Economia & Mercados
01/07/2022 15:53

Especial: Órgãos apertam o cerco contra ativos digitais em meio a 'inverno das criptomoedas'


Por Aline Bronzati, correspondente

Nova York, 30/06/2022 - Órgãos de controle e regulação ao redor do globo têm fechado o cerco em relação aos ativos digitais diante da turbulência enfrentada pelo setor, que foi atingido em cheio pelo aperto monetário dos bancos centrais para combater a elevada inflação. O 'inverno das criptomoedas', como tem sido chamado a mais grave crise do setor por especialistas, pode resultar em regras mais duras e exigir que os países agilizem o arcabouço regulatório para minimizar os riscos do segmento e à estabilidade financeira.

Em seu relatório econômico anual, o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), uma espécie de banco central dos bancos centrais, fez um alerta para o momento de "turbulência" enfrentado pelo universo de criptomoedas, que se multiplicou nos últimos anos. Na última contagem, conforme a entidade, com sede em Basileia, na Suíça, havia mais de 10.000 moedas digitais no mundo.

"Eventos recentes mostraram como falhas estruturais impedem que as criptomoedas atinjam os níveis de estabilidade, eficiência ou integridade necessários para um sistema monetário adequado", atentou o BIS, no documento.

Hoje, o Comitê de Supervisão Bancária da Basileia (BCBS, na sigla em inglês) deu um passo além e sinalizou com a possibilidade de regras mais duras ao setor de criptoativos. Debruçada em um novo arcabouço regulatório para o segmento, a entidade abriu uma segunda consulta pública sobre o tema em meio à ebulição dos ativos digitais. O mercado será ouvido até 30 de setembro.

O objetivo, afirma o Comitê de Basileia, é concluir ainda neste ano as novas regras sobre o tratamento prudencial das exposições de bancos a criptoativos, considerando as sugestões já reunidas na primeira consulta, realizada em 2021. A estrutura considerada pela entidade divide esse mundo em dois. De um lado, criptoativos elegíveis para seguirem as regras de Basileia, que estabelecem o capital mínimo dos bancos, mas com algumas mudanças. Do outro, aqueles não lastreados e stablecoins com mecanismos de estabilização ineficazes, sujeitos a um tratamento prudencial conservador diferente e um novo limite para exposições brutas.

"As normas podem ser reforçadas se forem identificadas deficiências nas propostas de consulta ou se surgirem novos elementos de risco", afirma o Comitê de Basileia. A entidade diz ainda que continuará monitorando o mercado durante a consulta, levando em conta a "rápida evolução e a natureza volátil" dos criptoativos.

A queda do valor das criptomoedas e o colapso de alguns nomes do setor têm reforçado o alerta para este universo. No início do ano, os ativos dessa indústria tinham valor de mercado estimado em US$ 3 trilhões. De lá para cá, essa cifra despencou, com algumas moedas passando a valer entre 70% e 90% menos do que o pico visto no auge desse mercado, em 2021, em meio à fuga de investidores de ativos de risco ante o processo de subida de juros nas economias para combater a alta inflação.

O inverno cripto também tem sido pautado pela eclosão de nomes do segmento. Em questão de dias, o ecossistema Luna foi à ruína, com o fim da criptomoeda TerraUSD e que levou consigo US$ 40 bilhões de investidores, acusada de pirâmide financeira. Essa semana, um eventual calote por parte do fundo Three Arrows Capital (3AC) de mais de US$ 670 milhões, também ganhou o noticiário. O 'fim da festa' das criptomoedas têm ainda sido destaque em jornais estrangeiros como "The Wall Street Journal" e agências de notícias internacionais.

A primeira grande guerra - embora, não a primeira crise - enfrentada pelos ativos digitais tem chamado ainda a atenção do Grupo de Ação Financeira contra Lavagem de Dinheiro e Financiamento ao Terrorismo (Gafi/FATF, na sigla em inglês). Nos últimos anos, o organismo, entidade intergovernamental criada em 1989 por iniciativa dos países-membros da OCDE e outros associados, passou a olhar para esse universo e a cobrar seus membros por boas práticas.

Apesar disso, na visão do Gafi, pouca coisa melhorou. No último ano, houve um "progresso limitado" dos países associados na adoção de regras voltadas a criptoativos no último ano, conforme relatório publicado hoje pela entidade. Das 98 jurisdições que integram a entidade, somente 29, afirma, aprovaram leis relevantes, sendo que apenas um pequeno grupo deu início à fase de implementação.

"Isso demonstra uma necessidade urgente de as jurisdições acelerarem a implementação e a aplicação para mitigar o uso criminoso e terrorista de ativos virtuais", avalia o Gafi.

O Gafi não abre os nomes dos associados. No Brasil, a representação no Grupo é liderada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) com as áreas internacionais de outros órgãos, tais como o Banco Central (BC), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Superintendência de Seguros Privados (Susep).

Para o BIS, é necessária uma ação regulatória para lidar com os riscos imediatos do universo cripto e os bancos centrais atuarem com "rigor". Isso porque se, de um lado, os ativos digitais têm benefícios como o fato de serem sistemas "sempre ativos", permitindo transações 24 horas por dia, sete dias por semana, com rapidez e facilidade, do outro, afirma, são cercados de "riscos de perdas e instabilidade financeira".

"Os bancos centrais e os reguladores precisam mitigar os riscos à estabilidade financeira que surgem da exposição de bancos e intermediários financeiros não bancários ao espaço criptográfico", afirma o BIS, em capítulo dedicado ao tema, em seu relatório econômico anual, divulgado no último domingo. A entidade também defende uma cooperação global entre os bancos centrais para tratar do tema.

O alerta de organismos mundiais ocorre enquanto autoridades monetárias de países como os Estados Unidos, Brasil e da Europa tentam avançar no tema. Recentemente, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), Jerome Powell, disse que a instituição "monitora com cuidado" as criptomoedas, mas que não vê um "risco sistêmico". O Congresso americano debate uma legislação para regular o mercado de criptoativos.

Enquanto isso, no Brasil, também há um projeto de regulação dos criptoativos em tramitação na Câmara dos Deputados, o primeiro passo para endereçar um arcabouço de regras para o segmento no País. Depois de aprovado, o que é esperado para as próximas semanas, o texto será encaminhado à sanção presidencial, sendo o BC brasileiro o futuro regulador deste mercado.

Contato: aline.bronzati@estadao.com
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