Economia & Mercados
23/02/2021 15:00

Especial: com vacinação e estímulo fiscal nos EUA, juros longos dos Treasuries devem subir mais


Por Iander Porcella

São Paulo, 22/02/2021 - A alta nos juros dos Treasuries de longo prazo se tornou o foco de atenção dos investidores em fevereiro. Com o aumento das expectativas de inflação nos Estados Unidos, os rendimentos da T-note de 10 anos romperam a marca de 1,3%, no maior nível em um ano e, segundo analistas, podem chegar a 1,7% no final de 2021. Para eles, a inclinação da curva de juros americana deve continuar durante o ano, à medida que a campanha de vacinação contra a covid-19 avance no país e os democratas aprovem novos estímulos fiscais à economia. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano), contudo, não deve restringir tão cedo sua política monetária, o que deve colocar um teto para o movimento de alta na ponta longa da curva.

A melhora da percepção dos investidores sobre a economia dos EUA ganhou impulso com o resultado das vendas no varejo americano em janeiro, que surpreenderam analistas ao registrar um salto de 5,3% na comparação com dezembro, muito acima das expectativas. O mercado atribuiu a "surpresa" aos efeitos do pacote de estímulos de US$ 900 bilhões aprovado pelo governo americano em dezembro de 2020. Com mais expansão fiscal à vista, as expectativas de aumento dos preços cresceram e os operadores começaram a precificar juros mais altos.

O primeiro grande movimento de alta nos juros longos ocorreu ainda no início do ano. No dia 6 de janeiro, o rendimento da T-note de 10 anos ultrapassou a marca de 1% pela primeira vez desde o início da pandemia. Naquele dia, o mercado acompanhava a contagem dos votos da eleição na Geórgia para dois assentos no Senado americano. As duas vitórias democratas deram ao partido do presidente Joe Biden o controle do Congresso, abrindo caminho para mais expansão fiscal.

O movimento de fevereiro, que levou o juro da T-note de 10 anos a romper o nível de 1,3% e o do T-bond de 30 anos a alcançar 2,1%, o maior nível também em um ano, ocorreu em meio ao avanço da tramitação do novo pacote fiscal no parlamento. Biden propôs US$ 1,9 trilhão em estímulos. Como o partido do presidente tem vantagem de apenas um voto no Senado, com o poder de desempate da vice-presidente Kamala Harris, os democratas acionaram uma resolução orçamentária que permite a aprovação da proposta por maioria simples, sem necessidade de apoio dos republicanos. A expectativa é que a nova rodada de incentivo à economia seja aprovada e enviada para sanção presidencial até meados de março.

Com mais gastos do governo no horizonte, além da promessa de Biden de ter vacinas contra a covid-19 suficientes para imunizar 300 milhões de americanos até o final de julho, as expectativas inflacionárias subiram. A taxa de inflação implícita - a diferença entre os rendimentos da T-note de 10 anos e dos títulos atrelados à inflação (TIPS) de mesma maturação - rompeu a marca de 2% pela primeira vez desde outubro de 2018.

A Oxford Economics espera, porém, que a inflação continue "benigna" nos EUA ao longo do ano. Mesmo assim, a consultoria britânica projeta um aumento "gradual" nos juros dos Treasuries de longo prazo. No cenário-base dos analistas, o rendimento da T-note de 10 anos sobe gradativamente para a faixa entre 1,5% e 1,6% no final deste ano. "No entanto, os riscos de alta para a inflação e os rendimentos estão aumentando", alerta a economista-chefe financeira para EUA da Oxford, Kathy Bostjancic.

O pacote fiscal, na visão de analistas do Julius Baer, aumentará o consumo privado, enquanto a imunidade de rebanho contra a covid-19, a ser alcançada com a vacinação, permitirá o retorno às atividades econômicas. O banco suíço elevou a projeção para o rendimento da T-note de 10 anos para daqui três meses, de 1,35% para 1,55%. Para daqui 12 meses, a estimativa passou de 1,65% para 1,70%. "O segundo grande estímulo fiscal dos EUA durante a pandemia de covid-19 empurrará o crescimento para bem acima do potencial em 2021", diz o economista-chefe da instituição financeira, David Kohl.

Uma continuidade da inclinação da curva de juros dos Treasuries também é estimada pela Capital Economics. "Esperamos que isso seja impulsionado principalmente por uma compensação de inflação mais alta, ao invés de rendimentos reais mais elevados", afirmam os analistas da consultoria britânica. A Capital Economics frisa, porém, que a abordagem dos bancos centrais, em especial o Fed, deve permanecer cautelosa. "Nossa visão ainda é que a política monetária permanecerá acomodatícia por vários anos, reduzindo aumentos adicionais nos rendimentos dos títulos do governo de 10 anos", dizem os profissionais. Com uma projeção mais conservadora, a consultoria estima que o rendimento da T-note de 10 anos só alcançará 1,75% no final de 2022.

"Taper Tantrum"

A discussão em torno de uma possível guinada na política monetária do Fed entrou em evidência com o aumento das expectativas inflacionárias. Os investidores começaram a especular sobre as chances de haver uma repetição do "Taper Tantrum" de 2013, quando a autoridade monetária americana subitamente começou a retirar os estímulos à economia, provocando mudanças repentinas na trajetória dos ativos.

No entanto, na ata da reunião de política monetária de janeiro, os dirigentes do BC americano reforçaram que a política monetária acomodatícia e as compras de ativos por meio do programa de relaxamento quantitativo (QE, na sigla em inglês) continuarão até que haja progresso em direção às metas de máximo emprego e inflação média de 2%. Um cenário como esse, segundo o próprio documento, demorará "algum tempo".

O Danske Bank, que projeta o juro da T-note de 10 anos em 1,7% no final deste ano, espera que o debate sobre a diminuição das compras de ativos ganhe mais força à medida que a recuperação econômica dos EUA acelere. Na visão do banco dinamarquês, apenas a possibilidade de ocorrer uma redução do QE ou uma antecipação do ciclo de alta da taxa básica de juros já pode afetar a ponta longa da curva. "Não esperamos nenhum aumento nos juros dos EUA nos próximos dois anos, mas o mercado pode começar a especular um movimento do Fed já em 2022", dizem os analistas do banco.

Impacto em ativos de risco

Além de puxar um movimento global de alta nos rendimentos dos títulos soberanos, a inclinação da curva de juros dos Treasuries também começou a gerar uma reprecificação em outros mercados. Os primeiros efeitos foram a valorização do dólar, que se torna mais atrativo para os investidores, e perdas nas bolsas de Nova York. Isso porque juros mais altos podem impactar os lucros de algumas empresas e também reduzem o apelo das ações.

Na visão do Citi, os primeiros movimentos de inclinação da curva estavam mais ligados às expectativas inflacionárias. No entanto, segundo o banco, os juros reais também começaram a subir, "o que apresenta mais desvantagem para ativos de risco".

O reflexo nesses ativos, de acordo com analistas do Bank of Montreal (BMO), está ligado à avaliação dos investidores sobre as implicações de custos de empréstimos mais altos em toda a economia.

Contato: iander.porcella@estadao.com
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