3 de setembro de 2025
Por Guilherme Caetano e Weslley Galzo, do Estadão
Brasília, 03/09/2025 – O segundo dia do julgamento da tentativa de golpe de Estado no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira, 3, os advogados de defesa miraram no relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, no relator Mauro Cid e insistiram na alegação de inocência do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e dos demais réus.
A Primeira Turma do STF teve nesta quarta-feira, 3, o segundo dia do julgamento do “núcleo crucial” da trama golpista. São réus Bolsonaro e outros sete membros da cúpula de seu governo (2019-2022). Após a leitura do relatório e da acusação no primeiro dia, a sessão retomou a fase de sustentação oral das defesas do ex-presidente, de Augusto Heleno, de Paulo Sérgio Nogueira e de Walter Braga Netto.
As críticas dos cinco advogados que realizaram sustentações orais diante dos ministros recaíram, sobretudo, sobre a carga de provas disponibilizadas às defesas em cima da hora, o suposto cerceamento de direito de defesa, a proibição de gravar a acareação entre o colaborador Mauro Cid e Braga Netto e a conduta do ministro relator, Alexandre de Moraes. Para as defesas, o delator não é confiável porque mentiu e omitiu informações durante as investigações.
Defesa: Não há provas contra Bolsonaro, e atos preparatórios não tiveram violência
Em meio à expectativa de condenação de Bolsonaro, a defesa do ex-presidente apostou no argumento de que não houve violência na preparação da suposta trama golpista para pleitear a absolvição do seu cliente – ou ao menos garantir a redução da sua pena.
Os advogados de Bolsonaro, Paulo Cunha Bueno e Celso Vilardi, se dedicaram a convencer os ministros de que violência ou grave ameaça são dois elementos necessários para caracterização do crime de golpe de Estado e abolição do Estado democrático de direito. Com isso, a defesa do ex-presidente mira a nulidade desses tipos penais, mas, caso não ocorra, pleiteiam ao menos a redução da pena que pode superar 43 anos de prisão.
O primeiro a falar, Vilardi argumentou que não seria razoável condenar Bolsonaro a mais de 30 anos de prisão por “meros atos preparatórios”. O criminalista disse que a Procuradoria-Geral da República (PGR) fez uma manobra argumentativa para associar o ex-presidente a casos de violência, como o plano “Punhal Verde Amarelo” e os atos golpistas de 8 de Janeiro, que poderiam enquadrá-lo no crime de golpe de Estado.
A defesa de Bolsonaro não nega, contudo, que ele tenha discutido medidas que poderiam dar sustentação a um eventual movimento de ruptura, como a decretação de Estado de sítio ou defesa.
“O presidente a quem estou representando foi dragado para esses fatos (Punhal Verde Amarelo, Operação Luneta, Operação Copa 2022 e 8 de Janeiro)”, disse Vilardi. “O presidente não atentou contra o Estado democrático de direito, e não há uma única prova”.
A PGR afirmou, nas alegações finais, que Bolsonaro não só autorizou como participou ativamente da estruturação do plano Punhal Verde Amarelo.
Advogados de Bolsonaro e Braga Netto atacam delação de Cid
Para Vilardi, a delação do ex-ajudante de ordens e as provas obtidas a partir da quebra de sigilo telemático de Cid são a “pedra de toque” do processo, o que enfraquece a consistência da denúncia apresentada pela PGR. O criminalista apontou que o tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro apresentou 16 depoimentos em sua colaboração premiada e, em mais de uma oportunidade, alterou as versões apresentadas e omitiu informações.
O advogado José Luis de Oliveira Lima, cujo cliente é o ex-ministro Walter Braga Netto, se somou às defesas dos demais réus nas críticas à delação premiada. Lima pediu a anulação do procedimento alegando que o colaborador mentiu.
“Vai se condenar uma pessoa com base em sete versões (da delação de Cid sobre Braga Netto)? Isso não é prova. É uma farsa. É uma mentira”. “Não se pode condenar alguém com base em narrativa”, prosseguiu. “A defesa entende que esse acordo está maculado”, completou.
Lima citou a reportagem da revista Veja que expôs conversas de uma conta atribuída à esposa de Cid com o advogado Eduardo Kuntz. tecendo críticas à condução da delação pela PF. O teor das mensagens levou Cid a prestar esclarecimentos ao STF por suspeita de que ele teria utilizado a conta para expor os bastidores da delação. Na leitura do advogado de Braga Netto, a conversa evidenciou que Cid assumiu ter sido coagido, o que deveria levar à anulação da delação.
O advogado criticou a proibição de Moraes de gravar a acareação entre Cid e Braga Netto, criticou o que considerou ser uma celeridade do processo e afirmou que o general é inocente: “Estou defendendo um homem sem qualquer mácula, sem qualquer mancha em sua carreira”.
Defesa de Bolsonaro repete argumento de Fux em busca de absolvição
Bueno, por sua vez, em seus 14 minutos restantes de sustentação oral deixados pelo colega, fez um aceno ao ministro Luiz Fux ao dizer que a PGR tenta punir “meros atos preparatórios”. Disse: “Nós estaríamos, em última análise, a punir a tentativa da tentativa (de golpe)?”.
A declaração vai ao encontro da manifestação de Fux na ocasião da aceitação da denúncia contra Bolsonaro, em março, quando o ministro discordou das penas impostas a bolsonaristas presos no 8 de Janeiro e abriu o debate sobre a dosimetria do julgamento.
“Se o legislador cria um crime tentando como consumado (…) todo crime tem atos preparatórios, todo crime tem tentativa, está na lei. Tudo isso vai ser avaliado”, disse Fux na ocasião. “A minha crítica a essas figuras penais é exatamente a falta de verificação desses antecedentes técnicos científicos, de que, na medida em que se coloca a tentativa como crime consumado, no meu modo de ver, há um arranhão na Constituição Federal e também não se cogitou nem atos preparatórios nem de tentativa de crime tentado”, completou o ministro.
O último ponto do tripé de defesa de Bolsonaro foi a alegação de cerceamento do direito de defesa por falta de tempo hábil para analisar as provas reunidas pela PF. “Eu não conheço a íntegra desse processo. O conjunto da prova? Eu não conheço. São bilhões de documentos”, afirmou o advogado César Vilardi. “Porque não conheço, não pude questionar a cadeia de custódia da prova”, prosseguiu.
Defesa de Augusto Heleno critica atuação de Moraes
Após ter chamado a atenção durante a fase de interrogatórios, em junho, pela extroversão com que pediu a Moraes tempo para “jantar com calma”, Matheus Milanez fez nesta manhã a sustentação mais enfática contra supostas irregularidades processuais na acusação da PGR contra o seu cliente, o general e ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno.
Milanez questionou a condução de Moraes como juiz e investigador ao citar que o ministro inquiriu uma testemunha com base numa publicação de rede social que não constava nos autos – tarefa que caberia à acusação. E criticou o acesso às provas e o tempo para apreciação: dezenas de terabytes de arquivos para serem analisados em 15 dias.
O advogado destacou que o distanciamento de Bolsonaro a partir da entrada do Centrão no governo, em 2020, afastou Heleno do então presidente e, consequentemente, dos eventos da trama golpista ocorridos entre julho de 2021 e janeiro de 2023.
Defesa de Paulo Sérgio alega que ele atuou para ‘demover’ Bolsonaro de golpismo
O advogado Andrew Farias, que defende o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, adotou como estratégia a alegação de que o seu cliente seria um freio ao golpismo entre os aliados de Bolsonaro na reta final de 2022. Um dos argumento mobilizados pela defesa foi o depoimento do ex-comandante da Aeronáutica Baptista de que o militar “atuou para demover o presidente de incursão de qualquer medida de exceção”.
Ainda nessa linha, Farias citou o testemunho de Freire Gomes para sustentar que o ex-ministro não pressionou os comandantes da Três Forças a aderirem o golpe. De acordo com a defesa, Nogueira teria aconselhado Bolsonaro a impossibilidade de mudar o resultado das eleições. A estratégia adotada pelo ex-ministro não nega a existência de uma trama golpista e chega a responsabilizar o ex-presidente por essas discussões no alto escalão do governo anterior.
O ponto mais sensível para a defesa foi a nota publicada por Nogueira no site do Ministério da Defesa para manter viva a possibilidade de fraude nas urnas eletrônicas após as Forças Armadas concluírem a fiscalização no sistema eletrônico de votação e não identificarem falhas. Desta vez, Farias não responsabilizou Bolsonaro. Ele alegou que o texto, em claro tom contestatório à segurança eleitoral, teria sido publicado para “esclarecer” que o objetivo da Defesa era fiscalizar as urnas.
Ainda segundo a defesa, Nogueira também não atuou para postergar a entrega do relatório pela Forças Armadas com o objetivo de manter a suspeição de fraude por apoiadores de Bolsonaro, como apontou a PGR.
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