23 de setembro de 2025
Por Aline Bronzati, correspondente
Enquanto os Estados Unidos enviam sinais negativos no combate às mudanças climáticas, ao deixar o Acordo de Paris, o Brasil tem liderado uma agenda positiva, diz Jack Hurd, responsável pela Agenda do Sistema Terrestre do Fórum Econômico Mundial (WEF) e diretor-executivo da Aliança das Florestas Tropicais. Ele alerta, porém, que o País precisa vencer um desafio interno: as pressões da política doméstica. “O desafio da administração de Luiz Inácio Lula da Silva é reconciliar algumas das dinâmicas políticas internas do País, que talvez estejam menos convencidas das oportunidades positivas relacionadas ao clima, com a forte projeção dessas oportunidades no cenário global”, afirma Hurd, em conversa com a Broadcast durante o ‘Brazil Climate Summit 2025’, em Nova York, na sexta-feira, 19.
Segundo o especialista, as políticas de Trump não reconhecem o futuro do crescimento no mundo e a realidade dos países, incluindo os EUA. Por sua vez, o Brasil está no centro, diz. A seu favor, o País dispõe de uma base de energia renovável e pode se tornar líder em aço e concreto verde, em mobilidade por meio do uso de biocombustíveis, além do seu avanço na produção de combustíveis sustentáveis de aviação (SAF) e no uso da terra. Abaixo, os principais trechos da entrevista:
Broadcast: O mundo está vivenciando vários conflitos, incluindo uma guerra comercial, a caminho de uma nova ordem geopolítica global. Como o senhor vê as políticas do presidente Donald Trump impactando as iniciativas de combate às mudanças climáticas, proteção de florestas?
Jack Hurd: Cada país responde de uma forma. Há uma oportunidade de tirar proveito disso. Não acho que as políticas de Trump sejam benéficas ou reconheçam o futuro do crescimento no mundo e a realidade dos países, incluindo os Estados Unidos. Portanto, não sinto que essas medidas estejam alinhadas aos objetivos globais ligados à natureza, ao clima, ao crescimento econômico, à criação de empregos e à segurança alimentar. Elas são inconsistentes com esses objetivos, mas essa é a realidade que temos, e cada nação procura transformar esse risco em oportunidade. O Brasil, em particular, dispõe de uma chance que pode aproveitar.
Broadcast: Por quê?
Hurd: Porque, se o País mantém desequilíbrio comercial com os Estados Unidos ou enfrenta barreiras, precisa começar a olhar para outros mercados. Eventualmente, EUA e Brasil voltarão a se unir, não tenho dúvidas sobre isso. Enquanto isso, trata-se de uma boa oportunidade para o Brasil repensar seus mercados, arranjos políticos e grupo de amigos.
Broadcast: O senhor vê as políticas de Trump na área do clima impactando outros países além dos EUA?
Hurd: As políticas de Trump enviam a mensagem de que líderes políticos, em países com contextos semelhantes, podem se expressar e agir de maneiras que, talvez, não fossem possíveis em décadas anteriores. No entanto, há duas dinâmicas em jogo: o que formuladores de políticas e empresas dizem publicamente e o que fazem nos bastidores. Muitos países continuam a perceber os benefícios de entender os impactos das mudanças climáticas e da degradação dos recursos naturais, reconhecendo que esses problemas precisam ser enfrentados. Empresas visionárias também compreendem essa realidade e buscam avançar, dentro do contexto político, da forma mais favorável aos seus negócios.
Broadcast: Bancos e empresas deram um passo atrás nessa agenda nos EUA, abandonando iniciativas climáticas…
Hurd: É difícil para um líder político, como Trump ou de qualquer outro país, ditar o que as empresas devem ou não fazer. Elas tendem a tomar decisões racionais que, às vezes, se alinham às políticas e, em outras, não, mas sem alarde. Há a percepção, fomentada nos EUA, de que questões climáticas e ambientais não devem ser levadas a sério porque seriam entraves ao crescimento, à criação de empregos, à segurança alimentar e à produção de energia. Essa suposição, porém, é imprecisa, e muitos líderes de outras nações e do setor empresarial também entendem isso.
Broadcast: Como o Brasil se posiciona neste contexto?
Hurd: O Brasil está no centro de muitas iniciativas necessárias no mundo. Do ponto de vista climático, cerca de 60% das emissões nacionais vêm do uso da terra. Graças à base de energia renovável, o País pode liderar a produção de aço verde, concreto verde e combustíveis de aviação sustentáveis, além de avançar na mobilidade com biocombustíveis. Há ainda um campo em que o Brasil pode superar quase todas as nações: a liderança no uso da terra, já que poucos consideram seu impacto sobre o clima como deveriam.
Broadcast: Como?
Hurd: O papel de liderança do Brasil no uso da terra pode ocorrer em quatro frentes: conservação, restauração, manejo florestal sustentável e intensificação da agricultura. Seja Indonésia, República Democrática do Congo, Colômbia ou Libéria, esses países também vão querer incorporar esses elementos em seus processos de tomada de decisão nacional.
Broadcast: Qual é a sua visão sobre o governo do presidente Lula na agenda climática?
Hurd: Desde o embaixador André Corrêa do Lago (presidente da COP30), passando por Marina Silva (ministra do Meio Ambiente) até Fernando Haddad (ministro da Fazenda), tem havido uma projeção externa muito positiva sobre a importância de encontrar formas de enfrentar as mudanças climáticas e o uso da terra dentro de um plano de crescimento econômico capaz de inspirar o resto do mundo. Se há tantas mensagens negativas vindas dos Estados Unidos, há um discurso muito favorável vindo do Brasil. O País tem metas nacionais ambiciosas e, como presidente da COP30, apresentará uma agenda robusta para o uso da terra. A projeção internacional do governo Lula é inspiradora, e acho que as pessoas realmente percebem isso. O desafio é conciliar esse discurso com as dinâmicas políticas internas.
Broadcast: Poderia falar mais a respeito?
Hurd: Todos sabem que, no Brasil, como em outros países, a população rural tem voz política muito forte. As comunidades agrícolas se assemelham em todo o mundo: estão enraizadas nas realidades econômicas de cada nação e em seu tecido social. O desafio da administração Lula é conciliar dinâmicas políticas internas, menos convencidas das oportunidades positivas ligadas ao clima, com a forte projeção dessas oportunidades no cenário global. Alinhar esses dois pontos será crucial, sobretudo diante das eleições do próximo ano.
Broadcast: Essa agenda corre riscos a depender do resultado da eleição no Brasil?
Hurd: Toda eleição traz riscos. Sem dúvida, as coisas seguiam um rumo e agora estão em trajetória bem diferente. Acredito que o caminho adotado pela administração anterior dos Estados Unidos representa a tendência de longo prazo.
Broadcast: Quais são as suas expectativas para a COP30
Hurd: A COP30 será o momento em que as pessoas, de fato, entenderão o papel do setor de uso da terra como força positiva para reduzir as emissões e gerar diversos co-benefícios – preservação da natureza, proteção da biodiversidade e criação de empregos em áreas rurais. Será uma grande oportunidade para recolocar o tema no palco global, seu lugar de direito. Afinal, muitas pessoas no mundo vivem em áreas rurais e dependem do uso da terra.
Broadcast: O Brasil tem criado novos instrumentos financeiros como o EcoInvest. Como o senhor avalia os avanços na área de financiamento climático?
Hurd: É um País de renda média e está mostrando a outras nações que é, de fato, possível equilibrar esses fatores. É, especificamente, um exemplo para países de baixa renda.
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