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Decisão do STJ retoma confusão sobre distratos de imóveis, dizem advogados

10 de outubro de 2025

Por Circe Bonatelli

Uma decisão tomada pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) voltará a criar confusão no julgamento dos casos de rescisões de compra e venda de imóveis vendidos na planta, na avaliação de advogados que acompanham o setor.

Após anos de disputas entre consumidores e construtoras, foi aprovada, em 2018, a lei dos distratos (13.786), com a intenção de apresentar regras claras para esses casos. Entre as principais medidas, ficou definida multa de até 50% sobre o valor pago se alguma das partes desistir do negócio. Até então, os tribunais aplicavam entre 10% e 25%, conforme avaliação de cada juiz.

A lei, portanto, serviu para aumentar as penas e inibir as desistências dos negócios. E deu certo. Os distratos chegaram a quase 50% das vendas brutas no ápice da crise imobiliária, nos idos de 2015 e 2016, mas hoje são menos de 10%, de acordo com monitoramento da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).

Entretanto, uma decisão recente do STJ reduziu a multa novamente para até 25%. Além disso, passou a determinar que a construtora deve fazer a devolução dos valores de forma imediata, e não mais só após o término da obra, conforme estabelecido na lei dos distratos.

Tais mudanças não foram unânimes, tendo três votos favoráveis e dois contrários, conforme acórdão assinado pela 3ª Turma do STJ no início de setembro. O caso foi relatado pela ministra Nancy Andrighi.

A maioria dos magistrados avaliou que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) deve prevalecer sobre a Lei dos Distratos porque ele aborda todos os contratos em que há relação de consumo, sendo, portanto, mais amplo que a legislação específica do mercado imobiliário.

A partir daí, os ministros reduziram a multa com base na interpretação do CDC que veda perdas substanciais dos valores pagos pelos consumidores e um eventual enriquecimento sem causa por parte das empresas. “Esta Corte extraiu a conclusão de que é abusiva a perda substancial dos valores pagos na hipótese de resolução do contrato de compra e venda de imóvel por culpa do consumidor, não podendo a retenção ultrapassar 25% dos valores pagos”, descreveu a relatora.

O caso julgado foi um recurso especial de um distrato realizado após a promulgação da nova lei. Mesmo assim, prevaleceu a visão de que o CDC fala mais alto. Ao definir que a lei dos distratos não se aplica nas relações de consumo, os ministros também invocaram a Súmula 543, do STJ, segundo a qual deve ocorrer a imediata restituição dos valores pagos.

Vem aí confusão

O acórdão da 3ª Turma não representa uma posição consolidada do STJ, nem tem poder vinculante. Isso quer dizer que os juízes de primeira instância não têm a obrigação de segui-lo. Mesmo assim, o acórdão dá subsídios para a interpretação dos casos de maneira diferente da prevista na lei dos distratos. Ou seja: as regras voltaram a ficar incertas, alertaram os advogados.

“Na primeira instância, o juiz pode decidir com base na lei dos distratos ou na súmula do STJ, o que mandar a sua consciência. A grande maioria segue a lei, mas essa nova decisão traz muita insegurança e falta de previsibilidade”, disse o advogado Olivar Vitale, sócio do escritório VBD, que atende construtoras, e membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim).

“Eu acredito que a partir de agora vamos ver mais judicialização”, acrescentou o sócio do escritório Amatuzzi Advogados, Bruno Amatuzzi, especialista no setor e representante das empresas. “Os adquirentes de imóveis ganharam uma força para contestação que não tinham antes”.

Para as empresas de construção, o distrato é ruim porque o dinheiro recebido com a venda do imóvel na planta é usado na construção. Se tiverem que devolver os valores aos adquirentes, podem sofrer com falta de recursos ao longo da obra. A multa mais alta inibia esses casos, mas, agora, as cláusulas contratuais com retenções superiores a 25% ficarão sujeitas à nulidade. “Se a empresa devolver o dinheiro antes do fim da obra, vai ter o risco do prédio não ser terminado. É um problema grave que fez empresas quebrarem no passado”, ressaltou Vitale.

Já do ponto de vista do consumidor que optou por desfazer o negócio, a decisão do STJ representou uma vitória significativa, pois abriu espaço para multas menores e a restituição imediata dos valores. “Essa decisão deu ao juiz o direito de modular o valor da multa se entender que está abusiva, a fim de trazer maior equilíbrio”, afirmou o advogado Marcelo Tapai, especialista em direito imobiliário e defesa do consumidor.

Tapai defende que a construtora não pode ficar com valores substanciais sem uma contraprestação. “Ao comprar o imóvel na planta, é como se o comprador emprestasse o dinheiro para a empresa fazer a construção. O comprador não chegou a usufruir do imóvel. Se tem o distrato, o dinheiro tem que ser devolvido para”, enfatizou.

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