17 de dezembro de 2025
Por Alvaro Gribel, do Estadão
Brasília, 17/12/2025 – A crise financeira dos Correios está atingindo o plano de saúde da empresa, o Postal Saúde, com relatos de cancelamentos de consultas, descredenciamento de hospitais e de clínicas e dificuldades de autorizações para tratamentos e exames. A dívida da estatal com o plano, de acordo com o seu balanço mais recente, atingiu em setembro R$ 740 milhões, mais do que o dobro da dívida de R$ 348 milhões de dezembro de 2024.
Procurada, a empresa diz que atua para garantir atendimento.
Segundo dados da Agência Nacional de Saúde (ANS), o Índice Geral de Reclamações (IGR) do plano, que mantém 193 mil beneficiários, dobrou desde fevereiro deste ano, quando as finanças da estatal foram se deteriorando.
A Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap), entidade que representa 20 mil funcionários da ativa e aposentados, afirma que há um problema generalizado no atendimento, resultado da falta de pagamento da estatal ao plano.
“A dívida é maior do que R$ 700 milhões dos Correios com o Postal Saúde. É um problema generalizado”, afirmou o presidente da Adcap, Roberval Borges. “Poucos estão fazendo atendimento, é uma crise extremamente grave. Há relatos dramáticos, até de tratamento oncológico suspenso”, completou.
Procurados, os Correios disseram por meio de nota que, “na qualidade de mantenedores da Postal Saúde, têm atuado com a operadora para garantir a continuidade do atendimento aos beneficiários”. Já a Postal Saúde não quis se manifestar.
A ANS afirmou que o plano está em situação “regular de monitoramento tanto do ponto de vista assistencial como econômico-financeiro”.
“Contudo, do ponto de vista fiscalizatório, a operadora tem sido acompanhada desde junho de 2024 por uma Ação Planejada de Fiscalização – medida responsiva direcionada a operadoras que apresentam desempenho insatisfatório ou elevadas taxas de reclamações”, disse a agência.
A expectativa é de que o empréstimo de R$ 12 bilhões em análise pelo Tesouro seja utilizado para regularizar a dívida e normalizar a operação.
Pelos dados da ANS, o Índice Geral de Reclamações (IGR) que marcava 49,2 pontos em fevereiro saltou para 111,45 pontos em julho, com leve recuo para 98,6 pontos em novembro, o dado mais recente disponível. Esse índice capta a média de reclamações com o plano na ANS, em relação à média de clientes, em um determinando período.
Para efeito de comparação, em novembro, o IGR marcava 48 pontos para todos os planos de saúde do setor, e 51,1 pontos para planos de saúde de grande porte, como é o caso dos Correios. O Postal Saúde estava em quinto lugar entre os planos com mais reclamação entre empresas de grande porte.
A ANS disse que houve um período de melhora, mas que os resultados não foram mantidos pelo plano.
“Caso a operadora não atenda às exigências da ANS, ela poderá entrar em regimes de direção fiscal e técnica, medidas de acompanhamento da agência que são utilizadas para regularização dos atendimentos e da saúde financeira dos entes regulados”, disse a agência.
O total de reclamações passou de 1,4 mil, em 2023, para 1.648 em 2024, saltando para 1.887 de janeiro a novembro de 2025. Um crescimento de 14,5%, sem contar o mês de dezembro.
Chama atenção o crescimento das reclamações por reembolso, que saíram de 112 em 2024 para 390 em 2025. O período coincide com a piora financeira da empresa e indica que o plano estava sem caixa para ressarcir beneficiários.
Reclamação nas redes
No site Reclame Aqui, pacientes falam em dificuldade para conseguir dar prosseguimento em tratamento de câncer, falta de resposta do plano, descredenciamento por parte de hospitais e cancelamentos de consultas.
Nos últimos seis meses, foram 234 reclamações cadastradas no site, com tempo médio de resposta pela empresa de 18 dias. A empresa teria resolvido 69,6% dos casos relatados. A reputação da empresa tinha nota 6.3 no ranking, que vai de 1 a 10.
Uma cliente do plano identificada como Carolina, de Pelotas, no Rio Grande do Sul, diz que o pai foi diagnosticado com câncer em setembro deste ano, mas os exames não haviam sido autorizados pelo plano em dezembro.
Em resposta, o Postal Saúde identifica o caso e afirma que a autorização foi feita em novembro, após envio de documentação pendente. A consideração da cliente foi de que o problema “não foi resolvido”. “Mudem de plano o quanto antes”, afirmou.
Nesta terça-feira, 16, um profissional de saúde escreveu que aguarda há cinco meses pelo pagamento de serviços prestados ao plano.
“Um completo desrespeito com o profissional, estou há mais de 5 meses praticamente implorando para o pagamento ser efetuado, já enviei e-mail, já entrei contato por WhatsApp, por telefone. A Postal Saúde apenas me retorna com o mesmo e-mail copiado e colado dizendo que não tem data para pagamento”, afirmou.
Outra paciente disse que foi obrigada a pagar pela consulta de um psiquiatra, em Osasco, na Grande São Paulo, por falta de pagamento do plano à clínica. Ela diz que, ainda assim, tem sido descontada pela Postal Saúde.
“Estou na clínica Salutares em Osasco para consulta agendada com a psiquiatra e tive que pagar R$ 150 porque a Postal Saúde não pagou o credenciado. Vim de Francisco Morato. Ela me atendia no Dr Atendente na Lapa, mas parou de atender por falta de pagamento também. Descontar um absurdo do beneficiário desconta. Atendimento não tem”, diz.
Procurada, a clínica Salutares não respondeu.
Empréstimo de R$ 12 bilhões
Pessoas a par do assunto na estatal afirmam que a empresa vai utilizar o empréstimo de R$ 12 bilhões firmado com cinco bancos para quitar a dívida e regularizar o atendimento. Na terça-feira, a empresa informou aos seus funcionários que a proposta será encaminhada ao Tesouro Nacional e que há expectativa de aprovação do órgão, que será avalista do empréstimo.
“Os Correios estão avaliando uma nova proposta para operação de crédito, a ser encaminhada para o Tesouro Nacional para análise. Uma terceira rodada de negociações foi necessária porque as condições inicialmente ofertadas pelo mercado, especialmente a taxa de juros, ficaram acima das condições aceitas pelo Tesouro para operações com aval da União”, disse a estatal.
Em meio à crise, a empresa também negocia com empregados, em audiência intermediadas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), um acordo coletivo de trabalho (ACT), para tentar evitar que os seus funcionários entrem em greve. Uma nova audiência foi marcada para a próxima terça-feira, 23. A proposta dos Correios não prevê reajuste salarial este ano.
De janeiro a setembro deste ano, os Correios acumularam um prejuízo de R$ 6,05 bilhões. O empréstimo de R$ 12 bilhões terá participação do Banco do Brasil, da Caixa e do Bradesco, com R$ 3 bilhões cada, e do Itaú e do Santander, com R$ 1,5 bi cada.
Segundo pessoas a par do assunto ouvidas pelo Estadão, os juros ficarão abaixo de 120% do Certificado de Depósito Interbancário (CDI), o que indica que agora haverá autorização do Tesouro. A expectativa é de que o aval seja dado ainda esta semana.
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