Política
11/05/2020 13:56

Centrão quer governo 'gastador', e ala política busca flexibilização sem ser radical


Por Idiana Tomazelli e Camila Turtelli

Brasília, 11/5/2020 - Mais novo aliado do presidente Jair Bolsonaro, o bloco de partidos do Centrão quer um governo mais "gastador" e promete pressionar a equipe econômica para abrir as torneiras por meio de propostas no Congresso Nacional. A ala política do governo reconhece que precisará fazer acenos e conceder vitórias aos parlamentares para consolidar a aliança, mas a ordem até o momento é evitar uma "flexibilização radical" que coloque em xeque a agenda liberal e de austeridade fiscal do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Um "cavalo de pau" na economia neste momento poderia significar o desembarque de Guedes, o que só arranharia a imagem do governo Bolsonaro enquanto o presidente ainda busca sobreviver às crises econômica e política deflagradas pela pandemia do novo coronavírus e pelas acusações de tentativa de interferência em órgãos como a Polícia Federal.

Nas últimas semanas, Guedes recebeu em diferentes ocasiões o respaldo público do presidente após ter entrado na mira do "fogo amigo" por insistir no discurso de manutenção da política de ajuste fiscal na fase pós-crise. Mas o Centrão, fortalecido por Bolsonaro, deve continuar usando sua artilharia para buscar a aprovação de medidas de seu interesse no Congresso, ainda que isso signifique entrar em rota de colisão com o ministro da Economia.

Técnicos da área econômica reconhecem que a "mudança de eixo" nas negociações trouxe uma grande instabilidade no ambiente político, o que pode dificultar as negociações do Executivo e acabar abrindo a porteira para bondades que em tese nem caberiam no Orçamento. Alguns focos de atuação do Centrão têm sido as tentativas de tornar permanente o auxílio emergencial de R$ 600 a trabalhadores informais e de ampliar o valor do benefício pago a empregados com carteira assinada afetados por redução de jornada e salário ou suspensão de contratos.

Guedes, por sua vez, voltou a se aproximar do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com quem havia rompido por divergências na votação do projeto de socorro a Estados e municípios. Embora o governo tenha "virado a chave" e passado de uma negociação mediada pelos presidentes do Legislativo para uma conversa no varejo com os parlamentares do Centrão, o entendimento é que Maia ainda "tem a caneta na mão" para definir a pauta de votações e, por isso, é quem dita as regras do jogo político.

Um primeiro ensaio do atrito entre a orientação da ala política e da equipe econômica foi o aval dado pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), a uma emenda que blindou categorias de servidores da proibição a reajustes salariais nos próximos anos como contrapartida ao socorro a Estados e municípios. A votação contrariou posição de Guedes, mas, segundo o deputado, a ordem partiu de Bolsonaro. "Sou líder do governo e não líder de qualquer ministério", avisou Vitor Hugo.

Depois do episódio, Guedes defendeu o veto em uma entrevista ao lado do presidente, que, ao ser confrontado, avalizou a posição do ministro. O Congresso, porém, já fala em derrubar o veto aos reajustes salariais de servidores.

Disputa

O acirramento deve crescer nas próximas semanas. Na Câmara, a bancada do Nordeste - uma das mais influentes e que reúne em suas fileiras as principais lideranças do Centrão - é uma das mais engajadas na proposta de tornar o auxílio emergencial de R$ 600 uma política permanente de renda mínima aos brasileiros. Partidos do bloco também estão recebendo relatorias de Medidas Provisórias importantes, como a que concede crédito às empresas e a que reduz as alíquotas do sistema S.

Técnicos do Congresso lembram que a MP que define o novo valor do salário mínimo em R$ 1.045 ainda está em tramitação no Congresso e pode ser usada pelos partidos de como moeda de troca por acenos. O presidente do Solidariedade, deputado Paulo Pereira da Silva (SP), o Paulinho da Força, apresentou um emenda que pretende garantir aumento real ao piso nacional já este ano. Pela proposta, o valor subiria cerca de R$ 11 a mais em relação ao atual, onerando os cofres públicos em mais de R$ 3,3 bilhões só neste ano. Se a equipe econômica perceber risco real de aprovação, pode-se abrir uma brecha para negociações e barganhas.

Apesar dos atritos esperados, a área econômica acredita que poderá se beneficiar com a consolidação de uma base do governo mais ampla. Nas semanas anteriores à aproximação com o Centrão, a pasta tinha dificuldades de arregimentar deputados suficientes até para pedir verificações de placar, estratégia usada muitas vezes quando se quer derrubar uma sessão para evitar uma derrota. Entre auxiliares do ministro Paulo Guedes, a ordem é não alimentar as desavenças com o Centrão. "Base do governo é para votar com o governo", diz uma fonte. A equipe já emitiu sinais de que quer dialogar, sendo um parlamentar do bloco ouvido reservadamente. Oficialmente, o Ministério da Economia não quis se manifestar.

Na ala política, os movimentos também são cautelosos. Os integrantes do pelotão de frente da articulação do presidente mantêm o discurso de que o governo não tem espaço no Orçamento para fazer concessões vultosas, como seria a permanência do auxílio emergencial de R$ 600, cujo custo mensal deve passar dos R$ 40 bilhões. Até o momento, a expectativa do governo é justamente contar com os partidos do Centrão para manter o benefício como uma política temporária. O líder do governo na Câmara também já avisou que é preciso analisar o impacto das mudanças na MP que trata dos trabalhadores com carteira assinada.

Contatos: idiana.tomazelli@estadao.com; camila.turtelli@estadao.com
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