Política
08/10/2020 15:27

UE pode engavetar acordo com Mercosul, diz analista da Eurasia


Por André Marinho

São Paulo, 08/10/2020 - A crescente oposição na Europa ao acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, por conta do avanço do desmatamento na Floresta Amazônica, pode empurrar a ratificação do tratado para depois de 2022, quando acontecem eleições na França e no Brasil. É o que avalia o analista Filipe Gruppelli Carvalho, da Eurasia, em entrevista ao Broadcast. "Achamos que os europeus podem engavetá-lo e esperar a amenização de certas situações políticas", analisa.

Ontem, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução que diz que "o acordo não pode ser ratificado como está". Uma versão preliminar do texto proposta pela bancada francesa atribuía a rejeição simbólica à política ambiental do presidente Jair Bolsonaro. O trecho foi retirado do documento, mas a oposição ao projeto de integração comercial permaneceu.

Na avaliação de Carvalho, esse episódio mostra que há uma pressão para que a matéria só avance quando houver contenção do desmate ilegal no País. Para ele, é improvável que a pauta seja colocada em votação em curto ou médio prazo, já que provavelmente ela não teria os votos necessários para a ratificação.

Confira os principais trechos da entrevista:

Broadcast: Com essa rejeição simbólica do Parlamento Europeu, você acredita que o acordo ainda tem condições de passar pelo Legislativo?

Filipe Gruppelli Carvalho: Acreditamos que o acordo comercial será aprovado. Mas, com essas tensões ambientais e principalmente com uma demanda política na Europa por uma resposta mais agressiva do Brasil nessa área, é Comissão Europeia jogar isso para frente para frente, isto é, enviar para votação no Parlamento Europeu, porque o projeto não tem os votos. O acordo demorou 20 anos para ser negociado e não há interesse por reabri-lo. Achamos que os europeus podem engavetá-lo, esperar a amenização de certas situações políticas e tentar encontrar uma solução no futuro. O grande perigo é que os entraves jurídicos ainda não estão prontos, devem acabar por volta do fim deste ano.

Broadcast: O acordo comercial foi celebrado no ano passado como um vitória para a política externa de Bolsonaro. Qual é a possibilidade de a ratificação do tratado ficar para depois do mandato do presidente brasileiro?

Carvalho: É um risco possível, eu diria que médio. Os europeus ainda têm que esperar amenizar os debates políticos, finalizar entraves jurídicos, traduzir - o que demora alguns meses -, propor algo ao Conselho, que terá que decidir se aprova a associação ou se quebra. Até aí, já estamos em 2021. No meio do ano, já começa a temporada incêndios na Amazônia e a seca no Pantanal de novo, então pega esse noticiário ruim. Chega a 2022 e tem eleições na França e no Brasil. Então, eu diria que é um risco significativo de que isso não ande até as eleições.

Broadcast: O Brasil tem estado na linha de frente desse impasse. Como fica a posição dos demais países do Mercosul nessa conjuntura?

Carvalho: A Argentina, por exemplo, apesar de ter suas questões domésticas para resolver, ainda favorece andar em frente com o acordo com a União Europeia. Os outros tratados que estão sendo negociados, principalmente o com a Coreia do Sul, são mais difíceis. Então, o resto do bloco ainda está favorável ao acordo. Só que, ao mesmo tempo, eles estão reféns da posição brasileira por causa da necessidade de se negociar conjuntamente. Então, eu acho que tem um nível de frustração de outros países, porque o pacto não avança por conta da retórica brasileira. Boa parte da negociação do acordo é Brasil. A grande maioria das atenções vai para Brasil e Argentina. Poucos países têm interesse em firmar acordo com Paraguai e Uruguai. Então, fica mais focado nesses dois países.

Broadcast: Então, você diria que o acordo está nas mãos do Brasil?

Carvalho: É justo qualificar isso, porque o grande entrave realmente é o meio ambiente. Não é só necessariamente a retórica. Porque, mesmo que o Bolsonaro virasse um "ultra-ambientalista" nos próximos meses, não vejo como isso poderia solucionar o impasse do acordo, pois o que importa mesmo são os dados na Amazônia. A retórica é importante, mas no fim do dia o País não tem condições de fiscalizar a Floresta Amazônica para acabar com o desmatamento em curto prazo.

Broadcast: Parte dos defensores do acordo argumenta que a pauta ambiental é usada como pretexto por setores da agricultura europeia que poderiam perder mercado com a aprovação do pacto. Até que ponto isso é relevante?

Carvalho: Sim, existe isso. Mas não acho que essa seja a maior questão a ser considerada. No grande quadro político para aprovar isso, principalmente na Europa, se você tivesse o apoio da Comissão, das indústrias alemã e francesa, e não tivesse uma oposição dos ambientalistas, seria possível avançar com o tratado, mesmo contra esse lobby do agronegócio. Eles não teriam como segurar isso. Quando você adiciona o fator ambientalista, que é uma demanda geral do eleitorado europeu, isso combina para um peso político que é difícil para a Comissão Europeia suportar. Esses fatores juntos que pesam, mas eu não diria que é só o lobby do agro que está parando o acordo, porque teríamos esse lobby de qualquer forma, só que seria mais fácil sem essas manchetes com dados negativos.

Broadcast: O vice-presidente Hamilton Mourão está liderando a resposta às insatisfações internacionais com a questão da Amazônia. As ações dele ajudam?

Carvalho: Acho que não, porque o que o que o Mourão tem feito não necessariamente muda a balança em relação aos dados estão saindo da Amazônia. Acho que ele pode fazer essa diplomacia, tentar captar recursos para o Fundo Amazônia, mas no final do dia, o que vai contar mais são esses dados que a gente vê todo mês do Instituo Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre aumento do desmatamento na Floresta Amazônica e no Pantanal. Apesar de ser uma demonstração política importante, acho que é difícil que essas ações de Mourão sozinhas venham a destravar questões políticas mais amplas.

Broadcast: O que acontecerá se o desmate na Amazônia não for contido?

Carvalho: A UE poderia esperar as eleições de 2022. Essa seria solução. Já está quase chegando nesse nível, por conta das eleições francesas - o Macron não vai andar nada com o acordo no meio de sua campanha eleitoral. O grande trimestre a ser observado para entender o andamento do projeto será o terceiro do ano que vem. Eles não botar a pauta para votação agora e perder. Vão esperar a hora certa.

Contato: andre.marinho@estadao.com
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