Economia & Mercados
14/09/2020 11:03

Especial: em meio à retomada desigual, varejo restrito já deve fechar ano no azul


Por Thaís Barcellos e Cícero Cotrim

São Paulo, 14/09/2020 - A leva de dados de atividade de julho consolidou a percepção de que a recuperação econômica da crise desencadeada pela pandemia de coronavírus será profundamente desigual. Depois do crescimento surpreendente do varejo, já há projeções positivas no conceito restrito em 2020, que, mesmo modestas, contrastam com a queda recorde prevista para o Produto Interno Bruto (PIB). Por outro lado, a expectativa é de que indústria e serviços fechem o ano com tombos de mais de 5,0%. O consumo de bens deve ganhar fôlego com a extensão do auxílio emergencial, embora a retirada do benefício possa causar um período de ajustes, com taxas negativas na margem no início de 2021. Já, nos serviços, sem solução para pandemia, a recuperação segue sem data marcada, o que também pode limitar o fôlego da retomada quando cessarem os estímulos fiscais.

Em julho, o varejo restrito teve o maior crescimento para o mês da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 5,2%, depois de 13,3% em maio e 8,5% em junho. Por isso, já se situa 5,3% acima do nível de fevereiro, pré-covid. No varejo ampliado, o avanço foi de 7,2% em julho. A indústria também tem mostrado recuperação forte, mas depois de tombo mais intenso em abril, por isso, ainda se situa 6% abaixo do nível pré-pandemia. Os serviços tiveram crescimento de 2,60%, depois de 5,20% em junho e -1,20% em maio, em nível ainda 12,5% menor do que antes da pandemia. Em 12 meses, também somente o varejo restrito está positivo (0,2%), contra -1,9% no ampliado, -4,5% em serviços e -5,7% da produção industrial.

No varejo restrito, o 'boom' de vendas de móveis e eletrodomésticos, que já se encontram 16,91% acima do nível de fevereiro e de supermercados, 8,94% superior, explicam as boas expectativas. No ampliado, as vendas de material de construção também são recordes, 13,94% acima do patamar pré-pandemia, mas a queda das vendas de veículos nos primeiros meses da pandemia tendem a impedir o crescimento no ano, dizem os economistas. Já nos serviços, os prestados às famílias e o transporte aéreo estão em patamar quase 60% inferior a fevereiro, enquanto o melhor desempenho é de serviços de tecnologia da informação (5,49% acima).

Esse descompasso forte entre os setores fica claro nas projeções do economista-sênior do Banco ABC Brasil, Daniel Xavier. Depois dos números de julho, ele revisou sua projeção para o volume de vendas do varejo restrito em 2020, de queda de 0,50% para crescimento de 0,20%. Em contrapartida, piorou sua estimativa para o desempenho do setor de serviços, de queda de 9,40% para contração de 10,0%.

"Os serviços prestados às famílias, em especial hotéis, buffets, restaurantes, estão demorando mais para decolar e é de se esperar que isso continue. No caso do varejo, dá para detectar a influência favorável das medidas de estímulo do governo, da transferência de renda sendo canalizada para setores de bens mais essenciais", resume.

De acordo com Xavier, a extensão do pagamento do auxílio emergencial até dezembro, mesmo que em valor reduzido, é um dos pontos que deve sustentar o consumo das famílias e um crescimento mais relevante do setor. No entanto, também é de se esperar um ajuste nessa alta nos primeiros meses de 2021, quando saírem da conta os incentivos.

"A renda corrente afeta muito o consumo das pessoas, e essa redução de renda corrente tende a afetar o consumo corrente de forma direta. Por isso, eu vejo um acomodação, com taxas levemente negativas na margem nos primeiros meses do ano que vem", explica Xavier.

A LCA Consultores também passou a prever crescimento do varejo restrito depois de julho confirmar o 'boom' de vendas, de 0,10%. Apesar de pequeno, terminar o ano no azul é significativo quando o conceito restrito deve cair 3,2%, a produção industrial deve ter queda de 6,3% e os serviços, de 5,5%, conforme as projeções da casa, diz o economista Lucas Rocca. Para o PIB, houve revisão de -5,6% para -4,8%, em parte impulsionada também pela extensão do auxílio emergencial até dezembro.

"A desigualdade entre os setores é uma limitação à retomada. Um dos setores que está mais sofrendo é de serviços, que é muito representativo no PIB. As incertezas sobre o mercado de trabalho e renda são outro ponto de atenção, assim como se o fim do auxílio vai influenciar o ritmo de retomada, se vai ser substituído por algo, como o Renda Brasil", diz Rocca.

A XP Investimentos projeta alta de 1,0% do varejo restrito, mesmo com a expectativa de alguma queda das vendas a partir de setembro. A redução do auxílio emergencial torna difícil a manutenção da atividade nos recordes históricos, segundo o economista Vitor Vidal.

A força do comércio, que já opera em nível próximo ao recorde da série, de outubro de 2014, colocaria até um viés de alta na projeção de PIB, hoje em queda de 4,8%, mas o desempenho fraco dos serviços mantém a projeção bem equilibrada. “As pessoas precisam ter mais confiança para consumir fora de casa, ou via vacina ou via uma percepção melhor sobre a situação da pandemia no País", diz Vidal. O economista espera queda de 6,7% para a PMS e de 8,2% da produção industrial em 2020.

Mais pessimista com atividade, com previsão de queda do PIB em 2020 entre 6% e 7%, a economista-chefe da consultoria A.C. Pastore & Associados, Paula Magalhães, destaca que é justamente o claro descompasso entre o consumo de bens e serviços nesta crise não só no Brasil, como também nos EUA, que explicam a cautela.

Se o PIB do segundo trimestre tivesse seguido a relação histórica com as vendas reais do varejo ampliado, ele cairia cerca de 4,0%, bem menos do que a contração de 9,7% registrada, diz Magalhães. Ela afirma que deve demorar até haver retomada no consumo de serviços, citando estudo do Itaú Unibanco que mostra que municípios com menor número de mortes e repasses governamentais têm recuperação do consumo mais forte do que localidades com mais óbitos e transferências.

Limitação

Olhando adiante, a economista não vê fatores a sustentar o crescimento. No varejo, para além do esperado fim do auxílio emergencial no começo de 2021, Magalhães nota que as vendas de material de construção e de móveis e eletrodomésticos já estão nos mais elevados níveis da série histórica. "Será que isso é sustentável? Ou será que as pessoas estão aproveitando que não estão gastando em um lugar e não estão gastando em outro e depois vão voltar a seus hábitos anteriores? E o quanto disso que não é inflado pelo o auxílio emergencial?"

Para a indústria, a economista não vê condutores para um crescimento forte após a recuperação das perdas do período mais intenso do isolamento social. Ela lembra que, desde o fim da recessão de 2015-2016, a indústria teve retomada muito fraca, de cerca de 0,30% por trimestre. Para 2021, a expectativa é de crescimento do PIB na faixa entre 2% e 3%. "A taxa de crescimento do ano que vem é mais pela queda deste ano", diz, referindo-se ao carrego estatístico.

Contatos: thais.barcellos@estadao.com e cicero.cotrim@estadao.com
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