Economia & Mercados
20/01/2022 10:04

Especial: Cadastro Positivo entra nova fase em 2022, com dados de contas de luz e de ESG


Por Thaís Barcellos e Eduardo Rodrigues

Brasília, 19/01/2022 - O Cadastro Positivo entra em uma nova fase no início deste ano, com a inclusão de dados das contas de luz até o fim do primeiro trimestre. Há expectativa também da entrada de informações das contas de gás, água e esgoto, além de dados sobre boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) de empresas, ainda em 2022.

Como o objetivo do Cadastro Positivo é criar um histórico de pagamento mais amplo dos clientes, quanto mais informações na base de dados, melhor. Assim, é possível construir uma análise mais eficaz do risco de crédito (pontuação ou score), servindo de alternativa à "lista de negativados" e beneficiando os bons pagadores com melhores condições em empréstimos.

Mas, até o final do ano passado, as avaliações praticamente só contavam com informações do sistema financeiro. Só em setembro de 2021, o Cadastro Positivo passou a incluir dados das empresas de telecomunicações, como contas de telefone, internet e TV por assinatura.

O Cadastro Positivo foi criado em 2011, mas, só a partir de 2019, a adesão passou a ser automática. Ou seja, quem não quiser ter os dados no banco de dados deve pedir o cancelamento da inscrição.

No mesmo ano da mudança, o número de cadastrados deu um salto, aumentando 15 vezes frente ao volume no regime anterior, conforme relatório do Banco Central divulgado em maio de 2021.

A Associação Nacional de Bureaus de Crédito (ANBC) contabiliza que os inscritos no Cadastro Positivo saíram de seis milhões em 2017 para mais de 100 milhões atualmente, sendo que 95% são pessoas físicas. A expectativa é que chegue a 150 milhões, com a inclusão das contas de luz, gás, água e esgoto.

Por outro lado, os pedidos para retirada de dados somam 360 mil, segundo a Boa Vista, um dos quatro birôs registrados pelo BC como gestores de banco de dados (GBDs) do Cadastro Positivo.

"Com a entrada de informações de telecomunicação, estimamos que 9 milhões de CPFs novos entraram no mercado, com a possibilidade de ter acesso ao crédito. Bancos e empresas de varejo que vendem a crédito não tinham acesso a essas pessoas. São pessoas que não são bancarizadas, mas que têm emprego, pagam suas contas de telefone", destaca Dirceu Gardel, presidente da Boa Vista.

Gardel também afirma que há um esforço dos birôs de buscarem outras fontes de informações. Segundo ele, a Boa Vista tem hoje dados de todos os setores da economia, e utiliza também informações geográficas e pedidos de crédito no mercado. A empresa tem ainda cerca de 120 mil clientes que consomem produtos relacionados ao Cadastro Positivo, como o próprio acesso ao score de consumidores.

Efeitos

Mesmo que o Cadastro não esteja "completo", BC e os birôs já encontram efeitos positivos. Em pesquisa divulgada nesta quarta-feira (19), com cerca de 2 mil consumidores, a Boa Vista reportou queda média de 10,4% das taxas cobradas no crédito pessoal não consignado, mesmo resultado apontado para redução média do spread nessa operações no relatório do BC de maio de 2021.

O BC comparou tomadores de crédito com pontuações baseadas no Cadastro Positivo com aqueles que ainda não estavam cadastrados no banco de dados. A queda média chegou a 15,9% para os tomadores em que a diferença de score foi maior com e sem a inclusão no Cadastro Positivo foi maior. "Por outro lado, não se observou efeito estatisticamente significante nos spreads para os tomadores que apresentaram diferença negativa", disse o BC, na época.

A pesquisa da Boa Vista também apontou que 41% dos entrevistados melhoraram sua nota de crédito nos últimos dois anos, período que coincide com a adesão automática ao Cadastro Positivo. A Serasa Experian chegou a uma conclusão semelhante ao comparar a pontuação de crédito com ou sem o Cadastro Positivo: mais de 40% da população foi "beneficiada".

Mesmo com o ciclo agressivo de alta da taxa básica de juros, o presidente da ANBC, Elias Sfeir, avalia que o Cadastro Positivo pode atenuar o aumento do custo final dos tomadores de empréstimos ao atuar sobre os spreads bancários. "Cerca de 35% do spread está ligado à inadimplência. E os nossos estudos já mostraram que o Cadastro Positivo tem o potencial de reduzir em até 42% essa fatia do spread", detalha.

Sfeir relata ainda que o Cadastro Positivo foi fundamental para os bancos levarem adiante um enorme programa de renegociação de crédito durante a pandemia de covid-19, sem comprometerem suas carteiras. "Uma consistência maior de informações possibilitou separar quem estava com problemas por causa da pandemia e quem já tinha problemas anteriores. Por isso a inadimplência continua perto do piso histórico do indicador", completa.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) concorda que o Cadastro Positivo é um dos fatores que podem estar contribuindo com uma inadimplência mais baixa desde o início da pandemia, mas considera difícil separar o efeito específico da iniciativa nas taxas, especialmente porque ainda está em "fase inicial", com poucas informações, fora as bancárias.

Qualitativamente, o Diretor de Regulação Prudencial, Riscos e Assuntos Econômicos, Rubens Sardenberg, afirma que os bancos reportam que têm ajudado na avaliação do cliente que estava em uma "zona cinzenta", que, por exemplo, tem um comportamento mais errático no pagamento de seus compromissos.

Transparência

Já o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) reclama da falta de transparência do Cadastro Positivo, já que as pessoas não têm acesso às informações que são usadas para formular sua pontuação, nem à metodologia de cálculo. Cada birô tem o seu método.

Segundo a advogada e analista de pesquisas do programa de Direitos Digitais do Idec, Juliana Oms, a regra é vaga sobre os dados que podem ser utilizados, dizendo apenas que não podem ser "excessivos", ou seja, que não compõem a análise de crédito, ou sensíveis, como origem social, orientação sexual ou convicção política.

"A maior preocupação é a possibilidade de discriminação que pode ocasionar. Dados de localização podem prejudicar populações que já são marginalizadas. Quando falamos de mais transparência e regulamentação, estamos preocupados com isso."

Contato: thais.barcellos@estadao.com; eduardor.ferreira@estadao.com
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