Agronegócios
03/06/2022 17:25

Especial/Trigo/Argentina: mesmo após aprovação de plantio comercial, exportador e moinhos rejeitam transgênico


Por Isadora Duarte

São Paulo, 30/05/2022 - Apesar da liberação pelo governo argentino para o plantio em escala comercial do trigo geneticamente modificado (OGM) da variedade HB4, produtores, exportadores do cereal e moinhos locais resistem ao uso e comercialização do produto. O principal motivo da rejeição pelo setor triticultor argentino, segundo fontes ouvidas pelo Broadcast Agro, é o receio quanto à não aceitação do cereal transgênico pelos consumidores. Pelo fato de a Argentina ser o primeiro do mundo a permitir o cultivo de trigo transgênico, o setor teme impactos de mercado decorrentes da autorização de semeadura da variedade em larga escala - concedida em 12 de maio pelo Ministério da Agricultura do país. O Brasil, por exemplo, principal mercado do cereal argentino que compra anualmente cerca de 50% do trigo exportado pelo País, não aceita importação de trigo transgênico, mas permite uso e internalização de farinha de trigo proveniente da variedade HB4 desde novembro do ano passado.

Uma das entidades contrárias à aprovação do cereal OGM, que rechaça a decisão governamental de permitir plantio em escala comercial, é o Centro de Exportadores de Cereais (CEC). "Esta resolução coloca em risco as exportações do trigo argentino para todo o mundo. Na prática, o Brasil não aprovou o trigo em grão, portanto nesse país, como no resto do mundo, este trigo não é aprovado. Por isso, devemos tomar medidas preventivas na Argentina para evitar a presença do HB4 nas remessas", disse o presidente do CEC e da Câmara da Indústria Oleaginosa da República Argentina (Ciara), Gustavo Idigoras, ao Broadcast Agro.

O dirigente garante que os exportadores argentinos venderão apenas trigo convencional (livre de transgenia) ao Brasil e que se comprometerão com a execução de testes anteriores ao embarque das cargas, ainda nos portos. "Nas cláusulas de compra de trigo dos produtores, vamos trabalhar para evitar riscos (de adquirir cereal OGM). Neste ano 21/22, tivemos muito sucesso (no controle). Não houve uma única remessa com problemas e exportamos de 14 a 15 milhões de toneladas de trigo para o mundo, o que significa que os controles portuários funcionaram, e, por isso, vamos manter", acrescentou Idigoras.

A opinião é compartilhada pela indústria moageira argentina. No mercado interno, não há aprovação e intenção de uso imediato do cereal transgênico por parte dos moinhos, segundo o presidente da Federação Argentina da Indústria Moageira (Faim), Diego Cifarelli. "Tudo que estamos moendo e exportando é farinha de trigo livre de transgenia. Isso não significa que, num futuro, de modo que a questão avance no país e se flexibilize, moinhos passem a receber esta variedade de farinha à medida que outros países aprovem o cereal. Estamos preocupados em mostrar ao cliente que não moemos trigo transgênico e que não vamos moer cereal HB4, exceto se encontrar situação no mercado interno que permita", disse Cifarelli à reportagem.

Dadas as disparidades entre as liberações argentinas e de outros mercados, o executivo cogita que futuramente talvez moinhos tenham de adotar moagem de trigo separada para mercado doméstico e externo. "Lutamos muito para conquistar mercados no exterior e não queremos perdê-los. Nossos clientes podem ficar tranquilos porque a indústria moageira não está recebendo este trigo (HB4)", acrescentou o dirigente. Um destes mercados é o Brasil, que compra farinha de trigo argentina para produção de derivados do cereal. Aqui, a indústria de panificação, representada pela Associação Brasileira da Indústria da Panificação e Confeitaria (Abip), diz que não irá comprar o produto derivado de trigo transgênico. Já a indústria de massas, biscoitos, bolos e pães industrializados passou de contrária à favorável ao produto, em novo posicionamento divulgado na última semana pela Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados (Abimapi).

Cifarelli considera também que irá demorar para haver trigo geneticamente modificado disponível no mercado argentino. O dirigente avalia que o próximo passo a ser dado pela empresa detentora da tecnologia, a Bioceres, tende a ser no sentido de alcançar a liberação total da comercialização do cereal OGM no país. Ele lembra que a comercialização do grão transgênico na Argentina depende da permissão de uso e importação de trigo transgênico no Brasil, que, por enquanto, aceitou apenas a entrada de farinha de trigo proveniente do cereal OGM. "Levará muito tempo para que isso ocorra. Neste momento, a indústria moageira argentina não recebe, não mói e não vende farinha de trigo OGM", reforçou o executivo.

De acordo com Cifarelli, a decisão do governo surpreendeu a indústria moageira local que estava acompanhando o andamento do processo junto às autoridades e instituições do país. "A situação mudou radicalmente, porque estávamos recebendo trigo com cláusula de restrição de que a mercadoria não poderia conter variedade HB4 e clientes estavam cientes. A partir de agora, a tendência é que o governo trabalhe para que as empresas que compram farinha equalizem suas certificações de variedade", apontou o presidente da Faim. "No momento, a indústria moageira continua não recebendo este tipo de trigo por mais que o plantio comercial esteja autorizado", completou.

Rejeição se estende ao campo - Os produtores também não receberam bem a medida. Presidente da Associação Argentina de Trigo (Argentrigo), Miguel Cané considera a decisão governamental "precipitada", tendo em vista que tanto a exportação quanto a indústria moageira doméstica não mostram interesse de adquirir o cereal OGM. "Não acreditamos que haja uma grande intenção de plantar HB4, embora não saibamos em que área a empresa desenvolvedora está pensando. No entanto, a empresa afirma que a produção continuará sob sua propriedade, com o modelo de acordos com os produtores, e sob rígidos protocolos de plantio, colheita e manejo pós-colheita", afirmou Cané à reportagem. Segundo ele, o setor produtivo permanecerá "muito atento" ao desenrolar da questão.

O plantio do cereal para testes está liberado na Argentina desde outubro de 2020, mas o aval para venda das sementes da variedade aos triticultores foi dado somente em maio deste ano. A semente é tolerante à seca e resistente ao herbicida glufosinato de amônio. No momento, o País está plantando a safra 2022/23, em área estimada de 6,6 milhões de hectares, com produção projetada em 20,5 milhões de toneladas. Desta forma, sementes comerciais da variedade HB4 tendem a estar disponíveis no mercado argentino somente para o próximo ciclo.

A Bioceres, empresa de biotecnologia detentora do cultivar, até o momento, ainda não iniciou a comercialização da variedade e estaria, de acordo com fontes, avaliando prazos para começar a venda. Contudo, na divulgação recente de seus resultados financeiros, afirmou que esperava geração de receita de aproximadamente entre US$ 10 milhões e US$ 12 milhões na próxima temporada de plantio a partir da venda do cultivar. Na temporada passada, a Argentrigo estimou que 160 mil toneladas de cereal HB4 (com transgenia) tenham sido semeados no país, de forma experimental e sob responsabilidade da Bioceres.

Contato: isadora.duarte@estadao.com
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