29 de outubro de 2025
Por María Regina Silva e Caroline Aragaki
A retirada de capital estrangeiro da Bolsa em outubro é a maior para o mês em pelo menos seis anos, refletindo preocupações com as relações comerciais entre China e Estados Unidos e com o cenário fiscal brasileiro após a caducidade da Medida Provisória (MP) 1.303, que trazia alternativas ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Até a última quinta-feira (23), os investidores estrangeiros haviam retirado R$ 3,721 bilhões da B3 em outubro. O saldo negativo representa a maior saída de recursos para o mês desde 2019, quando houve saída de R$ 9,601 bilhões. No acumulado do ano até o último dia 23, os estrangeiros aportaram R$ 22,791 bilhões na Bolsa.
Analistas consultados pela Broadcast apontam que o saldo negativo de outubro está vinculado à realização de lucros, com o interesse estrangeiro no mercado brasileiro permanecendo alto devido à expectativa de cortes nas taxas de juros nos Estados Unidos, seguidos pelo Brasil, e preços atraentes das ações na B3. A expectativa de avanços nas negociações comerciais dos Estados Unidos com o Brasil e com a China é outro fator positivo.
Jefferson Laatus, estrategista-chefe do Grupo Laatus, acredita que a reunião presencial entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente dos EUA, Donald Trump, terá um impacto positivo nos mercados, independentemente de um acordo imediato. “Assim que sair algum outro anúncio oficial de algum acordo ou retirada de tarifas temporárias, tende a gerar fluxo”, estima.
Rodrigo Moliterno, sócio-fundador da Veedha Investimentos, destaca que questões fiscais no Brasil motivaram a realização de lucros por parte dos investidores estrangeiros na B3 em outubro. “O fluxo estrangeiro é o grande motor, representa mais da metade do volume da Bolsa. Este movimento é natural após o tanto de dinheiro que entrou em setembro, devido à expectativa confirmada de queda dos juros nos EUA. Isso ajudou na reclassificação dos portfólios, redistribuindo recursos para outros continentes, mas também para os EUA”, explica.
Filipe Villegas, estrategista de ações da Genial Investimentos, afirma que a recuperação dos ativos nos EUA, alimentada por fortes resultados de balanços e estabilização do dólar, leva os investidores globais a reavaliarem suas estratégias, pausando o fluxo para mercados emergentes.
Para Moliterno, a derrubada da MP 1.303 foi apenas um motivo para que investidores embolsassem lucros, mas não uma indicação de tendência. Na visão do head de renda variável da Veedha, o Brasil tem outros atrativos, como empresas que ainda apresentam bons resultados, além de ações ainda baratas. “O trade é positivo, há liquidez, que é maior do que a do México [principal concorrente do mercado de ações do Brasil]”, avalia.
Com o fim da MP, a equipe econômica perdeu cerca de R$ 20 bilhões em receitas previstas para o ano seguinte e R$ 15 bilhões em redução de gastos. Segundo a Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), ficou ainda mais difícil para o governo conseguir o superávit primário de R$ 27,1 bilhões no quarto trimestre de 2025 necessário para cumprir o piso da meta fiscal.
“A questão fiscal no curto prazo preocupa. Provavelmente as metas serão cumpridas a partir de algum tipo de ajuste, tirando alguns elementos do teto, para fazer caber. Algum instrumento vai ser usado para entregar superávit zero, mas não é o que o mercado gostaria”, afirma o analista de fundos de ações João Mamede, da AZ Quest.
Incertezas no cenário fiscal complicam o horizonte para a queda dos juros no Brasil, dificultando a posição das empresas, especialmente as listadas em bolsa, segundo Enrico Cozzolino, head de análise da Levante. “A meta está cada vez mais distante”, avalia, acrescentando que há uma subestimação dos gastos por parte do governo e uma superestimação das receitas.
Mamede, da AZ Quest, afirma que pesquisas eleitorais somam incerteza às expectativas em torno das contas públicas. “Há dúvidas sobre se o governo será mais fiscalista em 2027.” Para ele, o arcabouço não para de pé e o mercado prefere um governo mais reformista que o atual. Mas até lá, o foco estará no comportamento da Selic.
“Tendo mais clareza sobre corte nos juros, com fechamento na curva, dados de inflação positivos e arrefecimento da atividade econômica, inclusive no mercado de trabalho, o investidor estrangeiro pode voltar”, avalia.
Villegas, da Genial Investimentos, considera que a narrativa que envolve a queda de juros no Brasil precisa de ajuda externa para impulsionar o fluxo estrangeiro. “Se as narrativas externas continuarem como agora, a alta da Bolsa recairia mais sobre o investidor local, institucional”, afirma.
Outro tema que está no foco são as tarifas de importação dos Estados Unidos a produtos da China, principalmente. “Quando temos tensão comercial entre os principais países que movem a economia global, é normal que investidores tirem capital de investimentos de mais risco e fiquem em estado de cautela. Foi o que aconteceu”, avalia o sócio e líder da mesa de renda variável da KAT Investimentos, Renan Santos.
Conforme Cozzolino, no caso das tarifas dos EUA ao Brasil, uma redução entre 10% e 15% da sobretaxa de 40% para entrada de produtos brasileiros nos EUA, em vigor desde agosto, no curto prazo, permitiria uma leitura de um “copo meio cheio”, no sentido de estimular a retomada dos 147 mil pontos do Índice Bovespa, que ainda não fechou nesta marca.
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