Economia & Mercados
22/07/2021 17:00

Especial: Distorção de ajuste sazonal na pandemia pode superestimar PIB, alertam especialistas


Por Cícero Cotrim e Thaís Barcellos

São Paulo, 22/07/2021 - O forte crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) na margem do primeiro trimestre elevou as expectativas de expansão em 2021 da casa de 3% para faixa de 5%, mas acendeu um alerta para a validade dos modelos de ajuste sazonal neste ano. Para especialistas ouvidos pelo Broadcast, o quase total fechamento da economia no segundo trimestre de 2020, auge da pandemia, criou distorções nos procedimentos estatísticos usados para "limpar" efeitos-calendário, como Natal, de cada mês ou trimestre e torná-los comparáveis entre si. Os resultados dos desvios incluem forte volatilidade nas séries econômicas e uma possível superestimação do ritmo de expansão da atividade neste ano.

O professor de Economia da Universidade Johns Hopkins Jonathan Wright, coautor de um estudo publicado pelo Federal Reserve (Fed, o banco central os EUA) de Nova York sobre o tema, explica que os modelos de ajuste sazonal entendem a forte contração da economia no segundo trimestre de 2020 como uma sinalização de que o período tem normalmente um nível baixo de atividade. Como o modelo revisa a série com cada nova informação, isso causa distorções nas leituras de atividade anteriores e posteriores, explica.

"Parece que o ajuste sazonal oficial do Brasil permitiu que isso aconteça, de modo que os fatores sazonais se tornaram muito distorcidos. Uma alternativa, amplamente aplicada nos EUA, é fazer ajustes manuais para impedir que o período desde março de 2020 tenha muito impacto nos fatores sazonais. Acho que essa é a melhor maneira de proceder", afirma Wright, após leitura do boxe do Relatório Trimestral de Inflação (RTI) de junho sobre o tema.

Exercícios feitos pelo Banco Central (BC) e pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) com modelos alternativos de ajuste sazonal indicam crescimento de 0,5% e 0,4% do PIB no primeiro trimestre de 2021, respectivamente - ambos muito abaixo da expansão de 1,2% na margem registrada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nos seus cálculos, o BC modelou todos os pontos a partir de março de 2020 como outliers e mostrou que o carrego estatístico para este ano cairia de 4,9% para 4,3% com o novo modelo.

No estudo da FGV, os pesquisadores Claudio Considera, Juliana Trece e Roberto Olinto aplicaram os fatores sazonais de 2019 à série encadeada do PIB de 2020 a 2021. Em publicação no blog do Ibre, eles alertam que o resultado calculado pelo IBGE pode estar superestimado, diante da dificuldade de verificar a precisão dos pacotes de ajuste sazonal, com a distorção de variáveis tradicionais como dias trabalhados, férias, feriados, Natal e Ano Novo.

Chefe de Contas Nacionais do IBGE de 1986 a 1992 e atualmente coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do Ibre, Considera alerta para a possibilidade de uma "correção estatística" do crescimento do PIB no quarto trimestre de 2021 devido ao possível desvio da sazonalidade. "O risco é que esse modelo de sazonalidade indique crescimento de 6% e você chegue ao fim do ano, quando não tem sazonalidade da série, e cresça (na verdade) 4% ou 2%. Pode acontecer, inclusive, que no fim do ano você tenha uma queda forte do PIB trimestral para chegar ao número fechado de 2021", avalia.

O ex-presidente do IBGE Roberto Olinto chama atenção para a fragilidade de fundamentos, como o mercado de trabalho, em um momento de incerteza com a dessazonalização dos dados e crescimento acima do esperado. "Se todo mundo que está fazendo projeção está estimando com um padrão sazonal que é ainda do passado, é preciso ter cuidado. Todo mundo está jogando lá para cima o crescimento, mas não temos essa informação estatística. Pode-se estar lidando com um erro", diz.

Olinto acrescenta que, com a superação da pandemia, o modelo de ajuste sazonal vai passar por outra fase de anomalia, pois vai comparar um período "sem eventos" com o retorno do padrão de consumo anterior à crise. "É uma confusão matemática danada. Pode superestimar ainda mais", diz. "O normal só vai acontecer em 2022 ou 2023, quando passar esse padrão tão atípico de comportamentos."

Apesar da incerteza em torno dos modelos, Considera diz que é improvável uma revisão da metodologia de ajuste sazonal pelo IBGE. "O IBGE não vai mudar o modelo de ajuste sazonal, acho que não vai mudar nada. Ele está seguro no modelo dele, não tem por que mudar. Nós, da FGV, podemos fazer o exercício com o modelo alternativo, mas também continuamos usando o modelo oficial", explica. A FGV estima crescimento de 5,2% do PIB de 2021.

O diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea, José Ronaldo Castro de Souza Júnior, destaca que o modelo usado pelo IBGE, o X13-ARIMA-SEATS, tem a característica de alterar a série ajustada sazonalmente a cada nova informação, principalmente os resultados imediatamente anteriores.

"A depender da variação, se for muito grande, pode gerar revisões igualmente grandes no número anteriormente divulgado. Como a pandemia gerou variações fortes nos dados de atividade, isso foi ampliado. A questão é que muita gente faz previsão usando o dado com ajuste e é preciso ter cuidado. O carregamento estatístico, por exemplo, é útil, mas não podemos usar a ferro e fogo, porque, se entrar um novo número e alterar a série, o carregamento muda", explica.

No Ipea, o economista explica que a modelagem estatística para projeção do PIB é feita com os dados sem ajuste sazonal para evitar esse ruído. Depois, para analisar o PIB trimestral, é passado o filtro estatístico para tirar a sazonalidade. A projeção atual para 2021 é de 4,80%. "A atividade surpreendeu e tem mostrado recuperação boa."

Contato: cicero.cotrim@estadao.com e thais.barcellos@estadao.com
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