Economia & Mercados
07/03/2022 09:08

Especial: possível calote russo e Fed trazem dia D para mercados no dia 16


Por Cynthia Decloedt

São Paulo, 04/03/2022 - A iminência de a Rússia deixar de honrar compromissos com sua dívida externa pela primeira vez em 24 anos e uma das mais aguardadas reuniões do Federal Reserve, o banco central norte-americano, farão da quarta-feira, dia 16, um dia D para os mercados financeiros.

Enquanto as expectativas da primeira alta do juro norte-americano desde 2015 já estão praticamente embutidas nos preços dos ativos, é grande a apreensão nos mercados quanto ao desfecho de um eventual anúncio de calote pelo governo da Rússia em pagamentos de US$ 117 milhões em juro de dois títulos de dívida (bonds) que juntos somam US$ 4,5 bilhões. Acima do montante que está vencendo, que é pequeno se comparado às reservas de cerca de US$ 600 bilhões do país, o evento tem repercussões bastante graves, ao potencialmente provocar quebra em cadeia de outras dívidas e de bonds de empresas russas.

Os bonds são também usados como garantia em empréstimos feitos por pessoas jurídicas ou físicas junto a bancos, muitos deles que já estão sendo chamados para cobrir suas margens. O chamado ‘lending value’ da maioria dos ativos russos passou para zero. Não a toa, os bancos europeus estão sendo penalizados nos mercados, por exposições de diversos tipos que têm em Rússia. Não só eles, muitos fundos dedicados a mercados emergentes ou que tem estratégias em várias moedas tem exposições em bonds russos, as quais o mercado ainda busca entender.

“A Rússia é um mercado emergente muito grande e muitos investidores alocados seja via mercado de capitais ou por meio de empréstimos diretos”, diz o responsável pela área de emissão de dívida local e internacional do UBS BB, Samy Podlubny. Segundo ele, muitos investidores estão sentados em suas posições, uma vez que as sanções impostas contra a Rússia restringem a compra de papéis russos nas grandes casas e instituições financeiras, que seguem regras de compliance rígidas.

“Os investidores estão travados nesses papéis e não será fácil sair deles”, comenta. Nesse caso, o que pode acontecer é o gestor que precisa fazer frente a saques, venda outra emergentes e o Brasil é, nessa situação, um alvo, dado o fato de possuir um volume de bonds relevante no mercado.

O total de bonds emitidos pelo Brasil em circulação nas mãos de investidores é de US$ 213 bilhões, sendo US$ 42 bilhões do governo. Rússia tem US$ 147 bilhões em bonds em circulação, dos quais US$ 40 bilhões soberanos. Podlubny conta que alguns fundos europeus estão inclusive colocando restrição a saques para evitar numa situação extrema de ficarem apenas com papéis russos nas carteiras.

O executivo do UBS-BB tem, entretanto, uma visão positiva para o médio prazo, especificamente, quando o risco de ampliação da guerra acabar. Ele lembra que a Rússia já vinha perdendo investidores desde a invasão da Crimeia, em 2014, e que o ataque à Ucrânia fará não só do país, mas da região, opções de alto risco. Nesta cesta, ele inclui a Turquia, que está na área de influência da Rússia, e a China que ficou manchada pela quebra das incorporadoras no ano passado.

“Está sobrando pouca geografia para alocar em mercados emergentes e América Latina passa a ser foco, com o Brasil, pelo seu tamanho, na frente”, prevê. Podlubny lembra que essa lógica é permeada por várias incertezas ainda, que vão desde o desfecho da crise em si até o impacto de sua duração na inflação e crescimento global, além do nosso risco político.
Problema

Um dos bonds emitidos pelo tesouro russo com juro a ser pago no dia 16, soma R$ 3 bilhões e vence em 2023. O juro anual desse papel é de 4,875%. O outro soma US$ 1,5 bilhão, paga juro anual de 5,875% e vence em 2043.

Além da dúvida sobre qual seria o incentivo para a Rússia honrar essa dívida, dado que está sofrendo pesadas sanções econômicas do Ocidente, há uma questão prática, porque o país foi banido do sistema Swift, de pagamentos internacionais, desde o início da invasão.

Os bonds russos já perderam boa parte de seu valor nas cotações do mercado desde o dia 17 de fevereiro, especialmente de empresas que tem grande relação com o governo, como o banco VTB (-85%) e a Gazprom (-69%).

Há especulações de que a Rússia poderia recorrer à China, que tem apoiado o pais, para fazer um pagamento. Para isso, poderia usar yuans e ouro que compõem uma parte dos cerca de US$ 600 bilhões de suas reservas.

Contato: cynthia.decloedt@estadao.com
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