Selecione abaixo qual plataforma deseja acessar.

Especial: bancos devem acirrar corrida pelo consignado privado em 2026, após tropeço na largada

23 de dezembro de 2025

Por André Marinho

Nos primeiros meses do programa do governo para o consignado privado, aprovado no mês de julho, os bancos públicos aceleraram as concessões já na largada, mas uma série de gargalos operacionais impôs uma postura mais cautelosa entre os bancos privados. Houve inconsistências nas bases de informações das empresas, falhas na integração dos sistemas, problemas no desconto em folha, entre outros entraves.

Superados os pontos mais críticos, as instituições financeiras dão indícios de que pretendem colocar o pé no acelerador, em 2026, para destravar a linha. Em outubro, as concessões no consignado para trabalhadores do setor privado cresceram 4,3% ante setembro, para R$ 6,6 bilhões, de acordo com dados do Banco Central. Um ano antes, o volume era de R$ 1,7 bilhão. Para efeito de comparação, o consignado público somava R$ 8,6 bilhões em outubro.

Reduzir custos segue como uma das maiores dificuldades num cenário de disputa acirrada pelo mercado. Os juros médios praticados para a modalidade chegaram a 59% ao ano em outubro, de 38,7% em igual mês de 2024. Para agentes do setor, os desafios operacionais seguram as taxas em níveis elevados.

“Os próximos 12 meses serão importantes para termos ideia da materialidade dessa linha”, afirma o diretor da S&P Global Ratings Guilherme Machado, responsável pela análise dos bancos em escala nacional. “Esse é um crédito que pode substituir, em certa medida, linhas de crédito pessoal por meio de taxas menores”, acrescenta.

BB quer 20% do mercado

O Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal foram os primeiros a liderar o movimento. No BB, a carteira do consignado privado registrou expansão superior a 500% no comparativo anual do terceiro trimestre, a R$ 8,8 bilhões. A meta do banco público é alcançar 20% de participação de mercado. “Já desembolsamos quase R$ 11 bilhões em mais de um milhão de operações, mantendo excelente nível de escrituração”, afirmou a presidente do BB, Tarciana Medeiros.

Os pares privados, por outro lado, adotaram uma perspectiva mais conservadora na abertura do programa. Um dos principais desafios foi o funcionamento do processo de averbação, ou seja, o registro oficial em que a empresa autoriza o desconto direto na folha. No Bradesco, a inadimplência por falta de averbação chegou a superar 12%, segundo o presidente do banco, Marcelo Noronha. “Adotamos uma política de crédito mais restritiva no início, exatamente para não correr certos riscos”, disse Noronha, durante teleconferência com analistas.

Com ajustes operacionais, o Bradesco migrou para uma política mais aberta de adesão e já começou a acelerar as concessões. O Santander, por sua vez, não pretende conceder empréstimos de maneira indiscriminada, mas vê oportunidades de crescimento. “Vamos ser seletivos como sempre fomos, mas o mercado está maior agora, então seremos seletivos em um mercado maior”, explicou o presidente do banco, Mario Leão.

Linha colateralizada

A modalidade é vista como uma oportunidade para preservação da qualidade da carteira de crédito, porque prevê o uso do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como garantia. A inadimplência do produto estava em 5% em outubro, abaixo da taxa observada em alternativas não consignadas (8,3%), conforme o BC.

O instrumento também pode ocupar o vácuo deixado pelo colapso nas operações atreladas à antecipação do saque-aniversário, após a adoção de restrições. Entre os ajustes, as normas determinam uma carência de 90 dias entre a adesão ao modelo e a contratação de um empréstimo, além de valores mínimos e máximos nas parcelas. Com as mudanças, as concessões pela linha caíram 80%, de R$ 3 bilhões para R$ 600 milhões, segundo estimativa da Associação Brasileira de Bancos (ABBC).

A substituição, porém, não é automática. Dos 134 milhões de trabalhadores com saldo no FGTS, mais de 85 milhões não têm vínculo de emprego formal, o que bloqueia o acesso ao consignado, conforme a ABBC. Ao mesmo tempo, entre as 26 milhões de pessoas que contrataram operações atreladas à antecipação, 9 milhões estão desempregadas.

“O consignado privado não é o substituto perfeito, porque o FGTS tinha um risco muito atrelado ao fundo de aposentadoria”, diz Machado, da S&P. “Mas independentemente de quanto você tem de FGTS, você consegue usar o consignado privado. No caso da antecipação, dependia muito de quanto era o seu saldo”, destaca.

Cenário positivo

Para instituições ainda em estágios de diversificação, essa característica abre o caminho para atrair consumidores do vasto, mas disputado segmento de média e baixa renda. O PagBank, por exemplo, desenvolveu uma solução no consignado privado como aposta para substituir para compensar as mudanças do FGTS e ampliar uma carteira de crédito que atingiu R$ 4,2 bilhões no terceiro trimestre. No Inter, o produto resultou em R$ 1,3 bilhões em originações em seis meses, com quase 300 mil novos clientes.

Na visão da equipe de analistas do Itaú BBA, liderada por Pedro Leduc, a popularidade crescente do consignado privado é um dos fatores que contribuirão para uma dinâmica de crédito positiva em 2026. Segundo eles, o consignado de aposentados e pensionistas vem se recuperando, após o cerco do INSS a práticas abusivas. “No geral, o volume de crédito às famílias deverá crescer a taxas sólidas de um dígito alto no próximo ano”, projeta.

Veja também