Economia & Mercados
05/11/2021 13:39

COP26/Maureen Santos: com anúncio de US$ 100 mi, países evitam regulação


Por Célia Froufe

Brasília, 05/11/2021 - O anúncio de US$ 100 milhões alardeado logo no começo da COP26 de Glasgow e voltados a ações de combate ao desmatamento dá um poder extraordinário, e fora dos acordos da Convenção do Clima, para os países que estão destinando esses recursos em relação aos beneficiários do Sul. A avaliação foi feita ao Broadcast pela Coordenadora do Grupo Nacional de Assessoria da ONG FASE e professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, Maureen Santos, a partir de Amsterdã, onde faz uma conexão para chegar ao evento na cidade escocesa.

Segundo ela, com essa empreitada “por fora”, os países evitam regulação e dispensam o equilíbrio de poderes do organismo multilateral. “Se fazem fundos bilaterais, quem manda é quem está dando dinheiro”, considerou. Além disso, é possível que esses recursos sirvam, adiante, como crédito de carbono. “É muito grave ver que os países ainda ficam por fora do multilateralismo, fazendo um monte de promessas”, continuou.

A professora também já perdeu uma parte do seu otimismo em relação a um consenso no evento sobre a construção das regras para o mercado de carbono global. “No início da COP26, parecia que os países estavam com mais boa vontade para fechar”, analisou. Leia abaixo a entrevista:

Broadcast - Quais são as expectativas para as negociações em torno do mercado de carbono na COP26, já que temos a informação de que estão difíceis?

Maureen Santos -
Está caminhando o processo, mas aparentemente está difícil. Hoje começou o debate do artigo 6.4 do Acordo de Paris (sobre geração de redução e remoções de emissões com base em projetos privados, certificados e validados por um órgão supervisor do Acordo de Paris). O 6.2, que tem a ver com a transferência de mitigação de emissões entre os países, já tinha começado. O 6.4 é de interesse do Brasil por causa do mecanismo de desenvolvimento sustentável para o financiamento de projeto privado. E tem o 6.8 que teve uma boa proposta e o Brasil está dando apoio, mas tem muita oposição dos países do Norte, em especial. No início da COP, parecia que os países estavam com mais boa vontade para fechar (o novo mercado de carbono). O livro de regras é muito importante porque o acordo não começou a ser implantado. Precisamos disso, e já estamos atrasados.

Também temos bastante crítica a essas soluções de mercado para o enfrentamento da crise do clima, porque são antigas. Os artigos 6.2 e 6.4 são próximos do arranjos do Protocolo de Kyoto, que tinha meta obrigatória, e percebemos que já foi um fracasso. Agora as metas são mais frágeis, e os países dizem quanto e como vão cortar, como vai reportar...

Broadcast - Fora que prometem agora para outro governante no futuro mostrar que cumpriu sem detalharem como isso vai ocorrer...

Maureen -
Isso também. Já é uma coisa mais fácil do que quando se tem uma meta de cima para baixo, e mesmo assim tem uma possibilidade de flexibilizar. Quando temos vários relatórios mostrando os impactos climáticos que já acontecem hoje, é muito grave ver que os países ainda ficam por fora do multilateralismo, fazendo um monte de promessas. Foi isso o que aconteceu no encontro de líderes em relação às declarações que foram aprovadas. Isso fragiliza o Acordo de Paris e cria flexibilidade. Do ponto de vista do objetivo, isso acaba atrapalhando a meta de aquecimento de até 1,5 grau. Do ponto de vista do mercado, quem se beneficia é quem mais vem criando problemas, e não de quem cuida do meio ambiente. Quando esse recurso chega para as populações, chega por meio de contatos privados, que têm impacto direto ao modo de vida das comunidades.

Broadcast - Soube do manifesto que fizeram contrário às discussões que estão ocorrendo hoje. Pode falar mais sobre isso?

Maureen -
Sim, o mercado de carbono dá uma espécie de licença para poluir. Você fere a sua meta para que alguém compense por você.

Broadcast - Este é um ponto, mas não é a única saída prática que temos hoje para avançarmos nessa questão?

Maureen -
Sim, mas a questão da governança pode deixar as coisas menos piores, assim como regulação. O 6.2 não trata de governança. Como é que se dará esse processo? Há várias questões em jogo que os países não estão falando. O Brasil tem posição boa sobre o tema, fala sobre como isso deve ser feito. O 6.4 tinha governança, mas não era efetiva. O 6.2 não tem nada do jeito como está. O que seria muito bom? Modelo de Adaptação realmente robusto. Porque os milhões que estão se anunciando estão fora do acordo sobre a abordagem de financiamento aprovada pela Convenção do Clima. Por que estão fazendo isso é uma pergunta.

Broadcast - E por quê estão fazendo isso?

Maureen -
Porque não querem a regulação, porque quando fazem por fora, é cada um por si. Dispensa o equilíbrio de poder desses países, que é mais favorável para os países do Sul. Se faz fundos bilaterais, quem manda é quem está dando dinheiro. Não tem nada escrito na declaração, mas, com esse por fora, a possibilidade de esses financiamento servirem como crédito de carbono é muito maior. Se fosse na abordagem do plano Redd (Redução de Emissões de gases de efeito estufa provenientes do Desmatamento e da Degradação florestal), seria via pagamento por meio de resultado, e que não prevê compensação de carbono. É o que o Fundo Amazônia fazia. O Brasil tem um waiver sobre isso, tem uma legislação.... O primeiro financiamento foi por meio do Fundo Verde do Clima. Ao mesmo que atrasa para onde vai vir o total de US$ 100 milhões. Está se contabilizando uma série de coisas, até financiamento a questões ligadas ao combate à pandemia de Covid por países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Estava uma vergonha, dizendo que era financiamento climático. E tem a questão da urgência. Precisamos de soluções reais, que não passam fora de garantir a sobrevivência das populações dentro de seus territórios.

Contato: celia.froufe@estadao.com
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