Economia & Mercados
20/10/2020 09:24

Sem alívio no fiscal, mercado vê chance de Tesouro recorrer ao BC ou ao BNDES em 2021


Por: Denise Abarca

São Paulo, 20/10/2020 - Diante do agravamento das condições para a rolagem da dívida pública, o Tesouro pode ter que, mais uma vez, recorrer ao Banco Central (BC), solicitando nova transferência de recursos do lucro cambial para reforçar seu colchão de liquidez, ainda que não no curtíssimo prazo, mas já no começo de 2021. Outra possibilidade aventada é recorrer ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), cujo caixa permitiria o repasse.

Para analistas consultados pelo Broadcast, o quadro da dívida para os meses restantes de 2020 foi contornado com as mudanças realizadas no Plano Anual de Financiamento (PAF) e com a ação conjunta das duas instituições anunciada no dia 9. Porém, a expressiva concentração da dívida a vencer no primeiro semestre de 2021 - só entre janeiro e abril são R$ 643 bilhões - preocupa e pode exigir um novo aporte, sobretudo se não houver alívio nas incertezas fiscais e avanço das reformas, passadas as eleições municipais.

No fim de agosto, o Conselho Monetário Nacional (CMN) autorizou a transferência de R$ 325 bilhões das reservas de resultado cambial do BC. O repasse do lucro se deve à valorização do dólar e seu efeito no valor em reais das reservas internacionais. À época, o Tesouro pediu R$ 445 bilhões, mas o BC mostrou preocupação com o comportamento do balanço no segundo semestre e o risco de um prejuízo devido à volatilidade do câmbio. Em nota, o CMN afirmou que caso houvesse necessidade avaliaria, "ainda neste exercício, a ampliação deste valor", referindo-se aos R$ 325 bilhões que foram efetivamente transferidos.

Para o sócio-gestor da LAIC-HFM, Vitor Carvalho, acionar novamente o BC é uma opção para 2021. "Daqui até a virada do ano, o Tesouro vai levar como está, pois já ajustou o PAF e o cronograma de leilões, então deve guardar esta carta na manga para quando a situação estiver mais apertada", afirmou.

Na avaliação do economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, um novo repasse é possível, "até porque a desvalorização do câmbio foi contínua", num contexto de se ganhar tempo até que haja medidas concretas de alívio no cenário fiscal. "Até lá, não se tem muito a fazer, o Tesouro vai ter de usar a criatividade", afirmou.

Antes de apelar ao BC, o Tesouro teria outra possibilidade, a de recorrer ao BNDES, na avaliação do diretor do ASA Investments, Carlos Kawall. Ele destaca que, com o fim da suspensão da cobrança de dívidas a empresas e governos regionais no fim de setembro, o caixa do banco de fomento permitiria o repasse, "até porque os financiamentos de muitos programas de crédito na pandemia foram feitos com empréstimos do Tesouro". No último dia 13, o BNDES anunciou que a suspensão do pagamento das dívidas continuará valendo apenas para alguns setores, enquanto estados e municípios que possuem "operações indiretas automáticas" com o banco poderão solicitar a suspensão dos pagamentos de amortização e juros que seriam realizados de outubro a dezembro de 2020.

"A suspensão anterior envolveu R$ 12,4 bilhões, agora serão só R$ 2 bilhões, pois está limitada a alguns setores. E, mesmo com a suspensão, o caixa (do BNDES) subiu muito até agosto", afirmou. Segundo Kawall, citando o balancete de agosto, a posição do BNDES em compromissadas era de R$ 120 bilhões e R$ 54 bilhões em títulos e valores mobiliários. "Acredito que essa devolução deverá ocorrer em algum momento. Isso me parece mais plausível do que o socorro do BC", disse.

O subsecretário da dívida pública do Tesouro, José Franco de Morais, garantiu que até o final de dezembro o governo terá em caixa todo o dinheiro necessário para pagar os vencimentos dos primeiros quatro meses do ano.

Para um conforto mais perene na gestão da dívida, os profissionais veem como fundamentais medidas efetivas que possam garantir a manutenção do teto de gastos no ano que vem, além do andamento da agenda de reformas. Se tornadas realidades tais questões, o prêmio de risco fiscal embutido na curva vai cair, resultando em custos menores de emissão e, possivelmente, algum alongamento de prazo da dívida.

O economista-chefe da Necton, André Perfeito, ainda não vê a discussão sobre um novo repasse do BC ao Tesouro no radar, mas de todo modo, o início do ano que vem tem tudo para ser "a prova dos 9" para a rolagem da dívida. Ele se diz pessimista sobre qualquer avanço na área fiscal depois das eleições. "Acho que não vão conseguir resolver nada até março. O teto vai estourar porque a demanda por serviços públicos vai explodir. O governo não consegue criar uma agenda concisa nem admite que não consegue fazer o ajuste necessário", avalia.

Contato: denise.abarca@estadao.com
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