Economia & Mercados
27/04/2020 17:47

Especial: petróleo deve seguir sob pressão, com colapso na demanda se sobrepondo à geopolítica


Por Gabriel Bueno da Costa

São Paulo, 27/04/2020 - Os contratos futuros de petróleo voltam a recuar nesta segunda-feira, após três dias consecutivos de altas. De acordo com analistas, as tensões geopolíticas entre Estados Unidos e Irã, que sustentaram os preços entre a quarta-feira e a sexta-feira da semana passada, estão em segundo plano e não devem ser capazes de garantir movimento sustentado nos contratos, que seguirão com foco no quadro de colapso na demanda por causa do coronavírus e de ameaça de estoques lotados.

Analista sênior da Hedgeeye, Joe McMonigle ressaltou, em entrevista ao Broadcast, que a troca de ameaças entre autoridades de EUA e Irã ajudou os contratos de petróleo na semana passada. "Mas acredito que não é de interesse de nenhum dos dois países buscar um conflito de fato, por isso o risco geopolítico deve perder força", previu. Segundo ele, a queda recente nos preços tem mais a ver com a pandemia e menos com as ações da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). O cartel e aliados, que formam o grupo Opep+, decidiram reduzir a produção em cerca de 10 milhões de barris por dia (bpd), mas analistas em geral consideraram isso insuficiente. Diante da prolongada queda, o Opep+ pode voltar a discutir o assunto e aprofundar esses cortes, que, segundo o ministro da Energia da Rússia, Alexander Novak, poderiam chegar a 15 ou até a 20 milhões de bpd a partir de maio.

Para McMonigle, conforme a retomada econômica começar de fato a ocorrer, os preços do petróleo devem melhorar. "Eu suspeito que veremos isso acontecer um pouco em junho", projetou, esperando também que, com isso, o corte da produção do Opep+ tenha mais impacto e que comece a ser reduzido "o nível massivo de estoques" atual. No terceiro e no quarto trimestres deste ano, ele projeta que o petróleo tipo Brent deve avançar para cerca de US$ 35 ou mesmo chegar próximo de US$ 40 o barril.

A Capital Economics cita em relatório as declarações do presidente americano, Donald Trump, ameaçando o Irã, mas também destaca que a demanda global domina a questão. Na avaliação da consultoria, "ainda não há um respiro para o petróleo". Ela prevê "volatilidade considerável nos preços" por pelo menos mais um mês, até que a demanda reaja, e lembra que, nesta quinta-feira, vence o contrato do Brent para junho. Como a iminência de vencimento do WTI para maio causou turbulências no início da semana passada, levando este contrato, inclusive, a ser cotado em território negativo, o fato atrai atenção. A Capital Economics comenta, contudo, que o Brent não deve cair tanto, já que esse contrato tem uma opção de ajuste em dinheiro, não envolvendo necessariamente, portanto, a entrega física do óleo, e complementa que as preocupações com o estoque no caso do Brent não são tão grandes quanto as do WTI.

Analista sênior do Swissquote Bank, Ipek Ozkardeskaya também citou a ameaça de Trump a embarcações iranianas no Golfo Pérsico, mas destacou em relatório que a recuperação nos preços seria limitada, "já que as tensões políticas dificilmente poderiam ameaçar a oferta de modo significativo, diante do mercado inundado de petróleo".

A Eurasia, por sua vez, já previa que as tensões Washington-Teerã teriam impacto apenas "transitório" para os preços, considerando que a troca de farpas não afetou de modo substancial o risco de um confronto neste ano.

Já a vice-presidente encarregada de pesquisa macro em petróleo da Wood Mackenzie, Ann-Louise Hittle, diz que, durante parte do mês de abril, a demanda recuava em uma média de 15 milhões a 18 milhões de barris por dia (bpd), na comparação anual. "É um número grande, mas pode ser maior ainda em alguns dias ou semanas" no futuro próximo, como em maio, aponta. "Algumas estimativas têm sugerido declínios de 20 milhões bpd ou mais", nota. Segundo ela, uma questão importante agora é quando a recuperação econômica global começará, já que ela é crucial para a reação na demanda. Hittle destaca o aumento "muito rápido" na lotação dos estoques e diz que o que ocorre em Cushing, Oklahoma, "é um microcosmo de uma fotografia mais ampla", citando que tanques de estocagem têm sido preenchidos rapidamente.

Nesse quadro, a Wood Mackenzie diz que maio será um mês importante, com os cortes do Opep+ entrando em vigor. A consultoria espera, contudo, um "lento retorno à vida 'normal' no segundo semestre de 2020 para ajudar a recuperar a demanda", embora com os preços do barril ainda abaixo dos níveis anteriores à crise atual. Hittle afirma que apenas uma reação forte na demanda poderá reduzir os níveis de estoque da commodity, "que ameaçam atingir níveis recordes no verão" do Hemisfério Norte. "Nada, porém, pode ser tomado como certo enquanto o coronavírus ainda representa uma ameaça para a atividade econômica e social", adverte.

Contato: gabriel.costa@estadao.com
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