Economia & Mercados
11/02/2022 10:45

Consumidor da oi será forçado a migrar para pacote de maior preço,diz relator do Cade


Por Lorenna Rodrigues e Guilherme Pimenta

Brasília, 10/02/2022 - Voto vencido no julgamento do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que aprovou a compra da Oi pela Vivo, Claro e TIM ontem, o relator do processo, Luis Braido, disse que o cenário mais provável agora é que haja alta de preços no setor, com aumento nas margens de lucros das empresas, e consumidores sendo obrigados a migrar para pacotes de maior custo.

"Empresas gastam muito de seus recursos para manter seu poder de mercado e a conta cai na mão do consumidor", afirmou, em entrevista exclusiva ao Broadcast.

Na conversa, Braido disse que os remédios adotados - como o aluguel de faixas e frequência para empresas menores - não resolverá os problemas concorrenciais da operação.

Ele criticou a postura das empresas durante a negociação com o Cade, que classificou como "truculenta e intransigente" e afirmou que a manifestação de agentes públicos sobre a operação caracteriza "captura do Estado". "Minha impressão é que as empresas tinham certeza de que iam ganhar."

Único economista atualmente no Tribunal do Cade, Braido avalia que o órgão tem uma tradição de intervir o mínimo possível no mercado e acaba por avalizar operações que não deveria. "Há um certo tabu em reprovar operações e acho que isso deveria ser revisto."

Veja a seguir os principais trechos da entrevista:

Broadcast: O senhor ontem deu um voto muito duro contra a compra da Oi Móvel pela Claro, TIM e Vivo e disse que não tinha outro caminho a não ser reprovar a operação. O que vai acontecer agora com o mercado de telecomunicações no Brasil?

Luis Braido: Fiz uma análise seguindo os parâmetros tradicionais do antitruste e a operação ia mal em todos os critérios. Dado que as empresas se negaram a negociar remédios estruturais de verdade, que passavam por venda de espectro (faixas por onde trafegam os dados da comunicação), não havia como aprovar. A margem de lucro das empresas hoje é alta, mais de 40%. Com a operação, vai ficar disso para mais. A Oi adotava estratégia de redução de preços para competir, era o ticket médio mais barato do mercado. O cenário mais provável é que isso não será mantido, que os pacotes serão padronizados, forçando o consumidor a migrar para produtos de maiores preços.

Broadcast: O presidente do Cade, Alexandre Cordeiro, disse ontem que o Brasil é uma exceção no mercado de telecomunicações, que o mercado é concentrado em outros países.

Braido: É inegável que o setor de telefonia é concentrado no mundo inteiro. Nos EUA isso é muito forte, você tem dois, três provedores nacionais, mas tem também uma enormidade de provedores regionais que não existem no Brasil. A meu ver tínhamos uma operação aqui de concentração que não era necessária. Havia um outro proponente interessado em entrar no mercado (A Copel). A Oi optou por vender para um consórcio de concorrentes e desconsiderou completamente a questão concorrencial.

Broadcast: A posição que prevaleceu no Cade é que as condições oferecidas pelas empresas foram suficientes. Como o senhor avalia os remédios que foram negociados?

Braido: As negociações ocorreram muito a conta gotas. As empresas estavam pouquíssimas dispostas a ceder. Eu recebi a última proposta de acordo na véspera da sessão de julgamento, à noite. Eu acho que medida boa é venda, não aluguel. Quando eu alugo sua casa, não estou independente de você, tenho que sentar, negociar preço. E você não vai me dar um preço que me permita competir com você. No fundo, você vai me forçar a cobrar o seu preço. Não adotamos remédios que vão resolver os problemas estruturais. Melhora, mas não resolve.

Broadcast: A questão central do julgamento foi a Oi estar em recuperação judicial. O argumento de uma ala do conselho foi que a empresa entraria em falência.

Braido: Houve muito argumento em que criou um terror de (o Cade) ser responsabilizado por isso (falência da Oi). Não foram suaves nesse tipo de ameaça velada. Presenciei reuniões em que (disseram) 'vai ficar nas suas costas a falência da empresa'. Nas minhas costas fica a análise técnica que fiz. Executar a Oi não ia machucar o consumidor. Os credores iam perder, os acionistas iam perder, mas o consumidor não. Assumir essa postura de defender credor não é nossa função.

Broadcast: Em alguns momentos do voto, o senhor fez alguns desabafos e chegou a dizer que as empresas apostaram na "captura do Estado brasileiro". O que o senhor quis dizer com isso? O Cade está capturado pelo setor privado? E pelo governo?

Braido: As empresas tinham certeza que iam ganhar desde o começo, não tinham dúvidas. Tiveram uma postura muito truculenta nas negociações, muito intransigente. O poder econômico é capaz de comprar narrativas e vi isso acontecer aqui. Quando começa a envolver agentes públicos se manifestando contra ou a favor, ou atuando para fazer pressão, isso passa do bom tom e sinaliza um problema acadêmico que é a captura do estado. Empresas gastam muito de seus recursos para manter seu poder de mercado e a conta cai na mão do consumidor. Nossa conta telefônica tem um pedaço de toda essa macroestrutura que foi colocada em funcionamento.

Broadcast: Houve pressão do Executivo para a aprovação do negócio?

Braido: A mim, não. Não recebi nenhum tipo de pressão. Há muitas pessoas que se dizem falar em nome do governo, mas, se houve pressão de membros do governo, não sei te dizer. Não vi uma ação orquestrada acontecendo. Houve uma reunião interna com a participação de membros externos (membros do conselho diretor da Anatel e o juiz de recuperação da Oi, Fernando Viana), achei inapropriado e não fui. Essas instituições têm que se manifestar nos autos. Reunião na véspera de sessão não achei correto.

Broadcast: Na mesma sessão houve uma recomendação para a instauração de novo processo para investigar a questão da conduta coordenada para a formação do consórcio. Como o senhor vê essa questão da formação de consórcios pelas teles, é irregular?

Braido: A manifestação do MPF chegou no sábado com preocupações. Adicionalmente, havia uma acusação de que, durante o processo do leilão, houve formação de um cartel. Isso não é brincadeira. Pedi para instaurar um inquérito, para aprofundar a investigação.

Broadcast: Houve críticas em outras decisões, como da Localiza/Unidas, de que o Cade tem permitido uma concentração elevada em alguns mercados.

Braido: O Cade tem uma tradição de negociar e intervir o mínimo possível nos negócios, e isso leva a recorrer a remédios (condições para a aprovação) talvez mais vezes do que o adequado. Há um tabu entre reprovar operações e acho que isso deveria ser revisto. Em consequência disso, acabamos aprovando operações que deveriam ter sido reprovadas, quase sempre com a imposição de remédios duros. Essa é uma questão para o Cade refletir, mas o espírito de não intervir em negócio privado sem boa justificativa precisa ser mantido.

Contato: lorenna.cardoso@estadao.com e guilherme.pimenta@estadao.com
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