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Entrevista/Capital Economics/Jackson: Popularidade de Lula reduz risco de afrouxar fiscal em 2026

16 de outubro de 2025

Por Caroline Aragaki

São Paulo, 16/10/2025 – A recente guinada na popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva reduz o risco de uma política fiscal mais frouxa em 2026, embora haja dúvida se o governo continuará demonstrando compromisso fiscal, avalia o economista-chefe para Mercados Emergentes da Capital Economics, William Jackson, em entrevista à Broadcast. Ele acrescenta que um eventual retorno da direita ao poder no País também não garante que a política fiscal deixará de ser um problema a partir de 2027.

A Capital Economics está entre as poucas casas que ainda projetam o início do ciclo de flexibilização monetária pelo Banco Central (BC) em dezembro de 2025, com corte inicial de 0,50 ponto porcentual na taxa Selic. Ele mantém esse cenário base, porque, historicamente, o BC leva apenas uma ou duas reuniões para sair de uma postura mais rígida e começar a afrouxar a política monetária. Mas não descarta que a primeira redução ocorra em janeiro.

Sobre o câmbio, Jackson projeta que o dólar deve fechar 2025 em R$ 5,50, com menor suporte de carry trade, leve depreciação de moedas emergentes e cotações de petróleo e minério de ferro mais baixas.

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Foto: Divulgação/Capital Economics

Confira os principais trechos da entrevista:

Broadcast: Quando o BC deve afrouxar a Selic?

William Jackson: Nossa projeção é de cortes na Selic em dezembro, mas há possibilidade de ocorrer só em janeiro. Os diretores do Banco Central adotaram um tom cauteloso recentemente ao destacar o mercado de trabalho, que ainda está forte.

Broadcast: Qual sua avaliação sobre o mercado de trabalho?

Jackson: Está incrivelmente forte, com taxa de desemprego caindo e crescimento salarial ainda elevado. Mas o mercado de trabalho costuma ter uma defasagem de seis meses em relação ao ciclo econômico, e há sinais de que já não está tão aquecido quanto antes. O crescimento salarial desacelerou, mesmo sem queda na taxa de desemprego, e o emprego informal, que reage mais rápido ao ciclo, começou a diminuir. Até o fim de 2025 ou começo de 2026 veremos um mercado de trabalho mais fraco.

Broadcast: Por que manter o cenário de corte em dezembro?

Jackson: Historicamente, os ciclos de flexibilização ocorrem rapidamente. Bastam uma ou duas reuniões para o BC sair de posição rígida e iniciar os cortes. A comunicação atual também não difere muito daquela que precedeu o início do último ciclo de flexibilização. Tenho certeza de que os diretores pensam em cortar os juros em breve, mas sabem que o mercado observa atentamente cada detalhe e que, com um “sinal verde”, os preços dos ativos mudariam rapidamente. O BC prefere adotar uma comunicação que impeça o mercado de se mover muito rapidamente e muito cedo.

Broadcast: Qual a expectativa para a Selic em dezembro de 2025, e de 2026? E a Selic terminal?

Jackson: Esperamos corte de 0,50 ponto em dezembro, com a Selic encerrando 2025 em 14,50%. Em dezembro de 2026, deve estar em 11,25%. Já a taxa terminal deve ficar em 10%, em meados de 2027.

Broadcast: Quais são as condições para que a projeção de 2026 seja cumprida?

Jackson: O crescimento da economia deve desacelerar, e já projetamos Produto Interno Bruto (PIB) subindo entre 1,5% e 1,8% em 2026. Com isso, o mercado de trabalho enfraquece e a inflação cede. O grande risco é a política fiscal. Hoje o governo não faz o suficiente para estabilizar a dívida, mas vem ganhando confiança ao melhorar o equilíbrio orçamentário. Se continuar nesse rumo, o BC poderá cortar juros nesse ritmo.

Broadcast: 2026 é ano eleitoral. Há alguma pista sobre qual será o comportamento do governo em torno do fiscal?

Jackson: Muitas vezes há disputa interna no governo. De um lado, Lula normalmente quer afrouxar o fiscal para manter a economia aquecida; do outro, Haddad tenta convencer o mercado. Até agora, o governo indica que seguirá apertando o fiscal. A alta na popularidade de Lula recentemente reduz a necessidade de uma política fiscal mais frouxa para sustentar apoio eleitoral. Mas também é possível que se a economia enfraquecer e o desemprego aumentar, Lula possa mudar seu pensamento. Não estou dando uma resposta clara, pois há muitos cenários possíveis.

Broadcast: Operadores do mercado financeiro costumam associar governos de direita a maior rigor fiscal. O sr. concorda?

Jackson: Em geral, o mercado acolhe a mudança para um governo de direita por esperar maior disciplina fiscal e reformas pró-crescimento. Na prática, é mais complexo. Sob Lula, houve oscilações: em 2023, o novo arcabouço fiscal foi bem recebido; em 2024, perdeu força. No governo Bolsonaro, houve otimismo em 2019, com a reforma da Previdência e por ter mantido o teto de gastos, mas em 2021 e 2022 surgiram emendas para contornar a regra e os riscos fiscais aumentaram. Não é uma garantia de que se o Brasil tiver um governo de direita, a política fiscal deixará de ser um problema.

Broadcast: O real já subiu mais de 10% contra o dólar em 2025. A valorização deve se manter?

Jackson: Não, projetamos leve desvalorização, com dólar a R$ 5,50 no fim de 2025 e R$ 5,75 no fim de 2026. Se nossa projeção de Selic se confirmar, o real seguirá atraente para carry trade, mas com menor suporte. Esperamos valorização do dólar globalmente, com moedas emergentes depreciando. Também vemos queda no preço de algumas commodities, como petróleo, diante de maior oferta no Oriente Médio, e minério de ferro, devido à fraqueza do setor imobiliário na China.

Broadcast: A nova ameaça de Trump de elevar tarifas para a China tende a afetar o Brasil?

Jackson: Se os EUA impuserem tarifas tão altas, a economia chinesa enfraquece e os preços das commodities caem, o que afeta o Brasil. A China é o maior parceiro comercial brasileiro, e o País já importa muito de lá. A maior taxação dos EUA pode intensificar ainda mais esse fluxo. Talvez as empresas chinesas reduzam os preços dos produtos e exportem mais para o resto do mundo, o que seria negativo para a indústria brasileira, por aumentar a competição.

Broadcast: O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, deve se reunir com o secretário de Estado americano, Marco Rubio, nesta semana. Qual é a sua expectativa para essa reunião?

Jackson: O Brasil quer reduzir a taxa adicional de 40% ou removê-la completamente, mas não tenho certeza se os dois países chegarão a um acordo. O Brasil pode fazer concessões em muitas áreas e será interessante ver se as terras raras – que têm sido ponto de atenção nas conversas entre EUA e China – serão discutidas. Imagino também que possa haver alguma discussão sobre os investimentos da China no Brasil, e a oposição dos EUA à presença da China na América Latina. Será interessante acompanhar se questões políticas, como o julgamento de Jair Bolsonaro, entrarão na conversa, porque seria uma área mais difícil para o governo Lula agradar Trump.

Broadcast: Em comparação com outros países emergentes, como está o apetite de investidores estrangeiros para o Brasil?

Jackson: Os investidores parecem relativamente otimistas em relação ao Brasil, por conta do recente período de forte crescimento econômico. Há casos positivos em setores específicos da economia, como a agricultura. Neste momento há muito interesse dos investidores em títulos do Tesouro, com o mercado observando o que acontecerá após o BC começar a cortar os juros. Contudo, há certa cautela em relação ao que deve acontecer nas eleições.

Contato: caroline.aragaki@estadao.com

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