2 de outubro de 2025
Por Daniel Tozzi e Aramis Merki II
Anunciado com grande destaque pelo governo federal em setembro, o Redata, programa que vai incentivar o investimento em data centers em território nacional, pode ajudar a diminuir o enorme saldo negativo que o Brasil vem registrando em sua balança de serviços.
Historicamente deficitária, a relação entre todos os serviços que o País importa e exporta tem ficado mais desequilibrada nos últimos anos, justamente por causa de novas tecnologias de fora que o Brasil precisa consumir, o que inclui o armazenamento de dados. A estimativa é que 60% do processamento da “nuvem brasileira” ocorra hoje no exterior, o que leva à necessidade de importar esse tipo de serviço.
Conforme informou a Fazenda à Broadcast, o Brasil tem hoje menos de 1 gigawatt (GW) de capacidade instalada em data centers, enquanto a demanda doméstica já exigiria algo em torno de 3 GW. Não à toa, houve um déficit de US$ 6,8 bilhões no segmento de serviços de informação e computação no Brasil em 2024, de acordo com números da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom), com base nas estatísticas do setor externo divulgadas mensalmente pelo Banco Central.
Do total desse déficit, a Fazenda estima que US$ 5 bilhões estejam ligados a serviços de data centers. O montante representa pouco mais de 9% de todo o déficit da balança de serviços do ano passado, que foi de US$ 55,18 bilhões.
Para efeito de comparação, o déficit estimado pela Fazenda apenas com os data centers em 2024 só não foi maior do que os saldos negativos apurados em categorias como os serviços de transportes (US$ 15,06 bilhões); viagens (US$ 12,33 bilhões); aluguel de equipamentos (US$ 11,18 bilhões) e serviços de propriedade intelectual (US$ 8,68 bilhões), segundo os dados do BC.
A previsão da Fazenda é que, com o Redata, o déficit nos serviços de data centers pode parar de crescer em 2026 e chegar a perto de zero em 2030. “A expectativa é que, até 2030, pelo menos 90% dos dados brasileiros estejam armazenados e processados no Brasil, porque será economicamente mais vantajoso, com custos iguais ou menores, maior segurança, menor risco operacional e melhor desempenho”, informou a pasta em nota.
Incentivos
O Redata zera tributos como PIS, Cofins, IPI e tarifas de importação sobre equipamentos usados em operações de data centers, reduzindo a alíquota efetiva de 52% para cerca de 18%, de acordo com cálculos da Associação Brasileira de Data Centers (ABDC). Além da potencial ajuda na balança de serviços, o objetivo da política de incentivo é fortalecer a soberania digital do País.
“Essas medidas contribuem para fortalecer a autonomia digital do País, ampliar a capacidade de processamento e armazenamento de dados em território nacional, gerar empregos qualificados e reverter o déficit na balança comercial de serviços de informação e computação”, destaca o presidente da Brasscom, Afonso Nina.
Para além de processar os dados locais, uma perspectiva otimista é que o Brasil passe a ser um polo regional ou até global para a infraestrutura de treinamento de modelos de inteligência artificial. Segundo especialistas do setor, o País reúne condições para isso: energia limpa e barata, rede de internet de qualidade e pouca ou nenhuma incidência de desastres naturais.
Para conceder a isenção aos data centers, serão exigidas contrapartidas como a reserva de 10% da capacidade de processamento para universidades e empresas nacionais. Também será cobrado o uso de energia renovável, sistemas hídricos fechados, investimento de 2% em pesquisa e desenvolvimento no Brasil.
Balança
A equação de importações e exportações de serviços, historicamente deficitária no Brasil, vem crescendo consistentemente nos últimos cinco anos, após a fase mais aguda da pandemia. Desde então, o déficit mais do que dobrou, passando de US$ 26,95 bilhões em 2021 para os US$ 55,18 bilhões de 2024, de acordo com o Banco Central.
Parte da explicação decorre de fatores conjunturais, como o forte crescimento do Produto Interno Bruno (PIB) dos últimos anos e o aumento de gastos com fretes e viagens, mas também de questões mais estruturais, como a disseminação de novas tecnologias e a mudança do perfil de consumo no pós-pandemia. Gastos com softwares, armazenagem de dados e serviços de streaming fazem parte dessa tendência.
“Temos visto que no mundo empresarial as análises estão caminhando muito nessa direção da ciência dos dados. É natural haver mais demandas nesse sentido, o que faz com que o Brasil adquira esse tipo de serviço no exterior, onde se encontram as empresas que estão mais na fronteira desse tipo de serviço”, avalia o sócio e economista sênior da Tendências Consultoria, Silvio Campos Neto, que acompanha os dados do setor externo do País.
Nesse contexto, o crescente déficit na balança de serviços tem pressionado as contas externas brasileiras em 2025. Na última década, o Brasil costumava registrar um fluxo de Investimento estrangeiro (IDP) superior ao déficit total nas transações correntes (que inclui, além da balança de serviços, a balança de bens e a conta de renda primária).
Neste ano, porém, a situação se inverteu: em agosto, o País registrou o sétimo mês consecutivo em que o acumulado de 12 meses do IDP foi inferior ao déficit nas transações correntes. Na prática, isso significa que mais dólares estão saindo do País do que entrando.
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