5 de setembro de 2025
Por Vera Rosa e Carolina Brígido, do Estadão, e Gabriel Hirabahasi
Brasília, 05/09/2025 – As cúpulas dos três Poderes se articularam em uma contraofensiva à investida da oposição e do Centrão na Câmara dos Deputados por uma anistia aos acusados e condenados por participar de uma trama golpista e do 8 de Janeiro, o que beneficiaria o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A reação envolve o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), além de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). E se dá em movimentos de bastidores e por meio de declarações públicas.
A proposta de Alcolumbre, restrita à redução de penas de condenados, foi negociada nos últimos dias com uma ala do STF. Em troca do compromisso do presidente do Senado de barrar um perdão amplo, geral e irrestrito, Lula prometeu manter todos os indicados por Alcolumbre no governo, embora o comando da federação formada por União Brasil e PP tenha decidido entregar os cargos até o fim do mês.
Na lista dos apadrinhados por Alcolumbre estão os ministros das Comunicações, Frederico de Siqueira Filho, e da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, além de superintendentes da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).
Nesta quinta-feira, 4, em Belo Horizonte, Lula afirmou, que, se pautada no Legislativo, a anistia “corre o risco de ser aprovada”. “É uma batalha que tem que ser feita pelo povo”, disse ele durante encontro com comunicadores e ativistas do Aglomerado Vila da Serra, maior favela da capital mineira.
A estratégia para enfrentar o tema anistia, às vésperas de um ano eleitoral, foi definida pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social, Sidônio Palmeira, e prevê associar quem patrocina o projeto aos defensores de uma “intervenção” dos Estados Unidos no Brasil.
O principal alvo da ofensiva é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que tem feito articulações públicas pela anistia, na tentativa de receber o apoio de Bolsonaro para disputar a Presidência, em 2026.
Penas Reduzidas. No Supremo, uma ala da Corte concorda com a proposta de Alcolumbre, de reduzir penas para condenados. A ideia é beneficiar apenas os implicados no 8 de Janeiro. Nesse caso, Bolsonaro não seria contemplado.
Nos últimos dias, o presidente do Senado se reuniu com integrantes do STF para falar sobre a ideia e recebeu o aval deles. A negociação ocorre ao mesmo tempo que a Primeira Turma do tribunal julga o “núcleo crucial” da trama golpista. Bolsonaro está entre os oito réus. A previsão é de que o caso seja encerrado no dia 12.
Ainda que rejeitem a proposta de anistiar os réus que não foram julgados por terem planejado o golpe, integrantes da Primeira Turma da Corte consideram fixar em patamares mais baixos as penas a serem impostas aos eventuais futuros condenados.
A alternativa, portanto, seria reduzir as penas no julgamento em curso. Essa atitude atenuaria a crise institucional vivida entre Legislativo e Judiciário em torno do julgamento da tentativa de golpe.
Somadas as penas máximas dos cinco crimes atribuídos aos réus da ação penal do golpe, as punições ultrapassariam 40 anos de prisão. A ideia seria atender ao pedido dos advogados e considerar a prática de apenas três crimes para fins de condenação. Se isso acontecer, as penas poderiam ser fixadas em pouco mais de dez anos de prisão.
Segundo as defesas, a abolição violenta do estado democrático de direito e a tentativa de golpe de Estado se referem a apenas um ato criminoso e, portanto, não poderia haver punição duas vezes. O mesmo raciocínio poderia ser aplicado aos crimes de dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Atualmente, por exemplo, a lei prevê reclusão de 4 a 8 anos para o crime de tentativa de abolição do estado democrático de direito. Já para tentativa de golpe a pena é de 4 a 12 anos de prisão. Com um novo tipo penal, o tempo de punição poderia ser reduzido à metade.
Além deles, os réus também foram acusados de organização criminosa armada, um crime que não teria outro equivalente na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Se o Congresso aprovar a diminuição da pena dos réus do 8 de Janeiro, que já foram julgados, o STF teria de rever as punições. Isso porque, em Direito Penal, uma nova legislação tem efeito retroativo, desde que beneficie o réu. Condenados pelas invasões às sedes dos Poderes receberam penas de até 17 anos de prisão.
Constitucionalidade. A anistia ampla, como aliados de Bolsonaro defendem no Congresso, seria rejeitada pelo Supremo. Isso porque, após eventual aprovação da anistia, a PGR ou a base aliada entraria com ação no tribunal questionando a constitucionalidade da medida. A maioria dos ministros votaria contra o perdão aos condenados.
O projeto de lei que Alcolumbre pretende apresentar foi elaborado em abril pela equipe da consultoria legislativa do Senado. Passou pelas mãos de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), advogado e ex-presidente da Casa, mas não chegou a sair do papel.
Desde que o movimento da anistia foi ressuscitado, porém, a proposta vem recebendo ajustes. A minuta do texto não beneficia Bolsonaro, como quer o Centrão, que, em contrapartida ao empenho para aprovar o indulto, reivindica o apoio do ex-presidente a Tarcísio.
Em almoço com Alcolumbre, Gleisi Hoffmann, ministra da Secretaria de Relações Institucionais, e ministros do União Brasil no Palácio da Alvorada, anteontem, Lula ouviu relatos sobre a correlação de forças no Congresso e repetiu que é imprescindível barrar a anistia.
Embora a federação União Brasil-PP tenha decidido deixar o governo e apoiar Tarcísio para o Planalto, o ministro do Turismo, Celso Sabino – que estava presente no encontro com Lula – deve pedir licença do partido e continuar no cargo. Também anteontem, os presidentes do PSD, Gilberto Kassab, e do Republicanos, Marcos Pereira, almoçaram juntos, em Brasília. Nenhum dos dois partidos deixará o governo Lula, embora sejam os pilares da gestão Tarcísio.
O PSD apoia que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), paute o projeto da anistia, mas vai liberar a bancada para que cada um vote como quiser.
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