Economia & Mercados
15/05/2023 09:32

Entrevista: 'Esperamos o mínimo de alteração no arcabouço fiscal', diz Haddad


Por Eduardo Gayer, enviado especial

Niigata, Japão, 12/05/2023 - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mantém-se próximo à discussão do arcabouço fiscal apesar da distância oceânica que o separa de Brasília. No Japão para o G7 Financeiro, o ministro, em razão do fuso horário, tem acordado de madrugada para acompanhar o estica e puxa do relatório a ser apresentado pelo deputado federal Cláudio Cajado (PP-BA).

Em entrevista exclusiva ao Broadcast, no saguão do hotel em que está hospedado em Niigata, cidade-sede da cúpula multilateral, o petista afirma esperar que haja o mínimo de alteração no texto do arcabouço fiscal despachado pela equipe econômica. "Nós construímos uma proposta calibrada. Tanto é verdade que os dois lados estão querendo estressar para seu lado", defende o ministro.

Haddad faz um balanço sobre a viagem oficial ao Japão - ele começa o retorno ao Brasil amanhã -; prevê inflação controlada no ano que vem, embora evite comentar sobre alterações no regime de metas; e assegura não ter conversado com o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, sobre a presidência do Banco Central. Nos corredores de Brasília, diz-se que a indicação de Galípolo para a diretoria de Política Monetária da autoridade, confirmada por Haddad na última segunda-feira, foi uma oferta-casada para a sucessão de Roberto Campos Neto.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Broadcast: O senhor foi o primeiro ministro da Fazenda brasileiro a participar do G7. De que forma o contato com os países do grupo pode ajudar a economia brasileira e qual o saldo da viagem?

Fernando Haddad: É bastante claro que o fato de o Brasil assumir a presidência do G20 no ano que vem foi central para o convite, tanto para mim quanto para o presidente Lula. Há uma preocupação com o recrudescimento das tensões e dos problemas clássicos, como mudança climática, desigualdade, e a questão democrática. Mas há questões novas que surgiram com o aumento dos juros no mundo inteiro em virtude da inflação e das cadeias de suprimento, que é a crise da dívida. Muitos países estão endividados. Eu tive uma bilateral com a Índia, que preside o G20 agora, buscando um roteiro para que não haja solução de continuidade. A primeira providência foi estar bastante próximo da Índia, para no segundo semestre fazermos uma transição robusta [da presidência do G20].

Broadcast: O senhor falou muito sobre Argentina nos encontros bilaterais…

Haddad: Eu falei em duas ocasiões sobre Argentina, com a Janet Yellen [secretária do Tesouro americano] e com a Kristalina Georgieva [diretora-gerente do FMI].

Broadcast: E qual foi a recepção da Kristalina, a mais interessada na questão da Argentina?

Haddad: Fiz chegar uma consideração do Brasil sobre a importância geopolítica da Argentina, não apenas para a América do Sul. Penso que a situação da Argentina inspira cuidado global, por isso a trouxe para o G7. A Kristalina, nos minutos em que estivemos juntos, relatou as negociações que vêm sendo feitas com a Argentina. Ela sabe da seca severa que a Argentina está enfrentando. A principal assessora dela, a Gita [Gopinath], está indo ao Brasil. Nós combinamos que ela [Gita] vai detalhar mais a situação da Argentina para nós e como o FMI está vendo a Argentina neste momento.

Broadcast: Falando de inflação, o senhor se reuniu aqui no Japão com a secretária Yellen. Os Estados Unidos, assim como o Brasil, enfrentam o remédio amargo do juro alto para conter a inflação. O senhor e Yellen chegaram a conversar sobre política monetária?

Haddad: Foi mais com Stiglitz sobre isso [política monetária]. Conversamos sobre vários assuntos, integração regional, papel do Brasil e sobre essa anomalia que é o juro brasileiro, o mais alto do mundo. E como a inflação projetada para o ano que vem [no Brasil] é bastante controlada.

Broadcast: Ainda sobre inflação, o senhor já disse que vê a meta de inflação contínua como um instrumento mais eficiente do que a meta-calendário. Uma alteração no tipo de meta ou no seu nível será discutida no Conselho Monetário Nacional (CMN) de junho?

Haddad: Tenho procurado ser muito rigoroso com o plano de voo que estabelecemos. Tínhamos as indicações de diretores do Banco Central, que foram feitas. Agora temos a aprovação do arcabouço fiscal. Só depois disso vou tratar de outro assunto. A ordem dos fatores altera o produto. Estamos com uma agenda forte de coibir sonegação, promover as reonerações, defender o ponto de vista da Receita e do Tesouro no Judiciário e no Congresso. Nós estamos sendo muito bem sucedidos nessa agenda, até aqui. Já há um reconhecimento internacional do trabalho que o governo Lula tem feito. E isso foi manifestado claramente pela Kristalina, que saudou os esforços.

Broadcast: O Congresso já sinalizou que deve promover mudanças no texto do arcabouço fiscal, cujo relatório final foi adiado devido à viagem do senhor. Os parlamentares do Centro estão cobrando um texto mais duro nas punições em caso de descumprimento da meta. Já no PT, querem um arcabouço light. O impasse está grande lá no Brasil. O que o senhor prevê que será alterado no texto final do arcabouço e em que direção?

Haddad: Nós construímos uma proposta calibrada. Tanto é verdade que os dois lados estão querendo estressar para seu lado. É só a demonstração de que está calibrado. Se não houvesse insatisfação dos dois lados, teria algo errado na calibragem. Nós procuramos linha fina entre equilíbrio fiscal e paz social, desde sempre o mote do discurso do presidente Lula. Relembrando o que ele próprio como presidente já fez, o equilíbrio entre fiscal e social, até porque são indissociáveis. Penso que a calibragem está bem feita e esperamos que haja o mínimo de alteração. Os parâmetros estão adequados para a situação política e social que o Brasil vive.

Broadcast: Desde a confirmação de Gabriel Galípolo como indicado do governo para uma diretoria do BC, há uma avaliação de que essa seria uma indicação casada - ou seja, com promessa de Galípolo assumir a presidência do BC em 2025, com a saída de Roberto Campos Neto. É fato?

Haddad: Não discuti com Galípolo a presidência do Banco Central. Até porque ele estabeleceu um diálogo profícuo com Roberto Campos Neto. Nós vimos uma oportunidade de estimular o debate técnico, uma vez que o próprio mercado está dividido em torno da oportunidade imediata de começar ciclo de baixa de juros.

Contato: eduardo.gayer@estadao.com
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