Economia & Mercados
11/10/2021 16:33

Especial: estagflação já se desenha no horizonte, apesar de IPCA de setembro abaixo do previsto


Por Maria Regina Silva e Thaís Barcellos

São Paulo, 08/10/2021 - O cenário de pressão inflacionária somado ao de crescimento econômico baixo aumenta o temor entre economistas e especialistas no sentido de que o Brasil esteja prestes a encarar uma estagflação. Embora poucos entendam que o País já passe por esse processo, os entrevistados pelo Broadcast são unânimes em afirmar que este quadro é latente, dadas as revisões recentes de alta para a inflação oficial em 2022 e no sentido oposto para o Produto Interno Bruto (PIB) para este e o próximo ano.

Certo é que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2021 já deve fechar bem acima do teto da meta, na faixa de 8,51%, deixando uma inércia elevada para a inflação de 2022, cuja mediana no Boletim Focus já é de 4,14%, distante do alvo central de 3,5%. Em setembro, apesar de o IPCA ter ficado aquém da mediana de 1,25% (em 1,16%), o acumulado em 12 meses foi a 10,25%.

Este encarecimento da cesta de produtos, por sua vez, tem reduzido a demanda por vários itens, esfriando a atividade doméstica. Nesta semana, por exemplo, o alerta veio das vendas varejistas de agosto, que caíram, contrariando as expectativas de expansão no conceito restrito e de queda menos intensa no ampliado. O processo de estagflação é caracterizado por um processo em que a economia não cresce ou tem expansão mínima, mas a inflação é alta, ou maior do que o normal.

Conforme os entrevistados, há mais riscos de uma inflação maior neste e no ano que vem do que fatores que podem puxá-la para baixo. O economista Fábio Romão, da LCA Consultores, por exemplo, não descarta a possibilidade de uma taxa maior do que a estimada de 4,5%, exatamente por causa das pressões deste ano, apesar de esperar que o IPCA de 2022 feche dentro do intervalo da meta - o teto é de 5,0%.

"Há risco de ficar mais alta pela própria indexação. Um IPCA de 8,7%, que é a nossa projeção para 2021, já carrega bastante inércia. Outro risco é o câmbio, por ser ano eleitoral, além da questão climática e hídrica", cita.

Há ainda os gargalos nas cadeias produtivas e as crescentes preocupações com o fornecimento de energia mundial, sem falar dos temores com a crise hídrica no Brasil. Além disso, a expectativa de normalização da política monetária americana e a proximidade da eleição no Brasil têm pressionado o dólar, reforçando ainda mais temores inflacionários.

"É difícil afirmar categoricamente que uma economia está estagnada. Não há dúvida, por outro lado, que há inflação no Brasil. Então estagflação pode ser um exagero, mas que estamos muito perto disso, se é que não estamos nisso, não há dúvida. Aqui, me incomoda muito menos essa referência de estagflação do que lá fora", alerta o ex-diretor do Banco Central e chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV, José Júlio Senna.

No País, segundo Senna, a "encrenca" é maior porque o crescimento per capita já foi medíocre nas últimas quatro décadas e a alta dos preços está mais disseminada. Senna destaca que a inflação brasileira não é motivada apenas pela inflação da pandemia - gargalos na produção e distribuição de produtos e deslocamento da demanda de serviços para bens -, como é o caso no mundo em geral, mas também por problemas climáticos - seca, geada e crise hídrica - e pelos riscos políticos e fiscais que se refletem no câmbio.

Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, o País já passa por uma moderada estagflação, ao considerar que mesmo que a crise sanitária sinalize um fim, os efeitos ainda demorarão para findar. "Olho a pandemia não a partir de um ano só, mas de três. Ainda está presente e ainda estará, de certa forma, em grau menor, mesmo com o avanço da vacinação. Há dúvidas em relação a novas cepas. Portando, considerando três anos de pandemia, estamos passando por um período suave de estagflação", afirma, ao estimar uma inflação acumulada de 18% no período e um PIB per capita caindo para a faixa de 1,3%.

Para Vale, ainda que os preços de Alimentação possam arrefecer em 2022, é quase impossível a inflação fechar no centro da meta. A MB estima 4,7% para o IPCA de 2022.

"Basicamente, há expectativa de pressão cambial e energia, que ainda vai continuar pesando. Mesmo com as chuvas, o La Niña [alteração cíclica das temperaturas médias do Oceano Pacífico] pode impedir recuperação dos reservatórios. Ou seja, a tarifa de energia continuará pressionada em 2022. E, no curto prazo, temos elementos mais críticos relacionados à crise de energia na Europa e China, além da expectativa de mudança na política monetária americana, de subir juros antes do esperado, o que já se reflete no câmbio", afirma.

O economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira, diz que estagflação é "sempre um termo forte". "Mas certamente podemos ter no Brasil um cenário de inflação ainda acima do centro do centro da meta e com o PIB crescendo a taxa abaixo do potencial, que já é baixa, de cerca de 1,5%. Aliás, a demanda está desacelerando e continuará esse movimento nos próximos trimestres."

No cenário do Fibra, o PIB deve crescer 1% em 2022, e a absorção doméstica (que desconsidera o comércio exterior na ótica da demanda) somente 0,5%. Já o IPCA deve encerrar o ano que vem em 4,5%, considerando a Selic em 9%, mas 2023 em 3,05% - aquém do centro da meta (3,25%).

"Para caracterizar estagflação, teríamos de ter uma inflação acima do teto da meta e um PIB perto de zero, um cenário que não é nossa projeção. Portanto, cenário de estagflação pode acontecer, mas não acho que seja preponderante", argumenta Romão, da LCA.

Problemas além-mar

O economista-chefe do Banco Alfa, Luis Otávio de Souza Leal, acrescenta que "uma estagflação não deve ficar restrita somente ao Brasil". "Há uma série de choques fazendo com que os índices de inflação disparem. Por mais que alguns digam que a alta será passageira, não parece que será resolvida no curto prazo", afirma.

Neste sentido, Souza Leal imagina que alguns bancos centrais terão de repensar a retomada de alta dos juros. "Vemos um processo em que a alta de juros e a da inflação está reduzindo a renda e, consequentemente, a demanda em alguns setores, com aumento do consumo de serviços e redução do de bens. Fica difícil sustentar algum crescimento", diz o economista do Alfa, acrescentando que a Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) de agosto, que será divulgada na semana que vem, deve ser um evento importante, no sentido se de averiguar se a reabertura das atividades está sustentando o crescimento.

Contato: thais.barcellos@estadao.com e reginam.silva@estadao.com
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