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Advogados criticam declaração do BB sobre vetar crédito a produtores em recuperação judicial

28 de outubro de 2025

Por Gabriel Azevedo

São Paulo, 28/10/2025 – A declaração do Banco do Brasil de que não concederá mais crédito a produtores rurais que pedirem recuperação judicial gerou reações no mercado. Advogados consultados pelo Broadcast Agro avaliam que a medida, embora legalmente possível, contraria o objetivo da legislação de preservar empresas viáveis e pode inviabilizar a recuperação de produtores dependentes de financiamento.

A postura marca o endurecimento do banco após a crise de inadimplência que derrubou os lucros no segundo trimestre. Em agosto, a então presidente do BB, Tarciana Medeiros, chegou a anunciar que avaliava processar escritórios de advocacia que orientassem produtores a pedir recuperação judicial em vez de renegociar dívidas. O banco recuou em setembro, após a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acionar a Justiça.

Em entrevista à Bloomberg News, o vice-presidente de gestão de riscos do BB, Felipe Prince, afirmou que produtores que pedirem proteção judicial “não terão crédito hoje, amanhã ou nunca mais”. Segundo ele, os pedidos de recuperação são “uma armadilha para os agricultores” porque perdem acesso ao crédito e não conseguem fazer a próxima safra. O banco tem R$ 5,4 bilhões em empréstimos não pagos devido a pedidos de recuperação de 808 agricultores, de um total de 1 milhão de clientes rurais.

O especialista em Direito Empresarial e sócio da Oliveira e Olivi Advogados Associados Eliézer Francisco Buzatto avalia que a postura tem efeitos econômicos e sociais relevantes no setor, que depende de financiamento para custeio e investimento. Ele lembra que a lei de recuperação judicial, atualizada em 2020, permite expressamente que o produtor rural requeira recuperação judicial, entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Buzatto, que também é membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibradem), afirma que eventual banimento das linhas de crédito para produtores rurais em recuperação é juridicamente possível, mas desafia o objetivo da legislação de preservar a empresa e sua função social. Segundo o advogado, na prática a medida pode inviabilizar o próprio objetivo da recuperação. “O efeito concreto de eventual banimento seria devastador: sem crédito de custeio, o produtor rural em recuperação não conseguirá financiar a próxima safra, comprometendo empregos, contratos e a continuidade de toda a cadeia produtiva”, disse.

Ele ressalva que é legítimo que o banco administre riscos, mas defende que o setor financeiro e o governo encontrem equilíbrio entre prudência e apoio à continuidade da atividade rural, sob pena de transformar um instrumento de recuperação em sentença de inviabilidade econômica.

O advogado especializado em recuperação judicial e sócio da Moraes Pitombo Advogados Claudio Henrique Daólio avalia que a declaração do BB sinaliza novo comportamento do banco e que a mudança “é para pior”. Segundo ele, pressionado pelos maus resultados, o banco parece creditar a maior parte dos problemas ao instituto da recuperação judicial, ignorando o principal objetivo da lei, que é preservar a empresa e a atividade econômica.

Daólio explica que pedir recuperação judicial não é ilegal e serve justamente para dar fôlego a quem enfrenta dificuldades financeiras, mas ainda tem condições de continuar produzindo. Para ele, negar crédito de forma automática a todos os produtores nessa situação pode piorar o problema em vez de resolvê-lo. O advogado avalia que o banco deveria aperfeiçoar seus critérios de análise, e não cortar o crédito de forma generalizada. “Seria mais apropriado investir na melhoria dos processos de análise de crédito, com especial enfoque para garantias sólidas e líquidas”, afirmou. Segundo Daólio, ao adotar uma postura única para casos diferentes, o banco “mascara a conhecida ineficiência dos processos de análise de crédito e cobrança implementados pela instituição financeira, representado solução simplória, que trará novos obstáculos para aqueles que se dedicam à atividade produtiva nesse importante segmento da economia nacional”.

O sócio do Diamantino Advogados Associados Eduardo Diamantino questiona o tratamento diferenciado dado ao agronegócio. “Qualquer empresa ou produtor em RJ tem o direito de se financiar, inclusive com regras bem rígidas, e isso acontece em diferentes setores. Por que haveria de ser diferente com o agro?”, afirmou.

Segundo Diamantino, o crédito rural existe por lei para fomentar o desenvolvimento agrícola do País e não é um mero produto financeiro do Banco do Brasil. Ele destaca que o sistema conta com recursos oficiais, fundos constitucionais e poupança rural. Para o advogado, causa surpresa que o BB tenha anunciado que pretende adotar essa política de forma declarada, quando antes a negativa de crédito era feita de forma velada, sob diversas justificativas.

O Banco do Brasil informou que a taxa de inadimplência da carteira de agronegócios aumentou 2,2 pontos porcentuais em um ano, chegando a 3,5% até junho. A instituição afirmou que 75% dos agricultores inadimplentes estão nessa situação pela primeira vez. Prince disse que o BB está adotando novas práticas, como substituir contratos de hipoteca por alienação fiduciária, reduzir de 30 para cinco dias o prazo para contatar produtores inadimplentes e de 90 a 180 dias para 30 dias o período antes de entrar na Justiça cobrando pagamento.

Contato: gabriel.azevedo@estadao.com

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