Por Talita Nascimento
São Paulo, 24/02/2022 - A Ambev vendeu 180 milhões de hectolitros de cerveja ao longo do ano passado - 15 milhões a mais que em 2020. O crescimento em relação ao ano anterior foi de 9%, para o maior volume da história da companhia. Na apresentação dos resultados do quarto trimestre, porém, a empresa mostrou que a tendência agora deve ser diferente. Nos últimos três meses do ano, os volumes caíram 3% na operação brasileira em relação ao mesmo período de 2020. A companhia ainda fechou o ano com reajustes de preço para deixar a estrutura pronta para um 2022 mais focado na receita líquida por hectolitro do que em unidades vendidas.
A mudança, segundo o diretor financeiro da companhia, Lucas Lira, não se trata de uma nova estratégia, mas, sim, de uma adaptação ao cenário de alta inflacionária. "Vimos a inflação aumentar em vários mercados onde a companhia atua. Vendo isso acontecer, procuramos nos adaptar. Olhando para frente, em um ambiente de inflação mais alta, a tendência é que a nossa receita por hectolitro também seja mais alta e acabe impactando mais a receita do que o próprio volume", afirmou em entrevista ao Broadcast.
Nesse contexto, a Ambev espera que, no Brasil, o Ebitda cresça em 2022 após cair 8% em 2021, com receitas impulsionadas mais pelos preços médios do que pelos volumes. A expectativa é de uma inflação de custo unitário de 16-19% na cerveja brasileira. Para os analistas do BTG, essa tese não é tão clara. "Tudo isso soa mais otimista do que temos em nosso modelo e traz altas para nossas estimativas, No entanto, a verdadeira questão continua sendo quanto preço a Ambev pode impor antes de começar a perder participação de mercado novamente. Ainda assim, achamos que há espaço limitado para surpresas positivas com base no consenso", escreveram Thiago Duarte e Henrique Brustolin.
Lira argumenta, porém, que não se trata de novos aumentos de preço, mas de apostar em um mix de produtos mais premium. Desde a pandemia, a companhia tem investido em rótulos de maior valor agregado - como é o caso da Brahma Duplo Malte -para, assim, ter uma receita maior por produto. Ele afirma que a companhia tem cuidado com sua estratégia de preços, justamente para que o consumidor permaneça em seu portfólio.
Durante teleconferência com investidores, o CEO da Ambev, Jean Jereissati, disse que a maior parte dos ajustes de preço já foi feita pela companhia. E que por essas e outras razões, a empresa entrou em 2022 com uma estrutura melhor.
Quando se fala da previsão de volumes para 2022, porém, ainda está difícil fazer previsões. "Volumes são a parte mais complicada", disse o CEO. Em sua visão haverá dois carnavais pela metade em 2022, devido ao cancelamento das comemorações de rua no feriado tradicional e ao adiamento de algumas dessas festas para o feriado de Tiradentes. Além disso, ele lembra que a Copa do Mundo, uma importante alavanca na venda de cervejas, acontecerá no fim do ano. "Devemos estar atentos e flexíveis", disse o CEO a respeito dos volumes para o ano.
Lira diz que, por essas razões, a previsão da demanda e de sazonalidade da empresa muda. "Estamos nos preparando", afirmou, sem dar detalhes de como a produção deve se organizar.
Custos
Segundo a analista Marcella Recchia, do Credit Suisse, a já conhecida pressão de custo de insumos e maiores despesas gerais e administrativas, incluindo acúmulo de bônus e investimentos em marketing, levaram o Ebitda da empresa a cair 19,6% na comparação anual, para R$ 2,8 bilhões. O resultado foi uma margem Ebitda de 30,2%, que ficou dentro das estimativas da casa.
Lira disse aos investidores que as pressões de custo continuam, mas que as despesas gerais e administrativas devem crescer menos em 2022. Um dos pontos que pressionou essas despesas, porém, continuará a ser prioridade para a companhia: os investimentos em tecnologia. A companhia segue colocando recursos em sua plataforma de entregas ao consumidor, o Zé Delivery; na BEE's, que é voltada bares e restaurantes; e na Donus, fintech do grupo.
Lira acredita que nas plataformas de vendas online, a escala vai diluir os custos pouco a pouco. Para tornar a logística mais eficiente, a Ambev lançou 40 unidades urbanas de armazenamento durante 2021, que atentem a BEEs durante o dia e o Zé Delivery, dado os picos de cada um dos aplicativos. Para esse ano, mais delas devem passar a integrar a malha da empresa.
Os Pedidos Zé Delivery atingiram 17 milhões no quarto trimestre de 2021; a plataforma BEES atende hoje 85% dos clientes do Brasil; e a Donus teve Volume Total de Pagamentos (TPV) triplicado ante o trimestre anterior, na medida em que a base de clientes expandiu 50% para 240 mil clientes no período.
Em relação aos ataques da Rússia à Ucrânia e o impacto disso nos preços de commodities, os efeitos só seriam sentidos pela companhia em cerca de 12 meses, já que a empresa trabalha com contratos com esse prazo médio de antecedência. Dessa forma, a gestão consegue se preparar melhor para lidar com eventuais aumentos.
Contato: talita.ferrari@estadao.com
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