Economia & Mercados
19/01/2024 14:27

ENTREVISTA/LEGEND/BRUNO SALGADO: RISCO GEOPOLÍTICO É MAIOR QUE RISCO TRUMP NO MOMENTO


Por Francine De Lorenzo

São Paulo, 19/01/2024 - Depois de mais de 20 anos no BTG Pactual, Bruno Salgado chega à Legend Wealth Management com o intuito de expandir os negócios da gestora no exterior. Baseado em Miami, onde mora com a família, Salgado conta que a região está atraindo cada vez mais a atenção do mercado e diz não ter dúvidas de que Miami logo irá rivalizar com Nova York como polo financeiro nos EUA, em especial no que se refere a gestão de patrimônio. Em sua primeira entrevista na nova posição, Salgado contou ao Broadcast que, neste momento, se preocupa mais com as tensões geopolíticas do que com o risco Trump, e diz que esse cenário de ampla incerteza pode acabar sendo benéfico para o Brasil. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

Broadcast: Em seu processo de internacionalização, a Legend escolheu Miami para fixar bases nos EUA. Por que Miami?

Bruno Salgado: A internacionalização foi um processo natural da companhia. Os clientes estão demandando muito a diversificação de carteira também offshore. A parte da carteira no Brasil é mais ativa e a parte no exterior corresponde a uma previdência privada em moeda forte. Eu já estava em Miami há seis anos, trabalhando com o BTG Pactual. Cheguei em Miami em 2017 e, de lá pra cá, Miami mudou completamente em termos de investimentos. Houve um processo muito intenso de migração do mercado financeiro para Miami. Hoje, Miami é o grande centro de gestão de patrimônio vindo da América Latina. Todos os grandes players de wealth management da América Latina estão em Miami e investindo cada vez mais na cidade e menos em Nova York. Vários fatores contribuem para isso: imposto menor que em Nova York ou Chicago, movimento muito grande de venture capital e hedge funds vindo para cá por incentivo do governo, o mercado imobiliário e até o de esportes estão muito aquecidos aqui. Quando eu cheguei, já havia uma estrutura da Legend aqui, então foi natural permanecer aqui.

Broadcast: Essa escolha vai além, então, da comunidade de brasileiros em Miami.

Salgado: Vai além, mas também tem esse ponto. Nosso foco é atender a comunidade brasileira tanto aqui, como no Brasil.

Broadcast: Você vê a possibilidade de Miami acabar competindo com Nova York como centro financeiro?

Salgado: Eu não tenho dúvida. Principalmente na área de gestão de patrimônio, a competição é muito grande. Em Nova York temos o old money, mas em Miami temos, além do new money, os recursos de toda a América Latina. Principalmente os argentinos, mas também, mexicanos, colombianos, chilenos, mantêm uma poupança nos Estados Unidos. O crescimento de wealth management em Miami é muito maior que em Nova York. O que vemos agora são os times crescendo em Miami e diminuindo em Nova York.

Broadcast: Nos últimos anos, vimos um salto no interesse do brasileiro por investimentos no exterior e um aumento considerável na oferta de produtos e serviços para atender esse público. Estamos entrando agora numa fase de acomodação ou ainda há fôlego para avanço mais robusto?

Salgados: Acho que esse mercado continua crescendo, principalmente porque o acesso ao mercado offshore hoje ficou mais fácil para o investidor menor. A diversificação de patrimônio vem aumentando e estão olhando para o offshore por esse prisma da previdência privada em moeda forte. Com o dólar avançado, o que se percebe é que, se o brasileiro não tiver um patrimônio em dólar, ficará mais pobre em relação ao mundo. Por isso, acho que esse movimento de ir para fora só vai aumentar.

Broadcast: Esse movimento deve persistir mesmo com o risco Trump no radar?

Salgado: Existem alguns riscos no radar, e acho que o risco geopolítico é ainda maior que o risco Trump. Temos conflito no Mar Vermelho, guerra entre Israel e Hamas e entre Rússia e Ucrânia, a questão de Taiwan, com essa eleição recente... É um cenário muito incerto, com um risco que matemático nenhum consegue prever. É uma bomba relógio que está assustando. Quanto às eleições nos EUA, há o risco Trump, mas o mercado já o conhece e sabe como ele toca o dia a dia. O que precisamos saber agora é quem será de fato seu concorrente. Será mesmo o Biden? Acho que a eleição nos EUA ainda não está assustando o investidor. O mercado está muito mais preocupado em como essas questões geopolíticas podem impactar inflação e política monetária do que com as eleições nos EUA. Estão precificando um corte em massa nos juros e nós não acreditamos nisso. Creio que os cortes virão mais para o fim do primeiro semestre.

Broadcast: E quando a questão eleitoral nos EUA deve passar a refletir mais nos mercados?

Salgado: Acho que lá para o final do primeiro semestre, quando o desenho eleitoral ficar um pouco mais claro.

Broadcast: Diante de todas essas incertezas, ainda há espaço para ganhos nas bolsas americanas?

Salgado: Não acredito que haja muito espaço, principalmente por causa de inflação pressionada e crescimento econômico menor. As projeções apontam um potencial de cerca de 8% de alta para o S&P 500 neste ano. Mas há setores com um potencial interessante, como os de inteligência artificial, biotecnologia, ESG. Hoje, a melhor relação risco-retorno não está em bolsa. Está na renda fixa. Mas não acreditamos que seja o caso de ficar de fora completamente do mercado acionário.

Broadcast: De que forma todos esses riscos ainda podem impactar a economia global? O que poderíamos esperar de um eventual novo governo Trump?

Salgado: No caso do Mar Vermelho, há um claro risco de pressão inflacionária. Ainda não sabemos quanto, mas já há um aumento de custos de frete que vai aparecer na inflação. No caso do Trump, acho que o modelo de governo se repetiria. Seria ruim, considerando a conjuntura geopolítica que vivemos, já que as relações dele são mais duras, principalmente com a China. Não é o momento para uma guerra comercial. O que o mundo precisava agora era de um líder pacificador, mas não temos essa figura.

Broadcast: Como esse cenário de ampla incerteza pode se refletir no Brasil?

Salgado: Para o Brasil, isso pode acabar sendo muito bom. Em termos de alocação em mercados emergentes, o Brasil é um fluxo natural para os investidores estrangeiros. Na China a situação é confusa, principalmente pela alavancagem e a crise no setor imobiliário, que impactou fortemente o crescimento; na Rússia não dá pra investir; Índia tem um grande upside, mas há poucos ativos para investir. Restam México e Brasil. O sistema financeiro e o mercado no Brasil são muito maiores que no México. O Brasil está bem posicionado no setor agro, que hoje move muito a cadeia produtiva mundial. A Rússia, que era um grande concorrente do Brasil, saiu desse radar.

Broadcast: Existe confiança do investidor estrangeiro em tirar dinheiro de um mercado seguro, como o americano, para investir num emergente diante de um cenário tão incerto?

Salgado: Existe um apetite. Os hedge funds sempre têm um porcentual do seu portfólio voltado a emergentes. Eles olham para o mapa e avaliam o que há disponível. O fluxo chega ao Brasil mais por causa dos concorrentes do que por mérito do País, mas ainda há um prêmio. É o famoso pato: não vai voar, mas também não afunda.

Contato: francine.delorenzo@estadao.com
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