca para transformar o País relevante na economia mundial", afirmou.

Em relação ao fraturamento hidráulico, Pires avalia que o Brasil pode ter perdido essa janela. "O governo deveria ter feito há alguns anos, a gente está atrasado, os EUA desenvolveram isso e se transformaram no maior produtor de gás e petróleo do mundo outra vez, e agora com a transição energética está revendo. Estamos mais uma vez atrasados, vamos começar a incentivar o fraturamento quando todos estão revendo", explicou.

Já o diretor do Instituto Ilumina, Roberto Pereira D’Araújo, alerta que, além de ser uma atividade altamente poluente, o carvão tem custo muito alto num País em que a população já está com dificuldades de pagar a conta de luz, a segunda tarifa mais cara do mundo.

"Algumas vezes, uma notícia como essa gera a desconfiança de que autoridades do setor elétrico ainda não entenderam a singularidade do nosso sistema. Usinas térmicas queimando carvão, óleo combustível, gás ou diesel, são muito caras e poluentes", destacou.

Contato:denise.luna@estadao.com
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