Economia & Mercados
24/09/2021 15:50

Entrevista/El-Erian: Há grande risco de ocorrer recessão nos EUA com atual política monetária


Por Ricardo Leopoldo

São Paulo, 4/8/2021 - Há grande risco de ocorrer uma recessão nos EUA devido à condução da política monetária pelo Federal Reserve, pois a inflação está muito alta e há uma mudança estrutural no lado da oferta que modelos econométricos não capturam muito bem, comenta, em entrevista exclusiva ao Broadcast, o consultor-chefe da Allianz e presidente do Queens College da Universidade de Cambridge, Mohamed El-Erian.



Para El-Erian, o Fed despertará para reduzir os estímulos monetários à economia americana no final do ano, quando a inflação alta não tiver diminuído para a meta de 2% e persistir entre 4% e 5%. Ele acredita que o tapering não começará antes de dezembro e deverá durar entre 10 a 12 meses. "O Federal Reserve já deveria ter começado o tapering. Atualmente, é quase impossível apontar os benefícios da compra de US$ 120 bilhões de ativos financeiros por mês", destaca. "Depois disso, haverá alta de juros e a primeira elevação ocorrerá em 2023, o que eu penso que será tarde demais", acrescenta.

Na avaliação do economista, o Federal Reserve "está refém do arcabouço errado de política monetária", que baseia-se nas evidências de inflação registradas no passado. Contudo, o mais adequado seria ouvir os comentários de companhias que apontam estar ocorrendo alta de custos por causa de três fatores: transportes, falta de trabalhadores e matérias-primas. "Estas dificuldades de diversas empresas não vão terminar logo, mas elas têm poder de formação de preços, pois a demanda está muito alta."

Para Mohamed El-Erian, Jerome Powell é o favorito para liderar o Federal Reserve a partir do início de 2022 com a eventual recondução pelo presidente Joe Biden. Contudo, sua principal vulnerabilidade é a alta da inflação.

De acordo com El-Erian, quem for o próximo presidente do Fed no próximo ano, mesmo que seja Powell, "terá de tornar a instituição mais verde e com a mente mais aberta para moedas digitais e para assegurar estabilidade financeira". Acompanhe os principais trechos da entrevista.

Broadcast: Qual é a avaliação do senhor sobre a condução da política monetária pelo Federal Reserve, especialmente sobre o processo de redução gradual do programa de afrouxamento quantitativo, o tapering?

Mohamed El-Erian:
Na semana passada, o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, orientou o mercado para esperar um anúncio mais tardio relativo ao tapering. Antes da entrevista coletiva concedida por Powell ao final da reunião do Fed de julho, o consenso era de que o banco central dos EUA poderia anunciar alguma medida em agosto ou setembro e a implementaria em novembro ou dezembro. Após esta conferência de Powell, tal expectativa mudou, com o anúncio em novembro ou dezembro e o começo deste processo ocorreria em janeiro ou março de 2022. O Federal Reserve já deveria ter começado o tapering. Atualmente, é quase impossível apontar os benefícios da compra de US$ 120 bilhões de ativos financeiros por mês. Mesmo o setor de imóveis está muito aquecido. E o Fed continua comprando US$ 40 bilhões em ativos atrelados a hipotecas de residências. Ninguém entende porque está fazendo isso. Há custos e riscos. Em primeiro lugar, temos um problema de inflação em evolução. Esta não é a inflação que é registrada no Brasil, mas sim uma taxa de 3% a 5% para uma economia que normalmente atinge uma marca menor que 2%. Estão ocorrendo riscos econômicos desnecessários. E continuam a ser criadas bolhas nos mercados financeiros, o que significa que há um risco de instabilidade financeira que pode trazer efeitos negativos para a economia. Quando eu observo tudo isso, eu pergunto por que o Fed está adotando tais medidas. E isto tem consequências para países como o Brasil, pois se os EUA espirram os mercados emergentes pegam um resfriado.

Broadcast: Por que na sua avaliação Jerome Powell está esperando demais para iniciar o tapering?

El-Erian:
Os EUA têm uma história de inflação baixa e Powell não quer voltar a observar novamente este fato. Há também a variante delta da covid-19, o que torna o cenário econômico incerto. Powell tem repetido diversas vezes que a inflação é transitória mesmo reconhecendo que a inflação está ficando mais alta e duradoura do que ele esperava. Além dos eventuais efeitos da variante delta, ele também está preocupado que ocorra um fenômeno semelhante ao registrado no último trimestre de 2018, quando ele tentou apertar a política monetária, mas o mercado financeiro o forçou a voltar atrás de forma constrangedora.

Broadcast: Quais são as chances de Jerome Powell de ser reconduzido à presidência do Fed no início do próximo ano pelo presidente Joe Biden?

El-Erian:
Ele é o favorito. Powell comandou uma resposta muito forte à crise econômica no ano passado gerada pela pandemia. Os mercados o amam. E há o risco de que, caso ocorra uma mudança na presidência do Fed, pode causar excessivas incertezas em uma conjuntura repleta de dúvidas. Mas esta é uma decisão política e eu não sei qual será. Por outro lado, eu penso que a sua principal vulnerabilidade é que se ele não for reconduzido rapidamente, digamos nos próximos 2 ou 3 meses, a alta da inflação poderá se tornar um problema político, que já existe, mas poderá ficar ainda maior.

Broadcast: O senhor está cético de que o aumento da inflação nos EUA não será temporário como aponta o Federal Reserve?

El-Erian:
Há um problema que ocorre agora. Modelos macroeconômicos não capturam bem mudanças estruturais. E a economia dos EUA está passando por uma imensa mudança estrutural no lado da oferta. O correto a fazer agora é não confiar em modelos macroeconômicos, mas escutar o que as companhias estão dizendo. Eu escuto companhias todos os dias e elas apontam três questões relativas a aumento de custos de produção: uma delas é transportes, a segunda é a falta de trabalhadores e a terceira é matérias-primas. Estas dificuldades de diversas empresas não vão terminar logo, mas elas têm poder de formação de preços, pois a demanda está muito alta. Eu e você sabemos que estes fatores provocam aumento da inflação. Há alguns elementos de aumento da inflação que são transitórios e reversíveis, como efeitos de comparação estatística em relação a preços que caíram muito no ano passado devido à pandemia, mas mesmo assim a inflação, medida pelo CPI, está em 5,4% e há menor influência de fatores estatísticos. E há mais inflação por vir que ainda não atingiu o CPI. Dizer que a elevação dos índices de preços é temporária não é consistente com os fatos que as companhias estão descrevendo. O Fed está mudando a narrativa de que a alta da inflação é transitória. Para muitas pessoas, temporária significa alguns meses, mas Powell destacou na semana passada que transitória pode levar de 1 a 2 anos. Eu não sei como é possível avaliar que é transitória alta de inflação de 1 a 2 anos. Ao observar as projeções do FMI, o Fundo acredita que a inflação dos EUA estará acima da meta de 2% nos próximos dois anos.

Broadcast: Quais são as estimativas do senhor para o núcleo do PCE e o crescimento dos EUA para este ano e em 2022?

El-Erian:
Eu não gosto muito do núcleo do PCE, pois todo mundo observa o CPI, que atingiu 5,4% em junho. Naquele mês, o núcleo do PCE avançou 3,5% em termos anuais. Acredito que manterá este nível de 3,5% em 2021 e no próximo ano deverá ficar próximo a 3%. O crescimento do PIB deve atingir 6% em 2021 e subir entre 2% e 3% no próximo ano.

Broadcast: Quais serão os passos que o Fed adotará em relação ao tapering e quando começará a subir os juros?

El-Erian:
Não acredito que o Fed anunciará nenhuma medida antes de dezembro. Eu acredito que o tapering deverá durar de 10 a 12 meses. Depois disso, haverá alta de juros e a primeira elevação ocorrerá em 2023, o que eu penso que será tarde demais. O Federal Reserve está dependente do novo arcabouço de política monetária que foi concluído em 2019, que está olhando para o passado. O Fed indica que somente atuará em resposta a evidências de inflação. Não há problema de eficiência da demanda agregada nos EUA, pois diversos setores estão registrando uma grande expansão. O governo está injetando na economia trilhões de dólares, as famílias têm o equivalente a 10% do PIB em poupança extra e o setor corporativo apresenta resultados bem fortes e tem bons níveis de caixa. Há problemas na oferta agregada. Eu penso que o Fed está refém do arcabouço errado de política monetária.

Broadcast: Qual deveria ser o arcabouço correto?

El-Erian:
Ouvir as companhias, colocar junto microevidências e vir com um cenário elaborado com informações da base da economia.

Broadcast: No momento, os mercados avaliam que o aumento da inflação é transitório. O senhor disse que a alta de juros pelo Fed ocorrerá tarde demais. O senhor vê algum momento no curto prazo no qual investidores passarão a desafiar as avaliações do Fed com impactos em preços de ativos financeiros?

El-Erian:
Quanto mais o Fed espera, maior é o risco. Um comitê de investimentos profissional dedica um longo tempo conversando sobre fundamentos de uma empresa que estão analisando. Investidores profissionais realmente bons perguntam a seguinte questão: quem vai comprar depois de nós? No minuto em que alguém compra depois de você ocorrem duas consequências: eles validam o que você fez, pois puxarão o preço para cima. Em segundo lugar, provê liquidez caso você mude de ideia sobre aquele investimento. Imagine que se eu dissesse que o comprador depois de você é um agente previsível, tem uma impressora no porão que pode produzir quanto dinheiro quiser e não é uma instituição comercial, o que significa que não se importa com o preço do ativo, pois não está comprando para ter lucro. Se eu disser isso, você vai comprar, comprar e comprar este ativo. Este é o motivo porque os rendimentos de treasuries de longo prazo estão tão baixos. O Fed se torna o formador de preços. O mercado não reagirá até quando estiver muito claro que o Federal Reserve iniciará o tapering.

Broadcast: Há riscos de que as expectativas de inflação começarão a subir de forma persistente, dado que o senhor destacou que o Fed entende que a elevação dos índices de preços pode demorar 1 ou 2 anos?

El-Erian:
O que veremos é que as expectativas de inflação até 5 anos subirão e para além deste período baixarão. A razão porque isto ocorrerá é que não há nenhum episódio na história no qual o Fed demorou para apertar a política monetária e quando agiu não levou a economia à recessão. O que os agentes de mercado começarão a avaliar é que a inflação está alta, o Fed precisará apertar os freios da política monetária e quando isto ocorrer teremos recessão. Penso que há um grande risco de ocorrer uma recessão. Quando mais o Fed esperar, mais demorará para acordar para esta situação. O Fed despertará quando no final do ano a inflação alta não tiver diminuído para 2% e persistir entre 4% e 5%.

Broadcast: O senhor acredita que os EUA poderiam registrar uma recessão em 2023 quando o Fed voltará a subir os juros?

El-Erian:
Caso não tenhamos alta inflação transitória, mas sim persistente, no próximo ano o Fed precisará aumentar a velocidade do tapering. Quando isto acontecer, os mercados subirão as expectativas de taxas de juros e haverá risco real da economia desacelerar bem rápido, o que poderá ocorrer entre a segunda metade de 2022 até o início de 2023.

Broadcast: Qual é avaliação do senhor sobre os estímulos fiscais adotados pelo governo do presidente Joe Biden para acelerar a recuperação dos EUA?

El-Erian:
Eu penso que as ações fiscais se tornaram uma vítima da inapropriada política do Fed. Nos últimos meses, a economia dos EUA estava subindo, o acelerador fiscal estava funcionando, bem como o acelerador da política monetária, e ninguém mais se importa com regulações prudenciais porque a economia estava subindo a colina. Agora estamos descendo a colina, o acelerador monetário está ligado, bem com o acelerador fiscal, e não há foco adequado em estabilidade financeira. Você terá de decidir qual dos dois pedais precisará reduzir a velocidade. Se reduzir o acelerador fiscal, o custo será o crescimento no futuro, pois a próxima rodada de políticas fiscais é infraestrutura física e depois infraestrutura humana. O acelerador monetário não adiciona nada ao crescimento econômico, apenas para os preços de ativos financeiros. O correto seria desacelerar a política monetária, manter o acelerador fiscal e pressionar com mais força regulações macroprudenciais para estabilidade financeira. Se continuar, o acelerador monetário terá de abandonar o acelerador fiscal e será trágico para o crescimento anos à frente.

Broadcast: O senhor acredita que o Congresso aprovará o plano de investimentos em infraestrutura de US$ 1 trilhão proposto por um grupo bipartidário de senadores?

El-Erian:
O Senado deve aprová-lo nesta semana e o plano irá para a Câmara dos Representantes. Os democratas na Câmara têm duas escolhas: uma delas é aprovar como o projeto está e tem maioria para isso. A outra alternativa é tentar anexar ao projeto um pacote de US$ 3,5 trilhões, que incluirá todos os elementos do plano de infraestrutura humana. A minha intuição diz que a Câmara vai aprovar também o pacote de US$ 1 trilhão, mas não estou 100% confiante.

Broadcast: O Banco Central Europeu está com grande foco em políticas voltadas também para questões climáticas, enquanto o Fed evita avançar no tema. Na sua avaliação, o próximo presidente do Federal Reserve, inclusive se for Jerome Powell, precisará tornar o BC dos EUA mais verde?

El-Erian:
Quem for o próximo presidente do Fed no próximo ano, mesmo que seja Powell, terá de tornar a instituição mais verde e com a mente mais aberta para moedas digitais e para assegurar estabilidade financeira. Quando eu digo que o Fed precisará ser mais verde significa forçar bancos a levar com mais seriedade riscos climáticos sobre suas decisões de negócios. E também será importante como o próprio Fed pode ajudar nesta revolução verde. Em relação à estabilidade financeira, é necessário o Fed considerar com maior atenção o que está acontecendo no setor não bancário e começar a usar os instrumentos que possui para tornar mais difíceis operações de dívida na margem, que estão em nível recorde. Muitas pessoas estão tomando empréstimos sobre empréstimos para poder investir nos mercados de ações. Sobre os setores não bancários, toda vez que muda a sabedoria convencional neste segmento surge um problema de funcionamento de mercado. Estou falando especialmente de hedge funds, o chamado shadow banking e fintechs que ficaram enormes, mas estão ao largo de regulações.

Contato: ricardo.leopoldo@estadao.com
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