15 de outubro de 2025
Por Gustavo Côrtes e Alvaro Gribel, do Estadão
Brasília, 15/10/2025 – Foco de crises no atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os Correios deixaram de ser lucrativos e passaram a ter prejuízos crescentes, com um rombo que chegou a R$ 4,37 bilhões apenas nos dois primeiros trimestres de 2025. As perdas se acumulam desde o último ano do mandato de Jair Bolsonaro e foram agravadas sob a gestão do PT. Procurada, a estatal culpa a gestão Bolsonaro pela crise.
Até setembro, o presidente da empresa era Fabiano Silva, um advogado do Prerrogativas, grupo de advogados ligados ao partido. Ele deu lugar a Emmanoel Schmidt Rondon, um funcionário de carreira do Banco do Brasil, como antecipou o Estadão/Broadcast.
Essa troca foi uma tentativa de estabelecer um comando técnico para estancar os prejuízos. A decisão manteve os Correios como uma ilha de comando do governo dentro do Ministério das Comunicações, pasta à qual a empresa está subordinada e que foi entregue ao União Brasil.
Taxação das “blusinhas”, fim de monopólio de remessas, rombo do fundo de pensão dos funcionários e aparelhamento político estão entre as explicações.
Com o mau resultado, o governo Lula busca empréstimo de R$ 20 bilhões do Banco do Brasil, da Caixa e de instituições privadas para socorrer a empresa. A operação deve ter garantias da União e estar condicionada a medidas para sanear a gestão da estatal.
As explicações sobre os resultados negativos dividem o próprio governo. Pessoas ligadas a Silva atribuem a queda de desempenho da estatal a duas medidas do Ministério da Fazenda: o fim da primazia sobre a importação de remessas do exterior e a chamada “taxa das blusinhas”, que impôs 20% de imposto sobre compras de até US$ 50 em lojas virtuais baseadas no exterior, antes isentas de tributação.
A equipe econômica, por outro lado, enxerga problemas estruturais na companhia, ligados ao serviço de entregas, que não tem relação com a tributação de produtos do exterior que entravam no Brasil ilegalmente, sem pagar impostos.
A companhia atribuiu em nota os resultados negativos aos atos das gestões do governo de Jair Bolsonaro, que planejava privatizá-la.
“Durante o processo de desestatização promovido pela gestão anterior, os Correios sofreram drástica redução de investimentos. Embora essa estratégia tenha gerado caixa de forma pontual, seus resultados não se sustentaram no médio e longo prazo. O desmonte comprometeu a eficiência e a competitividade da estatal e ampliou sua vulnerabilidade diante das transformações no setor, especialmente devido à excessiva dependência do mercado de remessas internacionais e à falta de diversificação dos negócios”, disse a companhia.
No governo Bolsonaro, os Correios fecharam no azul nos três primeiros anos. O lucro maior se deu durante a pandemia (2020 e 2021), quando as pessoas enfrentavam política de isolamento e aumentou o número de entregas, principalmente e-commerce. Em 2022, no último ano da gestão Bolsonaro, a estatal registrou prejuízo porque decidiu, já pelo comando petista, não recorrer de ações trabalhistas e precisou provisionar R$ 1 bilhão de forma retroativa no balanço de 2022.
Ato da Receita Federal
Em agosto de 2023, uma instrução normativa da Receita Federal permitiu a transportadoras privadas aderir a um programa para tratar das remessas internacionais. A mudança desmontou o virtual monopólio que os Correios detinham sobre esse mercado.
Um ano mais tarde, o governo promoveu a tributação de compras de até US$ 50 por meio de lojas online no exterior. A medida foi tomada a pretexto de igualar as condições de concorrência entre as indústrias do Brasil e de países estrangeiros, mas também atendeu à necessidade de arrecadação do governo.
A ação, na visão da antiga gestão dos Correios, teria inibido as compras online do exterior e, consequentemente, reduzido a quantidade de encomendas tratadas pelos Correios.
Outro fator com peso na conta da empresa é o prejuízo do Postalis, fundo de pensão de seus funcionários. No ano passado, os Correios firmaram um contrato de confissão de dívida em que se comprometem a transferir R$ 7,6 bilhões ao fundo para cobrir metade do rombo do plano de aposentadoria que parou de aceitar novos participantes em 2008.
Pela legislação, a conta deve ser dividida igualmente entre a empresa patrocinadora e os participantes. Ou seja, metade do valor total do déficit, de R$ 15 bilhões, será pago por funcionários, aposentados e pensionistas da estatal.
Segundo o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) no qual o documento se baseou, os investimentos realizados entre 2011 e 2016, durante o governo de Dilma Rousseff, resultaram em um prejuízo de R$ 4,7 bilhões. Corrigido pela inflação e pela meta atuarial da entidade, o valor corresponde a R$ 9,1 bilhões, o equivalente a 60% do rombo. O restante se refere a déficits ocorridos em outros períodos desde a fundação do Postalis, em 1981.
Atraso em pagamentos
O quadro de prejuízo dos Correios também gerou um passivo para as empresas prestadoras de serviço e terceirizadas.
Em alguns casos, liminares autorizaram empresas sob contrato a interromper a prestação dos serviços aos Correios, devido à falta de pagamento. No ano passado, os Correios tiveram prejuízo de R$ 2,6 bilhões. Os impactos são sentidos pelos consumidores no atraso das entregas de encomendas, já que os Correios dependem de transportadoras privadas e da terceirização do tratamento de cargas.
De acordo com processos a que o Estadão teve acesso, a inadimplência dos Correios tem causado a inviabilidade dos negócios e até a falência de fornecedores, que apontam para falta de recursos para arcar com custos básicos, como combustível e salários de funcionários.
Além dos atrasos nos repasses, os Correios aplicam penalidades a empresas que deixam de prestar os serviços em meio à falta de pagamentos.
Uma nota técnica dos próprios Correios admitiu que a conduta da estatal nestes casos é irregular. “A imposição de penalidades ao contratado, em situações nas quais o descumprimento contratual decorre exclusivamente da inadimplência da Administração, revela-se incompatível com os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, moralidade administrativa, boa-fé objetiva e do equilíbrio econômico-financeiro do contrato”, diz trecho do documento.
Os Correios afirmam que as transportadoras aéreas que operam com os Correios seguem atuando normalmente, sem registro de interrupções. “A prestação de serviços terrestres também ocorre dentro da normalidade, com cumprimento dos percentuais de linhas exigidos para a cobertura nacional, regional e urbana.”
Garantiu ainda que mantém diálogo com seus parceiros logísticos e realiza pagamentos de forma gradual. “Eventuais pendências pontuais estão sendo tratadas com responsabilidade, buscando sempre mitigar impactos e garantir a regularidade dos serviços.”
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