Há uma ameaça ao regime cambial argentino já no início de 2026: Uma parcela substancial da dívida a vencer
6 de novembro de 2025
Por Fábio Alves
O presidente da Argentina, Javier Milei, com a injeção de confiança após a larga vitória nas eleições legislativas no fim de outubro, surpreendeu o mercado ao rejeitar, numa entrevista ao jornal inglês The Financial Times, a pressão de investidores e de analistas para deixar o peso flutuar livremente a fim de recompor suas reservas cambiais.
O diagnóstico, tanto de investidores e analistas argentinos, quanto de estrangeiros, é um só: a prioridade da política econômica de Milei precisa ser aumentar as reservas cambiais, as quais ainda estão negativas, se forem deduzidos do cálculo os empréstimos concedidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), além da linha de swap acordada com a China.
Ao jornal inglês, Milei disse que os pedidos dos investidores para a livre flutuação do peso têm sido influenciados pelos “economistas e consultorias locais (da Argentina), os quais têm se mostrado sistematicamente errados nesse ponto”.
Milei prometeu manter o atual sistema de banda de flutuação do peso argentino ante o dólar, que permite a ampliação da faixa de oscilação (basicamente, de desvalorização) em 1% ao mês. Todavia, a crítica de muitos analistas domésticos e estrangeiros é a de que a inflação argentina vem subindo num ritmo mais acelerado do que 1% ao mês. Na prática, a taxa de câmbio real continuará se apreciando, o que não ajuda a resolver o problema no curto prazo.
Acontece que há uma bomba-relógio que ameaça o regime cambial argentino já no início de 2026: o vencimento de pagamentos de parcela substancial da dívida argentina. Segundo dados do FMI, no primeiro semestre de 2026 há um vencimento programado de um montante de US$ 5 bilhões em principal e outros US$ 3 bilhões em juros da dívida externa, mas boa parte desse valor já terá que ser desembolsado pelo governo argentino em janeiro, ou seja, daqui a menos de dois meses.
Antes da eleição legislativa, com o temor de uma derrota do partido de Milei (La Libertad Avanza), o peso argentino sofreu forte desvalorização. E a situação só foi possível de controlar, isto é, de manter o peso dentro da banda de oscilação, com uma injeção imediata (antes da data das eleições legislativas) de US$ 2 bilhões em pesos pelo Tesouro dos Estados Unidos. Esse dinheiro faz parte do socorro prometido pelo presidente americano Donald Trump, de US$ 20 bilhões em linhas de swap. A vitória nas urnas permitiu que a cotação do dólar se estabilizasse ao redor de 1.450 pesos desde então. No acumulado de 2025, a desvalorização do peso ante o dólar é de 40%. Os riscos, todavia, ainda pairam sobre o regime cambial argentino.
“Entre o fim de dezembro do ano passado e o fim de agosto deste ano, o governo argentino já gastou cerca de US$ 10 bilhões de suas reservas, se excluirmos o dinheiro novo do FMI e de outros organismos, como o Banco Mundial e o BID”, diz Brad W. Setser, especialista do Council on Foreign Relations (CFR). “A Argentina não deveria gastar suas reservas remanescentes e os US$ 20 bilhões prometidos pelos EUA defendendo uma banda cambial que provavelmente não irá se sustentar. Melhor é deixar o peso se ajustar – seja por permitir a livre flutuação, seja por ajustar a banda.”
Desse modo, o governo argentino poderia reconstruir suas reservas cambiais de um ponto de partida mais robusto, explica Setser.
Na opinião de Andres Borenstein e de Sofia Ordonez, analistas do banco BTG Pactual, o sistema de banda cambial atual pode não ser totalmente compatível com o objetivo de acumular reservas internacionais. “Fortalecer a posição externa [da Argentina] é mais importante do que manter o câmbio dentro da banda”, escrevem Borenstein e Ordonez, em nota a clientes.
O problema é que, diante das suas declarações ao Financial Times, Javier Milei não parece ter o mesmo senso de urgência de analistas e investidores para rever o regime cambial, aumentar suas reservas internacionais, e deixar as contas externas da Argentina menos vulneráveis.
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