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Mudança de lei do câmbio anistia 5 bancos investigados pela PF sobre lavagem de dinheiro

17 de outubro de 2025

Por Marcelo Godoy e Fausto Macedo, do Estadão

São Paulo, 17/10/2025 – Uma mudança na legislação sobre operações de câmbio anistiou cinco instituições financeiras que estavam sendo investigadas pela Polícia Federal por suposta participação em um esquema bilionário de evasão de divisas. As operações descobertas pela PF envolviam compra de criptoativos e lavagem de dinheiro para organizações criminosas como o grupo terrorista Hezbollah e o Primeiro Comando da Capital (PCC).

Os bancos investigados pela PF eram o Master, o Genial, o Travelex Banco de Câmbio S/A, o Santander e o Haitong Banco de Investimento do Brasil S/A. Outros quatro bancos e uma corretora de valores se recusaram a entrar na operação e denunciaram o esquema para a PF. Procurados, os bancos negaram envolvimento em irregularidades, disseram cumprir as normas e que sempre estiveram à disposição das autoridades.

O processo de mudança da legislação cambial ocorreu em paralelo ao avanço dos trabalhos da Polícia Federal. A investigação da PF começou em janeiro de 2020 e deu origem à Operação Colossus, deflagrada em 22 de setembro de 2022. Na conclusão do inquérito policial, a PF afirmou ter constatado a existência de “cegueira deliberada” para irregularidades do mercado câmbio e para a lavagem de dinheiro por parte dos bancos.

A alteração da legislação – em meio à tramitação na Câmara dos Deputados do novo marco legal do câmbio – tirou da PF o principal argumento para imputar a funcionários dos bancos os crimes de evasão de divisas e de gestão fraudulenta: a responsabilidade compartilhada entre bancos e clientes do registro correto das operações de câmbio.

Esse compartilhamento de responsabilidade estava fixado desde 1962. A nova lei, aprovada em dezembro de 2021 e regulamentada pela Resolução 277 do Banco Central, em 31 de dezembro de 2022, retirou dos bancos essa responsabilidade, deixando apenas na mão dos clientes, o que fez com que possíveis condutas ocorridas entre 2017 e 2022 – que estavam sendo investigadas – deixassem de ser crime. E como não havia mais crime, não havia mais o que e quem punir.

O relator do projeto na Câmara, deputado federal Otto Alencar Filho (PSD-BA), incluiu em seu parecer dispositivos que oficializaram a transferência da responsabilidade pela classificação das finalidades das operações de câmbio dos bancos para os clientes. Essa mudança, segundo o relator, foi feita à pedido do Banco Central.

Por meio de nota, o BC informou que a nova legislação do câmbio “buscou, em nível legal, obrigar as instituições a se responsabilizarem pelo curso lícito de operações de câmbio ao invés de se eximirem dessa responsabilidade exigindo, mecanicamente, documentos que supostamente comprovassem a finalidade da operação”.

O BC informou ainda que a nova lei “aumentou a responsabilidade das instituições, ao atribuir a obrigatoriedade de que cada instituição que opere em câmbio desenvolva e implemente avaliação interna de risco que suporte a exigência pontual de alguns documentos nas transações cambiais nos casos de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo”.

Em 23 de maio de 2022, ainda antes da regulamentação final da lei, a PF pediu autorização da Justiça para revistar escritórios de três bancos e a quebra do sigilo telemático de outros dois, além de extrair cópia da representação e informar tudo ao Banco Central e à Receita Federal. O pedido foi aceito pela Justiça.

O documento da PF foi protocolado no BC por ordem do juiz Diego Paes Moreira, da 6.ª Vara Federal de São Paulo, responsável pelas decisões judiciais da Operação Colossus. O objetivo era fazer com que o BC pudesse “apurar administrativamente as condutas das instituições financeiras enquadradas”. A representação fazia parte de um conjunto de três feitas pela Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros, a Delecor, da Superintendência da PF, em São Paulo, à Justiça. O Estadão teve acesso a todos os documentos.

O esquema investigado – que garantia a evasão de divisas e lavagem de dinheiro por meio da compra de criptoativos, como o USDT (Tether) e o bitcoin – movimentou R$ 61 bilhões em quatro anos, de acordo com a PF.

Os bancos Master, Genial e Travelex Banco de Câmbio S/A foram alvos de busca e apreensão nos escritórios das instituições na Avenida Faria Lima (Genial e Master) e Avenida Luiz Carlos Berrini (Travelex), em São Paulo, e na praia de Botafogo (Genial), no Rio.

O Genial afirmou que “colaborou integralmente com as autoridades competentes, atendendo a todas as solicitações de informações feitas no âmbito da Operação Colossus”. O banco informou que “sempre manteve uma postura de total transparência e forneceu toda a documentação pedida pelos órgãos responsáveis”. Também afirmou que “realizou as comunicações ao COAF (Conselho de Controle das Atividades Financeiras) que suas análises internas identificaram operações que se enquadravam nos critérios legais de reporte”.

O Banco Travelex afirmou não reconhecer qualquer fundamento nas informações da PF. “A instituição atua em estrita conformidade com a legislação brasileira e adota controles internos rigorosos, assegurando que todas as suas operações estejam alinhadas aos mais elevados padrões de governança, transparência e integridade.”

O Estadão procurou o Banco Master, mas não obteve respostas. O espaço segue aberto.

Santander e Haitong Banco de Investimento do Brasil S/A tiveram seus sigilos telemáticos de suas sedes na Avenida Juscelino Kubitschek (Santander) e na Avenida Faria Lima (Haitong) quebrados pela Justiça e foram obrigados a entregar documentos de operações de câmbio mantidas com negociadores de criptomoedas.

O Santander afirmou que hoje não é investigado ou acusado no âmbito da operação, “porque cumpre integralmente a legislação e as normas aplicáveis ao tema, bem como atua em conformidade com as boas práticas internacionais para a prevenção de crimes financeiros”. A instituição informou que segue “à disposição das autoridades competentes para, conforme o caso, colaborar com as investigações.”

O Estadão procurou o Haitong, mas o banco não se manifestou. O espaço segue aberto.

Além da representação contra os bancos, a PF ainda conseguiu, no decorrer da Operação Colossus, a decretação de duas prisões preventivas de acusados de envolvimento no esquema – outras 16 prisões foram indeferidas – e o bloqueio e sequestro de até R$ 1,18 bilhão em contas bancárias, carteiras de criptomoedas e em bens móveis e imóveis de 20 pessoas e 20 empresas – foram indeferidas as buscas em dez lugares.

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