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Exclusivo:Pesquisa do BC aponta crise de confiança com cúpula e queixas salariais de servidores

23 de setembro de 2025

Por Célia Froufe e Cícero Cotrim

Servidores do Banco Central relataram, no fim do ano passado, um quadro de crise de confiança com a diretoria colegiada e de insatisfação com a remuneração. Esses são os principais pontos negativos citados pelos participantes da “Pesquisa de Clima”, um levantamento bienal feito pela autarquia. A edição mais recente, de 2024, foi obtida pela Broadcast com base na Lei de Acesso à Informação (LAI).

Dos 60 itens avaliados pelos servidores ativos da autoridade monetária, a pior nota ficou com a afirmação “confio nas mudanças estabelecidas pela Diretoria Colegiada do Banco Central”, com 42 de 100 pontos. Pela própria faixa de avaliação usada no levantamento, esse item indica um resultado “insuficiente” e a necessidade de uma ação para corrigir os rumos. Apesar do baixo nível, a nota desse item aumentou em relação à pesquisa de 2022 (34,9).

Também na faixa de “resultado insuficiente”, ficou o item que trata da remuneração e dos benefícios (44,5 pontos). Em seguida, aparecem mais dois ligados à cúpula do BC – “confio no direcionamento estabelecido pelo responsável pela minha área (diretor ou presidente)” e “o responsável pela minha área (diretor ou presidente) está aberto a ouvir a demanda dos servidores” -, com 52,1 e 52,4 pontos, respectivamente. Essas notas são consideradas “aceitáveis”.

Por outro lado, os funcionários da autarquia deram as melhores notas para o arranjo de trabalho – que pode ser um mix de presencial, teletrabalho ou híbrido, com a avaliação de que a jornada está mais produtiva (92 pontos). Em segundo lugar está a avaliação de que há liberdade para expor pontos de vista no trabalho (84 pontos). As notas são consideradas “muito boas”.

A pesquisa ouviu 1.635 dos 3.058 servidores em exercício do BC convidados a participar do levantamento, ou 53,5% do corpo funcional. O levantamento foi feio por meio de um questionário online entre 19 de novembro e 13 de dezembro de 2024, no fim da gestão do então presidente da autarquia Roberto Campos Neto.

Avaliação

Na introdução do relatório, o BC destaca que “nem tudo são flores nesta aldeia”. “Alguns setores apresentam desafios significativos que afetam o clima de forma mais profunda”. Um dos exemplos citados é o da comunicação interna, que sofreu uma baixa expressiva nas avaliações desde 2020, com relatos de servidores sentindo dificuldades para se sentir informados e ouvidos pela liderança. “A falta de clareza na comunicação dos rumos e das decisões dos líderes tem sido motivo de insatisfação e um ponto fraco que evidencia um desafio importante: a necessidade de aprimorar os canais de diálogo e de garantir que cada voz seja ouvida”, concluiu a pesquisa.

Outro aspecto que chamou atenção é a percepção relacionada à remuneração e aos benefícios, que, como o próprio levantamento destaca, tem sido tema de “debates acalorados”, especialmente entre grupos que percebem as diferenças entre os cargos – por exemplo, entre procuradores e analistas -, o que gera uma sensação de injustiça e desmotivação. Muitos servidores viam a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que dá autonomia financeira, orçamentária e administrativa ao BC, como uma forma de aumentar contratações e salários (com alguns considerando, inclusive, a possibilidade de renda superior ao teto, o que o governo tem tentado evitar). A apreciação da PEC está parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado por um pedido de vista, já que não há consenso sobre a proposta no governo.

O relatório lembra que em 2022, o quadro de pessoal do BC fez uma greve de 82 dias, mas que terminou sem o atingimento dos resultados pretendidos, com a manutenção dos servidores em “estado de alerta” até 2024, com a realização de operações-padrão (com redução do nível de entrega) e novas greves de curta duração, que culminaram com um acordo que promoveu melhora de salário, mas não atendeu a uma série de anseios do corpo funcional.

Ainda em 2023, começaram os debates sobre a possibilidade de uma mudança na natureza jurídica do Banco Central com a PEC 65. A proposta dividiu a organização entre apoiadores e detratores da ideia, “gerando uma nova onda de crítica aos gestores estratégicos, desta vez associada à ataques a colegas de opinião contrária e criando uma animosidade entre diversos grupos”.

Também no segundo semestre de 2024, ainda sob a gestão de Campos Neto, iniciaram-se os debates sobre a transição para o regime híbrido. A maioria dos servidores se mostrou contrária à ideia de que fossem determinados dias obrigatórios para a execução presencial dos trabalhos.

Mulheres

A composição demográfica revela “variações significativas” nas percepções, conforme a sondagem. Por exemplo, as mulheres – que são cerca de um quarto do total dos funcionários – tendem a avaliar alguns aspectos do clima de forma menos favorável quando comparadas aos homens. “Questões ligadas à igualdade, respeito e à forma como são tratadas no ambiente de trabalho ganham destaque e indicam a necessidade de ações que promovam a inclusão e a valorização de todas as identidades”, analisou o relatório.

Na pesquisa de 2022, “não sou discriminado em razão de idade, gênero, cor, credo ou orientação sexual” foi o item com a maior diferença entre os gêneros masculino e feminino (15%). Na pesquisa de 2024 esta diferença se acentuou, chegando aos 25%, e continuou sendo o item com maior diferença (86,6 pontos entre os homens e 69,3 pontos entre as mulheres).

Até o fim do ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem de indicar ao Senado dois nomes para a diretoria colegiada do BC, já que as vagas das diretorias de Política Econômica e de Organização do Sistema Financeiro e Resolução vão ficar livres a partir de 31 de dezembro, pela lei da autonomia operacional aprovada em 2021. Na atual gestão, há apenas uma mulher com assento na cúpula do BC entre os nove cargos de diretores e presidente.

Pontos positivos

Entre os pontos positivos, o relatório destaca a resiliência dos servidores diante dos desafios. “Apesar de terem enfrentado momentos difíceis nos anos anteriores, especialmente após episódios de mobilização e tensões decorrentes de debates sobre mudanças estruturais, a aldeia conseguiu registrar uma melhora de quase cinco pontos na avaliação geral do clima em 2024 em comparação a 2022”, avaliou o documento, acrescentando que a recuperação ainda segue aquém dos índices observados em 2020.

O resultado geral do ano passado apresentou uma elevação de quase cinco pontos em relação ao resultado da pesquisa de 2022, ano em que houve a maior queda registrada em todas as séries históricas. De acordo com o levantamento, a nota de clima estava em 78,1 em 2020, passou para 65,4 dois anos depois e chegou a 70,1 em 2024. “Ainda que tenha havido este aumento, o resultado geral ainda está 8 pontos abaixo do resultado da pesquisa de 2020, quando se iniciou a nova série histórica. Destaca-se que é possível afirmar que com 95% de confiança que a média de 2024 é significativamente maior que a de 2022.”

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