Economia & Mercados
23/11/2021 09:09

Especial: donas das maquininhas perdem quase R$ 160 bi em bolsa com Pix e juro alto


Por Matheus Piovesana e Altamiro Silva Junior

São Paulo, 22/11/2021 - Desde o começo do ano, as empresas brasileiras de maquininhas de cartões, conhecidas oficialmente como adquirentes, listadas nas bolsas perderam quase R$ 160 bilhões em valor de mercado, mais do que o valor do Banco do Brasil ou o do Santander Brasil na B3, de acordo com dados compilados pelo Broadcast. O Pix, sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central, é apontado como um dos vilões, embora seu impacto ainda seja controverso. A alta dos juros, o forte acirramento da concorrência e a aventura não muito bem-sucedida em negócios paralelos, como o crédito, também são apontados como responsáveis pela derrocada das ações.

Os custos das empresas de adquirência para financiar operações como adiantamento de recebíveis, por exemplo, são indexados ao CDI, que por sua vez, varia junto com a taxa Selic. Desde o começo do ano, a taxa básica de juros da economia brasileira já subiu 5,75 pontos porcentuais, e deve subir ainda mais, chegando a dois dígitos no começo de 2022.



O quadro se agrava mais por causa do forte aumento da concorrência no setor. Em geral, costuma haver um atraso entre o aumento dos custos de captação e o reajuste de preços aos clientes, o que gera um aperto momentâneo nas margens das empresas. Mas analistas acreditam que ele pode ser maior no atual ciclo de alta de juros porque a competição no setor aumentou. "Esse talvez seja o maior risco para as margens no curto prazo, e vai ser maior para as empresas que dependem mais da receita financeira, como a Stone e a PagSeguro", afirma Erick Rodrigues, analista da Moody's.

Boa parte do que se convencionou chamar de "guerra das maquininhas", com derrubada das taxas e tarifas por parte das líderes do setor, aconteceu em um cenário de Selic em queda ou estável. "Agora tem um movimento contrário, que aconteceu muito rápido. Sabemos que as empresas vão ter um custo maior, mas como vão lidar com ele depende da estratégia, se é focada em ganhar mercado ou na rentabilidade", diz Rodrigues.

Essa decisão coloca um dilema. A intensa competição dos últimos anos fez com que a adquirência se tornasse uma commodity, como previam analistas quando as principais barreiras de mercado foram derrubadas, na década passada. O resultado é que hoje, há menos impedimentos para que um comerciante troque de maquininha, o que atinge das veteranas às novatas.

"Precisamos ir devagar, cliente a cliente, não estamos correndo, porque queremos proteger a nossa base", disse o CEO da Stone, Thiago Piau, durante a divulgação de resultados da empresa, semana passada. Ele reconheceu que por causa dessa cautela e do crescimento acelerado da companhia, as margens caíram.

"O que norteia a taxa de empréstimo deles (empresas) para o cliente é a competição. Elas não conseguem repassar, e tem uma compressão de margem", diz Eduardo Nishio, analista da Genial. "E vai ficar mais competitivo com a central de recebíveis. Era um acordo entre duas partes, e vai passar a ser entre várias."

Pix, um rival controverso

Analistas acreditam que, com as transformações das formas de pagar nos últimos anos, as adquirentes perderam terreno para soluções que não dependem delas. Para o presidente da consultoria especializada em varejo financeiro Boanerges & Cia, Boanerges Ramos Freire, esse é um problema estrutural. "Em essência, essas empresas continuam fazendo só uma coisa, que é permitir a quem vende com cartão receber o pagamento. E isso deixou de ser grande fonte de resultado."

Para Boanerges, a função essencial que essas empresas cumpriam passou a ser feita por outros instrumentos, como o Pix, com menor custo. E à medida que mais funções próprias do cartão de crédito forem sendo incorporadas à ferramenta criada pelo BC, como a possibilidade de fazer compras parceladas, maior o baque sobre a adquirência. "Estruturalmente, as credenciadoras estão em uma descida da ladeira, que estava sendo mais suave, agora deu uma acelerada, e o Pix é um dos elementos que apressa essa descida."

No começo dos anos 2010, o mercado era dominado por Rede, do Itaú, e a Cielo. Hoje, tem mais de 30 credenciadoras e mais de 200 subcredenciadoras. Para um ex-executivo do setor, que falou sob condição de anonimato, a Cielo deveria fechar seu capital, como fez a Rede em 2012.

Já a Stone, segundo ele, percebeu mais rapidamente que as concorrentes a necessidade de ir além da adquirência, o que explica a compra da Linx, mas foi com muita pressa no crédito. O executivo argumenta ainda que as maquininhas até incorporaram o uso do Pix, mas com a possibilidade de as próprias pessoas fazerem isso via celular, o impacto no setor será cada vez mais relevante.

Rodrigues, da Moody's, acredita que o Pix pode roubar mais transações dos bancos, e que para as adquirentes, pode trazer oportunidades. "Se você pensar no que o lojista paga (em uma transação com cartão), digamos que 20% vão para a bandeira, 20% para o emissor e o resto para o adquirente. Se o adquirente fornecer uma solução de pagamento e gestão para o lojista, ele pode processar a transação do Pix cobrando a mesma coisa que ganha", diz. "O lojista está pagando menos, e o adquirente, recebendo o mesmo."

Contato: matheus.piovesana@estadao.com e altamiro.junior@estadao.com
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