6 de novembro de 2025
Por Vinícius Valfré, do Estadão
Brasília, 06/11/2025 – A reforma da Praça dos Três Poderes, em Brasília, a um custo total de R$ 34,7 milhões, será feita pela ONG Instituto Pedra, escolhida sem licitação, por meio de um acordo de cooperação técnica firmado diretamente com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em agosto. O valor será bancado pela Petrobras e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio da Lei Rouanet.
A ONG é presidida por Luiz Fernando de Almeida, presidente do Iphan entre 2006 e 2012, do segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até o início do governo Dilma Rousseff (PT). Entre 2008 e 2011, foi membro do Comitê de Patrimônio Mundial da Unesco. Ele é considerado uma referência em preservação de patrimônios históricos.
Três meses antes de assinar o acordo, Almeida recebeu a Ordem do Mérito Cultural, maior honraria do setor cultural brasileiro, em solenidade que contou com a participação do presidente Lula, da ministra da Cultura, Margareth Menezes, e do presidente da Iphan, Leandro Grass.
Jurema Machado, outra associada do Instituto Pedra, também foi homenageada com a comenda. Ela sucedeu Luiz Almeida no Iphan e presidiu o órgão até 2016.
O Estadão pede desde domingo, 2, uma série de esclarecimentos ao ministério e ao Iphan sobre a reforma. Um deles é sobre o porquê de a escolha da entidade ter se dado por acordo de cooperação e não por licitação. O governo não respondeu. Disse somente que “diversas obras” de restauro e manutenção estão sendo feitas dessa forma. A ONG Instituto Pedra disse ter experiência em acordos de cooperação técnica para recuperação de patrimônios históricos com Estados e prefeituras.
Além disso, o governo federal mantém sob sigilo o processo administrativo que tratou do acordo de cooperação técnica. A reportagem pediu acesso à documentação por meio da assessoria de imprensa do ministério e do Iphan, mas o requerimento foi ignorado.
O ministério e o Iphan disseram que “todo o processo de restauração e revitalização da Praça dos Três Poderes é público e transparente, e pode ser acompanhado pelo Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic)”. Entretanto, o sistema não permite consulta a documentos anexados.
O Instituto Pedra foi escolhido depois de ser a única entidade a manifestar o interesse em reformar a praça, por iniciativa própria, apresentando um projeto cultural da Rouanet. O governo diz que recebeu, analisou e acolheu a proposta.
A verba da Petrobras e do BNDES para a reforma será repassada por meio da Lei Rouanet. Até o momento, já foram disponibilizados R$ 6,9 milhões. Nessa modalidade de financiamento, o gasto público existe, mas é indireto. Em vez de sair diretamente do orçamento público, os valores são descontados pelas empresas dos valores que pagariam de imposto.
Em abril, o presidente do Iphan, Leandro Grass, anunciou que as obras para reforma da praça custariam R$ 22 milhões. No último sábado, 1.º, o governo divulgou comunicado com valor 57% maior. “Com investimento total de R$ 34,6 milhões, as obras terão sua primeira etapa concluída em 2026”, dizia o texto.
Questionado sobre o incremento no custo, o ministério e o instituto disseram que houve “ajustes posteriormente feitos” ao anúncio de abril.
Foram incluídos gastos com “administração da obra” e um “projeto cultural que abrange um extenso programa de educação patrimonial, uma exposição móvel que ficará na Praça dos Três Poderes e outras atividades”.
A obra sairá por R$ 23,6 milhões. O projeto cultural por R$ 5 milhões. A diferença corresponderá à “administração da obra”.
Formalmente, caberá ao Instituto Pedra a gestão dos recursos captados. A entidade procederá à contratação de empresas para a obra propriamente dita.
Em 22 de setembro, a ONG abriu uma chamada para contratar serviços de engenharia para intervenções no piso em mosaico português e nos sistemas de drenagem e de iluminação. Os procedimentos administrativos são feitos pelos canais diretos do Instituto Pedra, sem participação direta do poder público.
Conforme o termo de referência, o contrato deveria ser assinado em 30 de outubro. Contudo, a ONG informou que essa etapa ainda não foi finalizada. Quando for, as informações serão publicadas no site do Instituto Pedra.
Governo assumiu reforma após reclamação de Janja
A reforma da Praça dos Três Poderes passou a ser tratada como prioridade pela gestão petista depois que a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, fez críticas públicas ao estado de conservação do espaço. A praça é repleta de simbolismos democráticos e arquitetônicos e, de fato, sofre há anos com deterioração.
A partir da queixa da mulher de Lula, o governo federal assumiu o plano de reforma que, até então, era tocado pelo Governo do Distrito Federal. A reforma foi incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que selecionou 105 projetos relativos a patrimônio histórico.
Idealizada por Lúcio Costa e projetada por Oscar Niemeyer no projeto original de Brasília, a Praça dos Três Poderes fica no centro dos palácios sede dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Está localizada na cabine do avião imaginário que forma o traçado urbano da capital federal.
Antes da obra, o governo já gastou R$ 744.685,11 com um escritório de arquitetura de Santa Catarina que elaborou o projeto executivo. A contratação do Land 5 Arquitetura e Urbanismo se deu por licitação.
Recentemente, a Praça dos Três Poderes foi palco dos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 e de uma tentativa de explosão de bomba contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Nela está, entre outros monumentos, a Chama Eterna da Democracia, monumento que simboliza a liberdade e a democracia no Brasil.
Cultura e Iphan dizem que instituto se apresentou para executar obra
O Ministério da Cultura e o Iphan enviaram a mesma nota, em resposta a questionamentos apresentados pela reportagem do Estadão. As principais perguntas, como o motivo da não opção por um processo licitatório, não foram respondidas.
Os órgãos afirmaram que o Instituto Pedra “apresentou-se para captar os recursos necessários e executar as obras na Praça dos Três Poderes”. A ONG foi a única que se apresentou, segundo o governo. A proposta dela “foi examinada e aprovada, e assim a entidade foi autorizada a captar os recursos financeiros e executar o projeto”.
A nota diz somente que: “diversas obras de restauração e manutenção do patrimônio cultural brasileiro foram ou estão sendo financiadas com recursos de empresas públicas e privadas que recebem os benefícios fiscais e de imagem proporcionados pela Lei Rouanet”.
Como exemplo, os órgãos citaram as obras de recuperação do Museu Nacional, no Rio de Janeiro (RJ), da Basílica de Nazaré e do Conjunto Mercedários, em Belém (PA), e do Complexo Trapiche Santo Ângelo, em São Luís (MA).
O governo não esclareceu as vantagens que considerou para usar essa modalidade de execução de obra. Só ressaltou que “a Lei Rouanet não prevê licitação para as entidades interessadas em captar recursos”.
A ONG Instituto Pedra informou que tem experiência em acordos de cooperação técnica para recuperação de patrimônios históricos com Estados e prefeituras. E que se apresentou para reformar a Praça dos Três Poderes porque ela é um ícone nacional e porque a obra será uma oportunidade de afirmação da missão do instituto.
A entidade ressaltou que realiza projetos relevantes no campo do patrimônio cultural desde 2013, com presença atual em sete Estados.
“O Instituto Pedra já é reconhecido como uma instituição relevante no campo do patrimônio, haja vista também o fato de já ter tido projetos com patrocínio de 21 empresas e ter sido contratado por 14 empresas privadas para a prestação de serviços qualificados”, afirmou.
“Luiz Fernando de Almeida é associado fundador e atual Diretor Presidente do Instituto Pedra, e entendemos que recebeu a honraria de Ordem do Mérito Cultural por essa série de realizações vinculadas ao Instituto Pedra e por sua trajetória profissional”, completou.
Questionado sobre a opção do governo de não executar a obra diretamente por meio de um contrato com empresa de engenharia, a ONG pontuou que tratou-se de uma decisão do poder público, e não dela.
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