4 de setembro de 2025
*Retransmitimos reportagem publicada à 00h00 desta quinta-feira, 4:
Por Célia Froufe
Brasília, 04/09/2025 – O tarifaço aplicado aos produtos importados de quase todo o mundo pelos Estados Unidos tem grandes chances de impactar a relação entre Brasil e China, na avaliação do diretor de Conteúdo e Pesquisa do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), Tulio Cariello. Se, por um lado, pode estremecer relações com os EUA, por outro pode aproximar o País da Ásia e ainda mais dos membros do Brics. “Os EUA são um parceiro muito importante do Brasil – não tem como negar isso – e têm uma relação muito forte economicamente com o País. Quando a gente olha para os investimentos externos, os Estados Unidos ainda são um dos principais investidores no Brasil”, apontou.
O professor salientou, porém, que, apesar dessa relevância norte-americana, a situação atual é “muito delicada”. “A gente está sofrendo uma situação, na minha visão, injusta dos Estados Unidos. Eu entendo que exista uma preocupação do lado americano com as tarifas brasileiras – o Brasil realmente é um País que taxa as importações de forma geral, a gente tem um mercado muito fechado, muito protecionista -, mas longe de justificar a atitude tomada pelo governo Trump”, considerou. Inicialmente, o Brasil foi taxado em 10% em abril, mas depois teve sua alíquota ampliada para 50% e, algum tempo depois, muitos dos produtos voltaram a ter a tarifa inicial, com alguns ainda permanecendo com a elevada.
O estranhamento entre Brasília e Washington pode ter, segundo Cariello, efeitos também na atração de capital produtivo. De acordo com ele, não é que esse episódio vai determinar a entrada de investimentos americanos no Brasil, porque “o que vale no final das contas” é o mercado ser atraente ou não. “E o Brasil tem um mercado atraente”, disse, lembrando que o País está sempre entre os 10 que mais recebem investimentos estrangeiros no mundo, conforme dados das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês).
De efeito colateral, conforme o professor, o caso favorece a aproximação do Brasil com a China. “Não só uma intensificação da relação do Brasil com a China, como com os outros países do Brics também.” Para ele, também o fortalecimento das relações entre países do Brics – que já foi alvo de críticas abertas de Donald Trump – tende a se consolidar, mas nada que possa perturbar a prevalência da economia norte-americana. “Eu não vejo como uma ameaça, por exemplo, a supremacia do dólar ou coisa do tipo. Vai demorar muito ainda para o yuan chinês, por exemplo, ou qualquer outra moeda, substituir o dólar, porque a economia americana ainda é muito maior do que até a própria economia chinesa sob vários aspectos.”
Até porque, destacou o diretor, a relação econômica entre os países do bloco não é muito desenvolvida. “Então, eu acho que essa aproximação entre os Brics – agora, principalmente, com o ‘Brics expandido’, é muito mais para abrir caminho para ver o que pode ser feito para poder intensificar a relação comercial, de investimentos, a cooperação em ciência e tecnologia nesses países”, disse. No fim, de acordo com ele, são alternativas que o Brasil precisa buscar e que outros países do grupo estão buscando também.
Terras raras – Nos debates que se intensificaram desde o tarifaço de Trump, as terras raras emergiram como um tema inusitado. O material é usado na indústria de alta tecnologia e está ligado, principalmente, à confecção de baterias. A China conta com a maior área de reservas conhecidas hoje e é a maior produtora de terras raras do globo e, em segundo lugar, quase empatado com o Vietnã, está o Brasil.
“O primeiro ponto é que, no Brasil, a exploração de terras raras é algo muito novo. A gente não tem ainda essa indústria bem desenvolvida. Pelo contrário, falta ainda muito estudo em relação a isso, como o de viabilidade. Até porque explorar terras raras é algo muito caro, que tem inclusive impactos ambientais que não são negligenciáveis de forma geral”, destacou o professor. “O Brasil tem reservas e acaba sendo um País de interesse para esse tipo de parceria. Não só da China, como dos Estados Unidos.”
Coringa – As duas potências, na avaliação de Cariello, devem travar uma disputa intensa nos próximos anos por causa desses minerais. Como no Brasil, o tema ainda é pouco desenvolvido, pode ser que se descubram características diferentes das terras raras aqui que sejam complementares às da China. Além disso, conforme o professor, o país asiático pode ter interesse em investir nessa área no Brasil visando a assegurar o fornecimento do produto a longo prazo. “São materiais estratégicos para o futuro. Quem tiver o domínio sobre isso vai ter uma carta como se fosse um coringa na mão.”
O trabalho do CEBC revelou que empresas chinesas investiram ou anunciaram novos projetos no Brasil na área de mineração em 2024, com interesse renovado em minerais estratégicos, elementos fundamentais para a indústria de transição energética e tecnologias de ponta. A relação, conforme o estudo, abre espaço para maior integração entre os países em diferentes etapas da cadeia de valor voltada à descarbonização.
Contato: celia.froufe@estadao.com
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