Política
06/12/2017 08:37

Falta de recursos afeta órgãos de fiscalização do governo


Brasília, 06/12/2017 - A máquina de fiscalização e controle do governo sofre há cinco anos uma queda contínua de recursos. Falta dinheiro para consertar lanchas da Polícia Federal, atualizar os aplicativos dos postos da Receita e pagar gasolina dos carros dos fiscais que combatem o trabalho escravo no interior do País. A Controladoria-Geral da União, a CGU, teve de desocupar um prédio por não conseguir manter o elevador.

Um levantamento de dados do Sistema Integrado da Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) feito por técnicos do Congresso a pedido do 'Estado' mostra que a defesa sanitária, área do Ministério da Agricultura que controla produtos animais e vegetais, lidera o ranking de perda de orçamento. De 2013 para 2017, o setor sofreu uma redução de 93% dos recursos. O orçamento das ações de fiscalização de atividades agropecuárias caiu de R$ 26,4 milhões, valor corrigido pela inflação, para R$ 1,8 milhão. Isso porque, sem auditores agropecuárias e inspeções, cerca de 300 frigoríficos não tem licença para exportar carne.

A Associação Contas Abertas indica, por meio de análise também de números do Siafi, que as ações de combate ao trabalho escravo do Ministério do Trabalho receberam de janeiro até o último dia 10 de novembro R$ 4,5 milhões, bem abaixo dos R$ 9,52 milhões, valor também corrigido, disponibilizados em 2014. O órgão já foi informado pelo Ministério do Planejamento que não atingirá os R$ 6,8 milhões disponibilizados em 2016 e 2015. Auditores ouvidos pela reportagem relataram que o Ministério do Trabalho só conta com R$ 200 mil em caixa para ações de combate ao trabalho escravo até o fim do ano - cada expedição do grupo móvel de fiscais custa R$ 40 mil.

A Contas Abertas também apurou que, na área da Segurança da Sanidade na Agropecuária, Controle de Fronteiras e Segurança Fotozoossanitária no trânsito, o total gasto em 2016 foi de R$ 2,6 milhões, número inferior aos R$ 7,9 milhões usados no ano anterior.

A falta de verbas impôs limites às ações de auditores e agentes, com impactos não apenas na segurança de portos e aeroportos, mas na arrecadação. Na Receita Federal, uma resolução do Comitê de Execução Orçamentária, de setembro, publicado no Diário Oficial, determinou uma redução de 50% dos recursos destinados às operações especiais de vigilância e repressão aduaneira, 75% das despesas de diárias e custeio e 100% dos recursos destinados a equipamentos tecnológicos. Os postos de aduanas estão sem atualizar aplicativos de computadores. "Quem trabalha na Receita não é melhor que outros. Mas é preciso entender que a Receita é o órgão que arrecada e combate à sonegação", afirma Kléber Cabral do Unafisco. "Economizar na estrutura do órgão é reduzir a receita."

Procurada, a Receita não comentou sobre os cortes nem o montante previsto de queda de arrecadação. Atualmente, o órgão ligado ao Ministério da Fazenda possui dez mil auditores. Relatório recente do Tribunal de Contas da União (TCU) avaliou que é necessário o dobro. Nos últimos cinco anos, houve uma redução de mil auditores por processos de aposentadorias e desligamentos.

Trabalho escravo. Auditores do trabalho ouvidos pela reportagem relatam que a falta de dinheiro para deslocamentos afetou por dentro a política de combate ao trabalho escravo. O governo reduziu as ações em meio às polêmicas decisões do ministro Ronaldo Nogueira de barrar a divulgação da lista de empregadores que usam mão de obra escrava e a assinatura de uma portaria que afrouxou as regras do trabalho degradante. Dados do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) indicam que o corte de recursos da Secretaria de Inspeção do Trabalho atingiu 70% do orçamento deste ano. Na avaliação do sindicato, o corte está associado a uma política de desestruturação do setor. Procurado, o Ministério do Trabalho não quis comentar o assunto.

CGU. No cenário de falta de recursos, a Controladoria-Geral da União não vê perspectiva de preencher cargos de servidores que se aposentam nos próximos anos. O decreto de criação da CGU previa, em 2002, cinco mil servidores. O quadro atual é de 2,3 mil funcionários, entre auditores e técnicos. Rudinei Marques, do Sindicato Nacional dos Auditores e Técnicos Federais de Finanças e Controle (Unacon), relata que nas visitas às superintendências da CGU nos Estados, é visível o impacto dos cortes nas ações de fiscalização de programas com recursos federais. "Faltam combustíveis e dinheiro para deslocamentos para municípios mais afastados", ressalta. Em estados como Acre, Amapá e Rondônia, há apenas dez auditores para analisar a aplicação de recursos públicos. "Muita coisa está deixando de ser feita."

Por meio da assessoria, a CGU informou que o corte de R$ 37,9 milhões no orçamento da pasta neste ano acabou descontingenciado. "Dessa forma, não houve redução, mas a reprogramação das atividades de auditoria e fiscalização em função de contingenciamentos temporários ocorridos durante o exercício", destacou. A CGU ressaltou que até o ano de 2020, a estimativa é de que 437 servidores tenham direito a se aposentar, sendo 309 Auditores Federais de Finanças e Controle e 128 Técnicos Federais de Finanças e Controle. "Existe, portanto, a possibilidade da redução da força de trabalho para 1.811 servidores da carreira de Finanças e Controle, sem considerar as vacâncias por motivos diversos que não a aposentadoria."

Polícia Federal. A última lancha da PF para combater tráfico de armas foi comprada há 12 anos. Só quatro agentes da Polícia Federal atuam no aeroporto de Brasília, um dos maiores terminais do País. Análises internas do órgão destacam que são necessários 30 para fazer a fiscalização. Na região de fronteira seca, são 1.200 agentes e na fronteira molhada, 150. Dos dois veículos aéreos não tripulados, os vants, para patrulhar a fronteira um não voa há mais de um ano e outro está encaixotado. O presidente do Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal (Sindipol-DF) e vice-presidente da Federação Nacional de Policiais Federais (Fenapef), Flávio Werneck, afirma que não há investimentos em embarcações desde 2005. Nesse ano, foram compradas 11 lanças blindadas de 45 pés, 30 botes interceptores de 7,60 metros e de 5 metros. "Metade das embarcações adquiridas em 2005 estão fora de uso, seja por falta de manutenção, seja por desgaste natural do tempo", afirma. Viagens e diárias foram reduzidas. Ele observa que houve uma queda de 59,3% de apreensões nas fronteiras de 2012 para 2016. A assessoria do Ministério da Justiça foi procurada, mas não retornou o contato.

A falta de auditores é um gargalo para o setor de carne industrializada, que teve um aumento de 344% nas exportações de 2002 para cá. Há 15 anos, o número de servidores nas inspeções continua em cerca de 2.600. "Desse total, 54% têm requisitos para se aposentar", observa Maurício Rodrigues Porto, do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical). "O quadro ideal seria de quatro mil servidores", ressalta.

Dados repassados por auditores ao sindicato indicam que três centenas de plantas de frigoríficos estão na dependência da atuação de equipes de auditores, uma exigência dos mercados externos. "O fato é verdadeiro, sim. As empresas estão sofrendo", afirma o ministro da Agricultura, Blairo Maggi. Ao 'Estado', ele observa que conseguiu arrancar do governo um concurso par 300 médicos veterinários e a contratação de profissionais temporários. O ministro prevê, no entanto, que terá um "trabalho" maior no próximo ano para se adequar à falta de recursos. "Estamos fazendo uma força tarefa para resolver isso."

Marcos Lessa, vice-presidente do Anffa Sindical, avalia que a contratação dos temporários foi uma forma de o governo atender a uma auditoria da Comunidade Europeia prevista para as próximas semanas. "O problema do contingenciamento não é de hoje. Infelizmente, o agronegócio, principal fonte de renda, não é bem cuidado. O governo cria paliativos e não foca na resolução do problema", diz o vice-presidente da entidade.

A assessoria do Ministério da Agricultura ressaltou que, até o momento, foram preservados de cortes mais de 80% do orçamento previsto para este ano. Na avaliação do secretário de Defesa Agropecuária do ministério, Luis Rangel, o patamar é considerado aceitável para a verificação dos índices de conformidade dos diferentes produtos e insumos fiscalizados. De acordo com ele, segundo a assessoria, foi, também, possível sustentar os custos das análises dos laboratórios nacionais agropecuários (Lanagros), promovendo economia média de 20% a 25% nos contratos desses laboratórios. (Leonencio Nossa)
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