Economia & Mercados
24/01/2022 18:15

Especial: Investidor vê risco de 'caixa-preta' como barreira no 1º leilão de portos do País


Por Juliana Estigarríbia

São Paulo, 24/01/2022 - O leilão da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), marcado para o próximo dia 25 de março, promete ser o grande laboratório para o programa de desestatização de autoridades portuárias do País, principalmente do Porto de Santos. Apesar do interesse do mercado, os desafios de modelagem vêm afastando potenciais competidores, como operadores logísticos e grandes fundos de investimentos, especialmente diante da dificuldade do governo federal de mapear, com assertividade, todos os passivos acumulados por décadas nos complexos portuários.

Na concessão da Codesa estão incluídos os portos de Vitória e Barra do Riacho, em um contrato de 35 anos (prorrogáveis por mais cinco em caso de necessidade de investimentos adicionais). Estão previstos investimentos diretos de R$ 1,3 bilhão.

No Porto de Vitória, o potencial estimado pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) é dobrar a movimentação de cargas de 7 milhões de toneladas para 14 milhões de toneladas por ano. Trata-se de 500 mil m² e 14 berços de atracação, boa parte operada atualmente pela autoridade portuária. Já o Porto de Barra do Riacho tem uma movimentação atual de 8 milhões de toneladas por ano, 860 mil m² de área total disponível, dos quais 522 mil m² são greenfield (sem intervenção anterior). O ativo conta com dois berços de atracação dedicados à movimentação de granel líquido e acessos terrestres por pera ferroviária (Vitória-Minas) e pela BR-101.

Conforme apurou o Broadcast, apesar do potencial, grandes empresas que avaliaram entrar no leilão não gostaram do modelo de "porteira fechada", em que o potencial comprador precisa precificar o ativo por sua conta e risco. De operadores logísticos a fundos de investimentos de infraestrutura, os interessados colocaram o pé no freio e reavaliaram sua participação no certame.

O leilão da Codesa terá outorga mínima de R$ 1 e, além de adquirir ações da autoridade portuária, o vencedor terá que assumir compromissos e o endividamento existente na companhia. Adicionalmente, a nova administradora deverá pagar à União contribuições fixas anuais, no valor de R$ 24,75 milhões, e variáveis, equivalentes a 7,5% da sua receita. Há também uma taxa anual de fiscalização à Antaq de R$ 3,188 milhões.

O sócio de infraestrutura do Machado Meyer Advogados, Rafael Vanzella, explica que os portos brasileiros têm inúmeros problemas como dívidas trabalhistas, passivos ambientais, fiscais e regulatórios, discussões sobre investimentos que deveriam ter sido feitos pela autoridade portuária, disputas entre os terminais arrendados e a administração do porto - além da Antaq -, bem como pleitos de reequilíbrio de contrato.

Para promover o leilão, o governo oferece um data room com todas as informações sobre os ativos para que postulantes possam elaborar suas propostas. No entanto, a prática do mercado em casos de fusões e aquisições é adotar o processo de due diligence (estudo e análise do ativo) em que o vendedor abre, de forma detalhada, as informações da empresa. No leilão da Codesa, o governo federal fez o seu due diligence e resta ao interessado formular sua proposta apenas com estas informações.

"O mercado reconhece que, em tese, todos os elementos positivos e negativos do ativo estão disponíveis no data room, mas os investidores também entendem que há uma dificuldade por parte do governo de dimensionar o real tamanho dos passivos", explica Vanzella. "Há uma espécie de 'caixa-preta' nos portos que o governo federal está tentando abrir, mas os interessados no leilão estão reticentes porque gostariam de fazer seu próprio due diligence."

Harmonia

O especialista afirma que, na modelagem do leilão da Codesa, o edital tentou não deixar apenas o "osso" da operação para a União, ou seja, somente os passivos. Neste sentido, o governo estaria tentando "harmonizar interesses", o que em sua visão é positivo. "Hoje, há uma política de Estado que procura não se colocar de forma subalterna aos interesses do mercado, mas com projetos atrativos. Buscar esse ponto de equilíbrio é um desafio para qualquer um."

O presidente da BF Capital, Renato Sucupira, observa ainda que o ano de eleições não costuma favorecer uma grande disputa como a da Codesa. "Lá se vão quase dois anos de pandemia, não tem empresa que esteja realmente bem. Este não é o melhor momento para se colocar o leilão da Codesa, mas isso tem que acontecer, afinal, a cada dois anos temos eleições e o Brasil está sempre esperando."

Ele pontua que diante das incertezas econômicas no País, a competição deve ser limitada. "Acredito que o leilão deva atrair interessados, mas que de alguma forma estão ligados ao setor ou já atuam no Brasil. Quem está pensando em entrar no País não deve vir agora."

Vanzella relata que países como a Holanda, Alemanha e Austrália optaram por algum componente de participação privada na organização da autoridade portuária, cada um à sua maneira. "O Brasil tem hoje o benefício de se inspirar em outros modelos de países que o fizeram com sucesso, mas não necessariamente a Codesa será facilmente replicável", avalia. "O Porto de Santos é o maior do hemisfério Sul, com uma diversidade enorme de importação e exportação, e isso torna muito complexa a sua administração."

Contato: juliana.estigarribia@estadao.com
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