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Aberto a reformas

Agenda Saudi 2030 tem meta para ampliar participação feminina no mercado de trabalho

4 de fevereiro de 2025

Por André Marinho

Nas rodas de conversas de estrangeiros ocidentais que visitam a Arábia Saudita, a mesma impressão se repete com frequência: o país parece mais liberal do que aparenta na mídia. Pode ser o resultado de uma visão estereotipada sobre populações árabes, ou então o bem-sucedido efeito de uma campanha saudita para apresentar aos turistas um reino em transformação. Seja como for, para além do cheiro de perfume que se espalha pelos ambientes fechados, é difícil não se surpreender com o que se vê nas ruas.  

Após mais de 15 horas de voo, o Broadcast desembarcou na capital Riad na madrugada da última quarta-feira, convidado a participar da Global Labor Market Confence (GLMC). Por lá, as cenas do cotidiano local surpreendem com andaimes que pontuam as largas avenidas da metrópole de 7 milhões de habitantes e erguem edifícios envidraçados que abrigam sedes de empresas de todo o mundo: HSBC, Amazon, EY. Do luxo de marcas como Tiffany à trivialidade dos restaurantes de McDonald’s e Domino’s, a cidade dá acesso a uma oferta de serviços e produtos que rivaliza com Nova York, Londres e São Paulo.

Neste que é o maior exportador de petróleo do mundo e líder de facto da Opep, o “ouro líquido” está direta ou indiretamente em toda a parte, seja na onipresença do logo da gigante petroleira estatal Saudi Aramco, ou no entendimento velado de que a prosperidade nacional veio justamente da commodity. Nos postos, a gasolina chega a custar pouco mais de 2 riais sauditas (ou cerca de R$ 3,12).

Mas há também um esforço para mostrar uma economia que é mais do que petróleo. Praticamente como um mantra, o governo promove as reformas da agenda Saudi 2030 para diversificar a atividade econômica, mas também projetar à comunidade internacional a modernização em andamento. O programa prevê, por exemplo, ampliar a participação feminina no mercado de trabalho.

Aliás, este é invariavelmente o ponto central de quase todas as conversas sobre o país. Se até 2018 as mulheres não podiam nem dirigir sozinhas, hoje já é possível ver grupos de amigas caminhando sozinhas nas ruas e trabalhando em diversas áreas do setor de serviços. Raramente em posições de chefia, é verdade.

O hijab é usado de maneira generalizada, alguns cobrindo o rosto inteiro, outros apenas o cabelo. Mas a vestimenta não é obrigatória, como a lei ainda prevê em outros países islâmicos – as colegas jornalistas brasileiras relataram, inclusive, que perceberam pouco estranhamento por não estarem usando algum tipo de véu.

O choque pela crescente moderação cultural, porém, corre o risco de mascarar questões mais profundas. Afinal, este ainda é o regime autocrático que, há poucos anos, matou o jornalista Jamal Jamal Khashoggi em uma operação digna de filme de ação na embaixada na Turquia. É nas pequenas coisas que essa realidade dá as caras.

No hotel da rede americana Marriott localizado no bairro das sedes diplomáticas no país, três fotografias dão as boas-vindas aos hóspedes na recepção e lembram quem manda naquele país. As imagens retratam o rei Salman bin Abdulaziz Al Saud, o príncipe Mohammed bin Salman bin Abdulaziz e o ex-rei Abdullah Bin Abdulaziz Al Saud, morto em 2015. Uma rápida volta pela cidade indica que essas fotos são presença comum em todo lugar.

Mesmo o avanço feminino nas empresas tem suas ressalvas. Segundo o governo, a proporção de mulheres sauditas que integram a força de trabalho passou de 20% em 2018 para cerca de 35% atualmente, índice ainda muito abaixo de Brasil e EUA, onde supera 50%. O governo quer elevar o número a 40% até o final da década.

Assim, nas entrelinhas, a Arábia Saudita foi revelando as contradições: um país próspero, cada vez mais cosmopolita, mas ainda governado por uma monarquia absolutista e com contornos teocráticos. Se a impressão inicial é a que fica, as reformas já são um sucesso. Mas para chegar a 2030 como a economia diversa e a sociedade mais inclusiva que dizem querer ter, os sauditas ainda terão trabalho pela frente.

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