5 de setembro de 2025
Atenção aos sintomas e diferentes opções terapêuticas para os diferentes perfis de pacientes podem fazer com que pessoas com a doença vivam mais e melhor.
O mieloma múltiplo é um tipo raro de câncer que ataca as células plasmáticas, componentes importantes do sistema imunológico, responsáveis por produzir anticorpos. Na doença, essas células passam a se multiplicar de maneira descontrolada na medula óssea, acumulando-se e prejudicando a produção normal das demais células sanguíneas. Essa alteração provoca efeitos no corpo, como dores ósseas, dor nas costas, anemia, infecções frequentes e problemas nos rins.
Nos últimos anos, a expectativa de vida dos pacientes com mieloma múltiplo tem crescido, resultado do progresso científico e da ampliação do arsenal terapêutico disponível. Embora o mieloma múltiplo seja uma doença desafiadora, os tratamentos atuais possibilitam mais tempo e melhor qualidade de vida para as pessoas que convivem com essa condição.
Segundo o relatório da American Society of Hematology (ASH) de 2021, a média de sobrevivência global para pacientes diagnosticados com mieloma múltiplo subiu de aproximadamente três anos na década de 2000 para quase seis anos atualmente, refletindo os avanços no tratamento. Além disso, estudos indicam que o uso de novos mecanismos de ação tem contribuído para um aumento na taxa de sobrevida de cinco anos, que atualmente é de cerca de 50% nos países desenvolvidos. Apesar de ainda ser considerada uma doença desafiadora, esses progressos têm permitido aos pacientes viverem mais tempo com melhor qualidade de vida.[i]
Por conta da diversidade e da sutileza dos sintomas iniciais, o diagnóstico precoce no Brasil ainda enfrenta dificuldades, exigindo atenção e conscientização.
Esse tipo de câncer no sangue acomete principalmente pessoas com mais de 65 anos, sendo mais frequente entre os homens. Apesar de fatores genéticos e ambientais poderem aumentar o risco, a maior parte dos pacientes não apresenta histórico familiar da doença. Por isso, o papel dos hematologistas é fundamental para não apenas confirmar o diagnóstico, mas também indicar o caminho terapêutico mais adequado, adaptado às características e condições de cada paciente.
O processo diagnóstico inclui uma série de exames, como hemograma completo, dosagens de cálcio, proteínas específicas no sangue e urina, avaliação da medula óssea, além da avaliação de exames de imagem. Essa investigação detalhada permite identificar a extensão da doença e definir o plano de tratamento com maior precisão.
Diferentes terapias ampliam a resposta ao mieloma
Quando comparado com anos anteriores, o panorama do mieloma múltiplo na atualidade é promissor. Além da quimioterapia, do uso de corticoides e do transplante autólogo de medula óssea, a imunoterapia ganhou destaque com o surgimento de medicamentos que estimulam o próprio sistema imunológico a lutar contra a doença.
“Nas últimas décadas, o avanço científico trouxe alternativas que mudaram o cenário do mieloma múltiplo, por exemplo. Com a ampliação do arsenal terapêutico disponível, ampliamos também o tempo de vida e a qualidade dos cuidados”, afirma a hematologista Vânia Hungria, cofundadora da International Myeloma Foundation Latin America. Ela ressalta que, mesmo com os progressos, muitos pacientes ainda apresentam recaídas ou resistência a múltiplas linhas de tratamento, o que mantém a busca por novas soluções.
Entre as imunoterapias aplicadas, os anticorpos monoclonais têm se mostrado eficazes ao se ligarem especificamente às células do mieloma, marcando-as para que o sistema de defesa as reconheça e destrua. Essa abordagem, chamada de “terapia direcionada”, reduz os efeitos colaterais em comparação às terapias convencionais.
Mais recentes ainda são os anticorpos biespecíficos, capazes de se conectar simultaneamente às células T do sistema imunológico e às células tumorais, aproximando-as para facilitar a ação do organismo contra a doença. Essas tecnologias complementam o arsenal de tratamentos para diferentes fases da doença, sendo adaptadas conforme a resposta do paciente.
Outra imunoterapia que vem ganhando espaço é a terapia CAR-T, tratamento aprovado no Brasil para cânceres hematológicos como linfomas, leucemias e também mieloma múltiplo.
“Diferentemente de outras terapias, a terapia CAR-T consiste em uma única infusão”, explica a oncologista e hematologista Adriana Rossi, professora assistente de Medicina e codiretora do programa de CAR-T e Transplante de Células-Tronco do Centro de Excelência para Mieloma Múltiplo, no Mount Sinai, em Nova York. “A partir daí, o paciente continua recebendo suporte para evitar infecções e realizando monitoramento. Mas o tratamento com o CAR-T, em si, está finalizado.” A técnica consiste em modificar geneticamente as células T do próprio paciente para que reconheçam e destruam as células do mieloma.
Tratamentos constantes e a importância da relação com o médico hematologista
Apesar dos avanços, é comum que os pacientes enfrentem recaídas ou se tornem refratários às terapias inicialmente eficazes. “A maioria dos pacientes de mieloma múltiplo inevitavelmente enfrenta tratamentos constantes, recaídas ou resistência ao longo da jornada. Esses episódios não apenas dificultam o controle clínico da doença, como também impactam negativamente o prognóstico e a qualidade de vida”, comenta Christine Battistini, cofundadora da International Myeloma Foundation Latin America.
O acompanhamento constante com o hematologista, a realização de exames periódicos e a comunicação aberta sobre os sinais e sintomas são fundamentais para que os tratamentos sejam ajustados em tempo hábil, garantindo maiores chances de controle da doença e melhor qualidade de vida.
O avanço da medicina em torno do mieloma múltiplo mostra que o tempo de sobrevida deixou de ser medida apenas em meses. Hoje, já se fala em anos e até em décadas de vida após o diagnóstico, um horizonte que parecia distante até tempo atrás. Ainda há obstáculos no caminho, mas é possível dizer que a transformação já está em curso – e que cada vez mais pacientes podem olhar para o futuro com esperança.
[i] Palumbo, A., & Anderson, K. C. (2020). Multiple Myeloma. The New England Journal of Medicine, 382(10), 1019-1030
Rajkumar, S. V., et al. (2022). Advances in the management of multiple myeloma. Leukemia & Lymphoma.
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