Economia & Mercados
23/11/2021 09:15

Legado da crise hídrica na conta de luz já soma R$ 140 bi e vai subir, avaliam institutos


Por Denise Luna

Rio, 22/11/2021 - Decisões tomadas pelo governo este ano para combater a crise hídrica vão deixar um legado de R$ 140 bilhões na conta de luz do brasileiro nos próximos anos, calculam especialistas do Instituto Clima e Sociedade (ICS), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídrico (Iema). Para eles, o legado da crise poderia ter sido em parte evitado, se outras medidas fossem adotadas.

"É uma herança maldita que fica para o consumidor por conta (do governo) não ter tomado medidas adequadas de planejamento. Já estamos vivendo racionamento via tarifa, e não por um programa mais robusto de redução dos consumidores; implantação do horário de verão, como deveria", disse o coordenador do Idec, Clauber Leite, em debate promovido pelo ICS nesta segunda-feira.

De acordo com Leite, apesar de se falar em aumento médio de 21% na conta de luz em 2022, ainda não foi levado em conta o novo empréstimo às distribuidoras, que deve ser anunciado esta semana. Ele destacou que o índice de 21% é uma média, e algumas cidades devem ter reajuste na tarifa acima desse patamar no ano que vem.

Apesar das chuvas terem afastado riscos de racionamento e apagões, as decisões tomadas no combate à crise não seguiram o planejamento energético da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), destacou a consultora de energia do ICS, Amanda Ohara. Ela explicou que o governo seguiu fórmulas antigas, como aumento de contratação de usinas térmicas para resolver o problema, que, além de aumentar o custo, geram impactos ambientais.

"A única ação que trouxe modernização para o sistema, visando a demanda, que foi a Resposta Voluntária da Demanda (RVD), já foi posta de lado", afirmou Ohara, ressaltando que até hoje o governo não divulgou os resultados da tímida campanha de redução de consumo para os consumidores residenciais.

A criação de uma bandeira de escassez hídrica, criada durante a pior fase da crise e válida até abril de 2022, vai significar uma alta de 256% em 2021 em relação à média histórica de R$ 8 bilhões desde a criação das bandeiras, em 2015, ou mais R$ 28,5 bilhões na conta de luz.

Já os Encargos de Serviços do Sistema (ESS) subiram 462% este ano, de R$ 2,1 bilhões da média histórica entre 2013 a 2019, para R$ 11,8 bilhões em 2021, e também serão pagos pelo consumidor.

"Não se cogita desligar as térmicas porque tem que encher os reservatórios, e ainda estão discutindo com o setor mais um empréstimo, de até R$ 15 bilhões", destaca a consultora.

Além disso, as contas de luz vão ter que arcar nos próximos anos com os chamados "jabutis" inseridos na Medida Provisória da privatização da Eletrobras, que preveem a construção de 8 gigawatts (GW) em usinas termelétricas a gás natural em locais onde não existem gasodutos, uma conta que segundo a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) será de R$ 78,3 bilhões.

Também entra na conta da crise o alto preço de contratação do leilão emergencial, chamado de processo simplificado, que ficou sete vezes acima dos valores negociados em recentes leilões de energia do governo, totalizando R$ 39 bilhões a serem pagos entre 2022 e 2025. O preço médio da energia no leilão emergencial ficou em R$ 1.536,61 por megawatt-hora (MWh), contra valores em torno dos R$ 100 o MWh das renováveis solar e eólica.

De acordo com Ohara, somente um projeto de eficiência energética para hospitais, em estudo há cerca de um ano na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), reduziria em pelo menos um terço a necessidade do volume de energia contratado das térmicas emergenciais, e por um décimo do investimento previsto.

"O projeto prioritário de hospitais já estava pronto em 2019 e ficou engavetado, não se tem mais notícias dele", informa, referindo-se a um programa em análise na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Presente no evento, o coordenador de Projetos no Iema, Ricardo Baitelo, destacou também o legado ambiental negativo que já foi deixado pela crise hídrica nos primeiros nove meses do ano. Segundo ele, o maior acionamento das térmicas dobrou as emissões de gases efeito estufa (GEE) de janeiro a setembro, e a tendência é altista, diante de uma possível retomada da atividade econômica.

Em 2019, um ano antes da pandemia do covid-19, as emissões até setembro do setor elétrico brasileiro, considerado um dos mais limpos do mundo, somavam 27,5 milhões de toneladas de CO2. Em 2020 caíram para 20 milhões de toneladas pela fraqueza da economia, e este ano já acumulam 45,9 milhões de toneladas até setembro.

"É um contrassenso, porque estamos deixando de aproveitar a energia mais barata e sustentável das renováveis para colocar na frente da fila a energia fóssil, poluente e cara", avaliou Leite, do Idec, referindo-se ao despacho que é feito pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) para atender o Sistema Interligado Nacional (SIN).

Contato: denise.luna@estadao.com
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